Ideli Salvatti: “Um mantra para o PT”

Do ponto de vista do debate democrático, fundamental para o país, o ideal seria uma discussão marcada pelo alto nível e pela disputa de projetos consistentes para o Brasil. Gostaria de ver e debater com a oposição seu projeto de p

por Ideli Salvatti, líder do PT no Senado

Se o PT não podia se desesperar nos piores momentos da crise política, naqueles em que o pesadelo parecia interminável, também não pode calçar o salto alto agora que as pesquisas mostram recuperação do governo e favoritismo do presidente Lula para um segundo mandato.
Tanto quanto era um erro sucumbir à decepção e à sensação de incapacidade de sobrevivência a tsunamis diários, agora, é um tremendo equívoco deixar-se seduzir pela tentação do “já ganhou”. Sair da depressão para a euforia demonstra igualmente uma incapacidade de enxergar com nitidez a realidade. E enxergar a realidade não é tarefa fácil. Ainda mais para quem faz política com fortes doses de emoção, como nós, do PT. 
O momento exige mais do que nunca racionalidade. Nem que para chegar a ela tenhamos que repetir orações, mantras, ou o nome que quiserem dar à frase “não deixai-nos cair em tentação, livrai-nos do já ganhou”, que devemos repetir todos os dias ao levantar, antes de dar declarações, de tomar decisões e de dormir, pois até nossos sonhos precisamos influenciar com boas doses de humildade.
Foram ações muito concretas, reais, palpáveis, que contribuíram decisivamente para o governo e o presidente voltarem a ter avaliação positiva. Nossa aposta em que esse fator ajudaria na superação da crise foi desqualificada pela oposição, que além da overdose de denúncias, nunca cessou de pregar a incompetência e a paralisia do governo Lula.
Pesquisas e analistas felizmente mostram que os fatos são mais fortes do que as versões – ou seria do que as aversões? O certo é que, de forma resumida, a melhoria na vida de milhões de cidadãs e cidadãos brasileiros é inquestionável. Os números positivos dos indicadores econômicos e sociais se refletem nos números igualmente positivos das pesquisas.
O Instituto Datafolha mostra que o desempenho na área social é o maior trunfo de Lula: 25% dos eleitores do presidente baseiam seu voto em propostas, projetos e iniciativas na área social, como o Bolsa Família (mencionado por 14%), o Bolsa Escola (10% de menções) e o Fome Zero (4%), entre outros.
Juntando tudo isso com os fatores subjetivos, com o carisma do presidente, sem dúvida, o resultado é uma poderosa força pela reeleição. Uma força que vem inclusive influenciando outros setores e regiões mais difíceis. Também no levantamento do Datafolha, Lula melhora entre as mulheres, pessoas com nível superior e no Sul.     
Porém, este movimento ascendente é recente e de forma alguma está dada automaticamente sua continuidade. É bom não esquecermos que, no patamar em que estamos, as dificuldades de crescimento se acentuam. Os avanços serão menores. Com o início da campanha, a oposição pode crescer. E aí?
Se não tivermos a cabeça no lugar, a esquizofrenia que leva da depressão à euforia, da mesma forma pode fazer o caminho inverso. Uma instabilidade que seria desastrosa.   
Como fazer, então, para evitarmos esse problema? Penso que o melhor é justamente mantermos o foco naquilo que comprovadamente vem dando resultado. Os resultados das ações do governo, o caminho aberto para avanços no desenvolvimento vinculado à diminuição das desigualdades – não à concentração de renda -, e a capacidade de comunicação do presidente com o povo.
Neste momento, é preciso potencializar a vantagem extra que temos em relação à principal candidatura de oposição. O desenho da estratégia está muito mais definido para o PT do que para PSDB e PFL. A oposição está na fase do estudo. Corre contra o tempo, para a exposição que se aproxima. E ainda por cima disputa entre si quem tem o melhor traço, a melhor sacada.
Ao que tudo indica, no embate público verificado no comando da campanha oposicionista, os tons pastel vão sucumbir às pinceladas radicais e duras de mãos mais pesadas. Elas ocupam cada vez mais espaço, no vácuo deixado por quem, supostamente, a julgar por diversos comentários na imprensa, estaria mais de olho em 2010 do que nas eleições deste ano.
Não sei até que ponto isso é verdade. Se for, é uma pena. Do ponto de vista do debate democrático, fundamental para o país, o ideal seria uma discussão marcada pelo alto nível e pela disputa de projetos consistentes para o Brasil. Gostaria de ver e debater com a oposição seu projeto de país. Caso a opção seja pela campanha destrutiva, acho até que vai beneficiar o PT, mas não é o melhor para a democracia.
Se pintarem o Brasil de forma negativa, destrutiva, podem até fazer sucesso de crítica, mas não de público.    
Nem quero alertar demais a oposição, mas tradicionalmente o eleitor não gosta de disputa como se fosse luta de vale tudo. O resultado da overdose de acusações não apenas foi ineficiente para derrubar o presidente, como também não resultou em crédito para os candidatos de oposição.
Se a metralhadora giratória usada nas CPIs for a mesma usada na campanha, o tiro pode ser disparado no pé. Uma estratégia que, em última análise, ajuda o PT. Afinal, a capacidade de só dizer “não” equivale à incapacidade de apresentar uma alternativa melhor para o país. Mas quem sou eu para dar conselhos à oposição?
Meu alerta mesmo é para o PT. Não podemos nos desviar de nosso caminho, nem parar para fazer festa antes da chegada. Responder a provocações? Nem pensar! Cabeça no lugar, pé no chão, humildade, racionalidade. E se a tentação for muito grande, não hesitar em aumentar a dose da oração, do mais novo mantra petista: “livrai-nos do já ganhou”. Amém.