Após 35 anos, família resgata dignidade de Iara, companheira de Lamarca

Iara Iavelberg, guerrilheira e companheira do capitão Carlos Lamarca, morreu em combate em agosto de 1971; sua família, no entanto, teve de continuar lutando por 35 anos para resgatar a dignidade da heroína. No último domingo (11/6), seus

Para alguns isso pode parecer um detalhe, mas trata-se de uma importante vitória política e espiritual não apenas para os familiares de Iara, mas para toda a sociedade. A confirmação de que a militante de esquerda foi assassinada pelos órgãos de repressão da ditadura militar é mais uma etapa para que todos os crimes cometidos nesse período se tornem de conhecimento da sociedade brasileira.
Uma vida militante – Iara nasceu em São Paulo, em 7 de maio de 1944, era psicóloga e professora universitária. Ao ser assassinada, em 1971, tinha 27 anos.
Aos 16 anos casa-se com um estudante de medicina, mas aos 21 já está separada. Decide estudar psicologia, aprofundando o caráter humanitário de sua formação judaica. Filha de família de classe média, começa a tomar contato com organizações de esquerda na metade dos anos 1960, quando freqüentava a Universidade de São Paulo. Suas atenções se dividem entre a efervescente vida cultural paulistana e o começo de sua inserção nas atividades clandestinas.  
Jovem, bonita, inteligente e “antenada” culturalmente, sua figura desperta a atenção de muitos militantes, entre eles a de um capitão do exército, magro e de olhos profundamente escuros, que se juntara às causas populares. Lamarca e Iara se conhecem em abril de 1969, apesar de alguns amigos da guerrilheira garantirem que ambos já se conheciam antes. À época, Iara pertencia ao Comando de Libertação Nacional (Colina) e Lamarca à VPR (Vanguarda Popular Revolucionária).
Em junho daquele ano ambas organizações se fundem para formar a Vanguarda Armada Revolucionária – VAR-Palmares, e os contatos de Iara e Lamarca se estreitam até atingirem o grau de um amor quase impossível. O capitão, casado e com dois filhos, tem crises de consciência, mas é impotente diante do sentimento maior. Da clandestinidade, das reuniões nas quais Iara servia como “infra” (termo utilizado pela esquerda para designar pessoas responsáveis pelo trabalho de apoio), nasce e cresce a paixão entre os dois revolucionários.
No início de 1971 rompem com a organização e ingressaram no MR8. Em junho daquele ano, seguem para a Bahia, com o duplo objetivo de fugir ao cerco que se formava em São Paulo e no Rio de Janeiro e na intenção de estabelecer novas bases de sua organização.
Versões de um assassinato – À época, o relatório do Ministério da Marinha informava que Iara foi “morta em Salvador/BA, em ação de segurança”, sem prestar maiores esclarecimentos. Para o Ministério da Aeronáutica, a militante havia cometido suicídio “em 6 de agosto de 1971, no interior de uma residência, quando esta foi cercada pela polícia”.
Na certidão de óbito da guerrilheira, o médico Charles Pittex avaliza a versão de suicídio, mas a data, 20 de agosto de 1971, não confere com o de outros órgãos da ditadura militar. Os documentos de sua autópsia e os que relatam a cena do crime desapareceram, restou apenas um fragmento de papel, onde aparece a palavra "suicídio?", escrita por pelo dr. Pittex.
Uma versão diferente é dada por seus companheiros. Iara teria sido presa e levada para a sede do DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Vários presos que se encontravam naquele estabelecimento no mesmo período ouviram os gritos de uma mulher sendo torturada, identificando-a como sendo Iara.
Luta da família – Em 1996, com base em novas testemunhas, a família de Iara Iavelberg entrou na Justiça para solicitar a exumação do corpo. A direção do Cemitério Israelita de São Paulo negou o pedido alegando que isso contraria as tradições judaicas.
Teve início uma longa batalha judicial que perdurou até setembro de 2003, quando finalmente o corpo de Iara foi exumado. O resultado dos exames coordenados pelo professor Daniel Romero Muñoz, do Departamento de Medicina Legal, Ética Medica e Medicina Social e do Trabalho da USP foram divulgados em 16 de maio de 2005 e concluíram ser “improvável que a morte de Iara Iavelberg tenha ocorrido por suicídio".
Com base nessas novas evidências, a 16ª Vara Cível de São Paulo determinou o sepultamento na área comum do Cemitério e não mais na ala dos suicidas. Para o jornalista Samuel Iavelberg, um dos irmãos de Iara, o novo sepultamento da militante representa uma vitória política.
A advogada Suzana Figueredo que assessorou a família de Iara considera que essa decisão judicial pode pressionar para que outros casos ainda obscuros sejam solucionados. Segundo o Grupo Tortura Nunca Mais, ainda há 138 casos de desaparecidos políticos.

Fonte: Portal da CUT