Estado não oferece proteção contra as facções criminosas

A negação de direitos dentro dos presídios favorece a formação das facções criminosas e o surgimento de lideranças legitimadas pelo carisma ou mesmo pela força, como acontece no caso do PCC. Obr

Na opinião do senhor, o que provocou a megarrebelião ocorrida nos presídios de São Paulo, gerando a maior crise na segurança pública já vivida no Estado?
Na verdade é preciso associar as rebeliões ao crime organizado no sistema prisional paulista. Foi a existência dessa facção (o Primeiro Comando da Capital-PCC) que possibilitou uma rebelião de tão grandes proporções… Há muito tempo os presos estão tendo seus direitos negados e isso favorece a formação das facções criminosas. Então, quando surge uma liderança — legitimada pelo carisma ou mesmo pela força, como acontece no caso do PCC —, os outros presos são obrigados a fazer determinadas ações. O detento não reconhece no Estado uma instituição que realmente lhe dê proteção, pois afinal de contas o próprio Estado vem há muito tempo violando seus direitos. O certo é que ele não encontra no Estado uma alternativa para não se submeter a estrutura do crime organizado.

As denúncias de uma suposta negociação de autoridades do Estado de São Paulo com o líder do PCC, Marcos Camacho, o Marcola, evidenciaram a falta de controle sobre a situação?

Na minha opinião, existem algumas medidas que o Estado pode adotar para ter de volta esse controle. A primeira seria realmente o isolamento das lideranças, com essa política de transferência para outros presídios e inclusive para presídios internacionais. Isso pode ajudar a neutralizar o poder de comando dos líderes. Mas são necessárias também outras medidas, como por exemplo deixar preso só que precisa estar preso. Hoje, temos milhares de pessoas nas penitenciárias do País, que ficam vulneráveis à ação dos criminosos dessas facções. Se tivéssemos outra forma de lidar com autores de crimes menos graves, se déssemos outros encaminhamentos que não a prisão, estaríamos até diminuindo a influência dessas facções criminosas.

O senhor está propondo o quê? Penas alternativas?

Esse é um dos caminhos e outro seria efetivar alguns direitos dos presos, como a progressão de regime. Há muitos detentos com pena vencida porque o Judiciário não consegue dar vazão a isso. Existem muitas alternativas na legislação que iriam propiciar que a prisão servisse para quem tem uma situação mais complicada, perante a Justiça e a sociedade.

Há estudo identificando quantas pessoas estão nos presídios, embora já tenha cumprido a pena?

Na realidade, nós não temos esses números aqui na União, no Depen. Porém o próprio secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, nesse evento da rebelião disse que há presos com penas vencidas cujo processo para soltura ou progressão de regime estão demorando mais de seis meses ou, às vezes, mais de um ano. É ruim esse depoimento dele. São Paulo é o Estado que tem mais de 40% dos presos do País, então a gente percebe que realmente está havendo um descaso em relação à questão.

Na minha opinião, existem algumas medidas que o Estado pode adotar para ter de volta esse controle. A primeira seria realmente o isolamento das lideranças, com essa política de transferência para outros presídios e inclusive para presídios internacionais. Isso pode ajudar a neutralizar o poder de comando dos líderes. Mas são necessárias também outras medidas, como por exemplo deixar preso só que precisa estar preso. Hoje, temos milhares de pessoas nas penitenciárias do País, que ficam vulneráveis à ação dos criminosos dessas facções. Se tivéssemos outra forma de lidar com autores de crimes menos graves, se déssemos outros encaminhamentos que não a prisão, estaríamos até diminuindo a influência dessas facções criminosas.Esse é um dos caminhos e outro seria efetivar alguns direitos dos presos, como a progressão de regime. Há muitos detentos com pena vencida porque o Judiciário não consegue dar vazão a isso. Existem muitas alternativas na legislação que iriam propiciar que a prisão servisse para quem tem uma situação mais complicada, perante a Justiça e a sociedade.Na realidade, nós não temos esses números aqui na União, no Depen. Porém o próprio secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, nesse evento da rebelião disse que há presos com penas vencidas cujo processo para soltura ou progressão de regime estão demorando mais de seis meses ou, às vezes, mais de um ano. É ruim esse depoimento dele. São Paulo é o Estado que tem mais de 40% dos presos do País, então a gente percebe que realmente está havendo um descaso em relação à questão.

No País, sempre quando ocorrem fatos como estes surgem as medidas de emergência. Quarta-feira passada, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado aprovou um pacote de 11 projetos para conter a onda de violência e impor maior rigor nos presídios. Que acha desse tipo de iniciativa?

A própria trajetória do País mostra como ocorrem essas medidas emergenciais. Primeiro, elas vêm e depois, quando os ânimos se acalmam um pouco, as pessoas começam a pensar sobre o que foi aprovado. O Judiciário e o Executivo começam a voltar um pouco atrás. Veja o que foi feito com os crimes hediondos: editou-se uma lei proibindo a progressão e depois de um bom tempo o Supremo Tribunal percebeu que é inconstitucional e tomou uma medida para reverter a mudança. Acho que algumas coisas são interessantes de ser aprovadas neste momento. Por exemplo, a medida obrigando as empresas de telefonia a instalar os bloqueadores de celular na área do presídio e até por que não viola nenhum direito… É o tempo que vai depurar isso.

O presidente Lula, há quatro dias, declarou que o caos no sistema prisional tem origem na falta de investimentos em educação nas décadas de 70 e 80, quando não se cuidou corretamente das crianças e adolescentes que hoje, adultos, estão no crime…

O presidente fez uma colocação pertinente. Mas na verdade eu iria além dele, porque a educação é uma das formas de inclusão, de possibilitar a uma pessoa uma profissão e o direito à cidadania. Mas há outras formas de atenção que o Estado oferece para isso, na área da saúde, na distribuição de renda…, enfim medidas que precisam ser vistas como de segurança pública. Mais inclusão e mais harmonia na sociedade servirão para prevenir o que aconteceu em São Paulo.

Por falar em educação, o senhor esteve no Ceará para participar de seminário que discutiu a oferta de ensino nos presídios. Sobre o assunto, quais prioridades apontadas no Estado?

Nesse Estado foi dada ênfase à formação de professores e dos agentes penitenciários. Até porque esse professor precisa ter uma formação adequada para lidar com os presos, pois a realidade que ele enfrenta não é a mesma da escola de fora do presídio. Já o agente penitenciário tem que ser um facilitador. Caso não queira ajudar as aulas acontecerem, ele simplesmente não leva o preso da cela para a sala de aula, não é? E se tratar mal, o preso chegará desestimulado para assistir à aula. Por isso tudo, o Ceará deu muita ênfase nessa questão da formação. Agora, cada Estado construiu seu próprio plano de trabalho, levando em conta o que considerava prioritário para o local. Temos ainda previsto um seminário nacional para julho, o qual tentará consolidar diretrizes nacionais para oferta de educação no sistema.

Atualmente, no sistema penitenciário brasileiro como é feita a oferta de ensino para os detentos? Em âmbito nacional, a situação é muito variável?

Não há de fato uma uniformidade. A carência do sistema penitenciário é justamente essa: não existe uma política de educação consolidada. Cada Estado faz de um jeito, e dentro do Estado cada presídio faz a seu modo. E esse é um dos entraves, porque a gente não consegue definir o que é uma boa oferta dos serviços.

A rigor, o que a Lei de Execução Penal determina quanto à oferta de assistência educacional ao presidiário?

A legislação só estabelece que tem que ser obrigatória a oferta de educação nos presídios da alfabetização até o Ensino Fundamental. Mas não diz como deve acontecer.

O estudo no presídio pode contribuir para a remissão da pena?

Essa é outra coisa que a lei não determina. Existe na lei a previsão de que a cada três dias de trabalho seja descontado um da pena. Nossa luta é para que essa regra passe a valer também para o estudo. Entendemos ser esse um componente tão importante como o trabalho na formação pessoal do detento para que possa, ao sair, ser reintegrado à sociedade.

Entretanto, é sabido que muitos presídios não oferecem educação como prevê a lei…

É verdade, nem todos oferecem. E mesmo os que oferecem não têm ainda o consenso de como deve ser a oferta. Um debate que a gente enfrenta muito no País é sobre como deve ser a vinculação desse professor.

Como assim?

Até agora, estamos construindo a idéia de que eles devem ser vinculados à Secretaria de Educação, tem que ser o professor da rede pública. Há Estados em que a oferta de educação é feita pelo voluntariado. E o voluntário, por mais boa vontade que apresente, não conta com a preparação de um professor da rede pública. E o trabalho dele não resulta na certificação, enquanto o ensino oferecido por um profissional da rede pública possibilita o acesso a um certificado pela conclusão de um curso.

Num cenário permeado pela ânsia da liberdade, pela angústia do afastamento do convívio social e pela ociosidade, como os presidiários reagem à possibilidade de estudarem?

A receptividade costuma ser boa, os diretores das unidades dizem que a convivência entre eles até fica melhor. O grande problema das prisões hoje é que o Estado não consegue elaborar um programa para essas instituições. Coloca o preso lá dentro e não sabe exatamente o que fazer com ele. E vai deixando o sujeito lá. A partir daí vão se formando os problemas de violência, facções … Sem uma proposta clara do Estado de oferecimento de saúde e assistência social, o preso fica na ociosidade, não recebe visitas e vai perdendo todos os vínculos com a sociedade. E dá nisso, nessa violência.

Seriam esses também os motivos da reincidência em 80%?

Os dados que temos nacionalmente é mesmo de 80% de reincidência e muito em função da falta de proposta para atender essas pessoas.

Em termos de recursos, qual a quantia disponível para a assistência educacional dos presos?

Além de 1,5 milhão de reais para os seis Estados, que estamos investindo nesse projeto especificamente, o Ceará conta com várias outras formas de captar recursos. Por exemplo, cada preso que é matriculado na rede pública de ensino — e aqui no Ceará, se não me engano existem 5.700 presos matriculados — gera um crédito do Estado com o Ministério de Educação, através do Programa Brasil Alfabetizado ou Fazendo Escola. Então existem outros investimentos que são mais pulverizados.

Remissão da pena com estudo pode atrair o interesse dos presos. Mas qual é o entendimento jurídico sobre isso?

Fábio Costa Sá – Na verdade existem muitos entendimentos jurídicos sobre o assunto. Há juizes no Brasil que compreendem que embora a lei tenha dito remissão pelo trabalho, não quis excluir o estudo. Alguns juizes têm o entendimento de que se pode equiparar o trabalho a estudo. Para outros, não. Por isso, estamos reivindicando uma mudança na lei. Nós, do Depen, o MEC e vários organismos da sociedade civil estamos mobilizados para isso.

Há proposta no Congresso de reforma da lei de execução penal?

Há situações complicadas. Um exemplo disso é quando existem dois presos estudando no mesmo presídio e o processo de um vai para um juiz que entende poder conceder remissão pelo estudo; já o processo de outro para um juiz que entende que não. Cria-se aí uma situação estranha.

A discriminação e a exclusão social e política as quais os presos são submetidos contribuem para o descaso na oferta de ensino nos presídios?

Sim, até pelo fato de o preso não votar. Tanto que hoje existem questionamentos sobre se a legislação de fato proíbe esse direito político do detento. Além disso, boa parte daqueles que estão nos presídios são presos provisórios e a Constituição só fala na perda desse direito para quem foi condenado. Por isso, começa a surgir um movimento na sociedade civil pelo direito do detento de votar. Seria uma forma de tirar a invisibilidade pelo menos do preso provisório, para que passe a existir de fato, como um cidadão.

Estatísticas apontam que a população carcerária é formada, sobretudo, por pardos e negros, analfabetos ou semi-analfabetos, enfim por pessoas de situação socioeconômica menos favorecida. E qual é o quadro entre os presos no que se refere à instrução?

Fábio Costa Sá – Temos perto de 350 mil presos no País e 18% dessa população estuda, ou seja mais um menos uns 70 mil. Cerca de 70% da população carcerária não têm o Primeiro Grau completo e 10,5% são totalmente analfabeto. No País, sabemos que a fronteira entre não ter o Primeiro Grau completo e analfabetismo é tênue. Muitas vezes uma pessoa não sabe ler e nem escrever, mas não se declara como analfabeta com vergonha, embora seu nível de escolaridade seja muito baixo.

Entrevista concedida a Mozarly Almeida, do jornal Diário do Nordeste

Na minha opinião, existem algumas medidas que o Estado pode adotar para ter de volta esse controle. A primeira seria realmente o isolamento das lideranças, com essa política de transferência para outros presídios e inclusive para presídios internacionais. Isso pode ajudar a neutralizar o poder de comando dos líderes. Mas são necessárias também outras medidas, como por exemplo deixar preso só que precisa estar preso. Hoje, temos milhares de pessoas nas penitenciárias do País, que ficam vulneráveis à ação dos criminosos dessas facções. Se tivéssemos outra forma de lidar com autores de crimes menos graves, se déssemos outros encaminhamentos que não a prisão, estaríamos até diminuindo a influência dessas facções criminosas.Esse é um dos caminhos e outro seria efetivar alguns direitos dos presos, como a progressão de regime. Há muitos detentos com pena vencida porque o Judiciário não consegue dar vazão a isso. Existem muitas alternativas na legislação que iriam propiciar que a prisão servisse para quem tem uma situação mais complicada, perante a Justiça e a sociedade.Na realidade, nós não temos esses números aqui na União, no Depen. Porém o próprio secretário de Administração Penitenciária, Nagashi Furukawa, nesse evento da rebelião disse que há presos com penas vencidas cujo processo para soltura ou progressão de regime estão demorando mais de seis meses ou, às vezes, mais de um ano. É ruim esse depoimento dele. São Paulo é o Estado que tem mais de 40% dos presos do País, então a gente percebe que realmente está havendo um descaso em relação à questão.