Cresce descontentamento com Tabaré Vázquez na Frente Ampla

Grupo de parlamentares e partidários da Frente Ampla, força política do presidente Tabaré Vázquez, lança documento que critica "tendência neoliberal" do governo e exige mais participação. Assinado por per

Sebastián Valdomir* – Especial para Carta Maior

Uma declaração política assinada por um conjunto de personalidades e dirigentes da Frente Ampla, coalizão partidária de esquerda no poder no Uruguai desde as últimas eleições gerais, foi a primeira manifestação concreta, depois de um ano e meio de governo Tabaré Vasquez, por uma volta aos eixos programáticos que o elegeram em 31 de outubro de 2004.

O documento “Declaração de Frenteamplistas” foi apresentado nesta última quinta feira (15) durante coletiva de imprensa na sede da Frente Ampla em Montevideo, e foi assinado por nomes de peso da esquerda uruguaia, como o escritor Eduardo Galeano, os ex-deputados Guillermo Chiflett e Hugo Cores, e Sara Méndez, que teve seu filho sequestrado na prisão pela ditadura militar.

De acordo com o documento, “os frenteamplistas firmantes consideram
imprescindível que crie espaços de interlocução em todo o país que
possibilitem o fortalecimento de nossas capacidades de análise e ação
transformadora. (…) Esta é a nossa homenagem aos grandes esforços do nosso povo para criar a Frente Ampla e, em especial, aos que brindaram suas vidas na luta por um Uruguai mais livre e justo”.

MENOS NEOLIBERALISMO

Durante a coletiva de imprensa, os representantes do grupo que lançou o
documento afirmaram que, neste momento, não existe a intenção de criar um novo partido ou grupo político, nem se aventou a possibilidade da saída em massa da Frente Ampla. O objetivo seria demandar mais reflexão e debates sobre o governo Tabaré Vázquez em relação às perspectívas do programa histórico da Frente Ampla desde a sua fundação em 1971.

Por um lado, aponta o documento, vem ocorrendo uma falta de participação e articulação das bases da força política, em suas diversas agrupações, com o governo e com a direção da própria Frente Ampla.

“No primeiro ano de governo, foram tomadas decisões através de métodos não participativos, e foram implementads políticas questionáveis em relação ao nosso programa histórico”, afirma o documento. O processo participativo havia sido uma expectativa de aprofundamento das relações entre o governo e os chamados “comitês de base”, que sustentaram politicamente a Frente Ampla, formaram militantes e atuaram na conscientização coletiva nos anos de auge das políticas neoliberais no país.

Por outro lado, três pontos em especial da política de Tabaré tem trazido
insatisfações: a política econômica e a relação com os organismos
multilaterais de crédito, a possibilidade ainda não definida nem esclarecida
de um eventual Tratado de Livre Comércio (TLC) com os Estados Unidos e a
extinção da Lei de Anistia dos Crimes de violação dos direitos humanos
cometidos pela ditadura militar.

Em relação à política econômica do Ministério da Fazenda e do Banco Central, o documento considera que o país está não avançando na solução dos graves problemas de injustiça e iniquidades sociais, ainda que o PIB tenha crescido de forma ininterrupta desde 2003.

Também são questionados os termos da relação com o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), com quem o governo renegociou a dívida externa sem abordar nada que não seja conjuntural e passageiro no grave problema que é uma dívida maior que o PIB anual.

Segundo o documento, a política de atração de investimentos estrangeiros na qual se baseia a política econômica e que se ancora no regime de zonas
francas (isentas de impostos), provocando sérios riscos ambientais, também não contribui ao “país produtivo e sustentável” que seria um dos eixos centrais do programa de governo que elegeu a Frente Ampla.

Este ponto é uma referência direta ao fortalecimento da indústria de papel e celulose no país e ao avanço do monocultivo florestal de eucalipto que o
governo tem apoiado com o projeto de Reforma Tributária, que mantém os
benefícios fiscais à atividade florestal nos termos implantados pelos
partidos de direita.

Em relação à política externa implementada até o momento, o questionamento passa pela possibilidade de um avanço nas negociações de um TLC com os EUA, em detrimento de outras formas de integração sul-americana, como o Mercosul e o projeto da Alba, proposto pelo presidente venezuelano Hugo Chávez.

Este tema continua indefinido desde a volta de Tabaré Vázquez dos EUA no mês passado, quando se reuniu com presidente americano George Bush e quando se definiu que seriam estabelecidas negociações para aumentar o vínculo comercial dos dois países, sem no entanto definir o formato (TLC ou não).

Foi justamente a condução da política externa de Vasquez que levou o
ex-deputado Guillermo Chiflett – fundador e várias vezes parlamentar pela
Frente Ampla -, porta-voz do grupo signatário do documento, a renunciar de seu mandato no ano passado, quando discordou do posicionamento da bancada frenteamplista que aprovou o envio de tropas uruguaias ao Haiti.

Para ambos temas – política econômica e política externa – o documento sugere um debate e uma reflexão coletivos. Ainda que o grupo afirme que a Declaração não é um “racha” da Frente Ampla, uma nova agrupação política ou uma saída do partido, vários signatários propõe dar-lhe um caráter de “movimento interno”, que tentará implementar um processo de fortalecimento dos canais de participação política para influir nas definições dos órgãos de condução partidária e na linha do governo de Vasquez.

No entanto, os frenteamplistas sabem que há que se levar em conta uma das “frases de cabeceira” do atual presidente: üma coisa é o partido, outra
coisa é o governo. Quem governa é o governo e não as forças políticas.
Independentemente disso, o movimento por mais participação social promete iniciar um amplo ciclo de debates sobre as questões mais prementes, que deve ter início no dia 18 de julho, data em que o país juramenta a nova Constituição.

*Sebastian Valdomir é sociólogo e mestrando em cinências políticas no
Uruguai