Integração ganha com Estados mais fortes, diz ministro brasileiro

Para o ministro brasileiro Waldir Pires (Defesa), as movimentações militares na região fazem parte do fortalecimento institucional dos Estados nacionais, questão fundamental para o desenvolvimento, e não devem desviar a

Não faltam evidências de que o movimentado cenário latino-americano vem colocando o tema da Defesa Nacional em posição de destaque no amplo debate sobre as múltiplas faces da integração regional. Exercícios militares em centros urbanos e compra de armamentos por parte da Venezuela, reeleição do presidente Álvaro Uribe e sua estratégia repressiva da “Política de Defesa e Segurança Democrática” na Colômbia, presença constante de soldados norte-americanos em diversas regiões do subcontinente – inclusive com manobras no Caribe – e um furacão de interesses econômicos e geopolíticos dos mais diversos voltados para a Amazônia. No Congresso Nacional, a Câmara Federal celebra a criação da Frente Plurissetorial em Defesa das Forças Armadas Brasileiras e o Senado instala a Subcomissão Permanente para Modernização e Reaparelhamento das Forças Armadas, no âmbito da Comissão de Relações Exteriores (CRE).

Na quarta-feira da semana passada, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, participou da cerimônia de entrega dos 30 mil primeiros exemplares dos 100 mil fuzis Kalashnikov AK-103 e munições dos russos, dos quais obtiveram autorização inclusive para construir uma fábrica do armamento em questão. Chávez também confirmou a chegada, em breve, dos primeiros dos 24 caças supersônicos Sukhoi S-30; também foram adquiridos equipamentos de uso militar da Espanha (aviões e navios), Ucrânia e China. De acordo com o Balanço Militar 2006 do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos – International Institute of Strategic Studies (IISS), com sede em Londres -, que foi divulgado no início deste mês com dados relativos aos gastos militares de 162 países, o orçamento de Defesa da Venezuela aumentou cerca de 30%.

Na opinião do professor Alcides Costa Vaz, do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), a opção venezuelana pode ser um complicador para o processo de integração, pois o fortalecimento do aparato de Defesa de um país pode influenciar na insegurança de países vizinhos. Ele concorda, porém, que as Forças Armadas dos países da América Latina, em geral, perecem em estado de sucateamento, e são incapazes de cumprir funções básicas. Para Vaz, o aumento dos fluxos econômicos, sociais e culturais teceu um novo contexto de ‘relativização’ da soberania. “As políticas de Defesa, hoje, se tornaram mais interdependentes, o que confere maior complexidade para o tema”, complementa.

“Não temos nenhuma hesitação em dizer que há dificuldades, mas nós venceremos todas elas”, responde o ministro da Defesa, Waldir Pires. Em entrevista há cerca de dez dias, Pires demonstrou convicção no destino comum da América Latina. “Os dias de hoje não estão sendo fáceis. E o amanhã há de ser construído por nós todos. A América Latina deve ter uma decisão política de se integrar. Para o Brasil, isso não é uma política de governo. É uma política da Nação. Isso está determinado na Constituição brasileira”, ressalta o ministro, ex-governador da Bahia (1987-1989) que também foi Consultor-Geral da República no governo João Goulart (1963-1964) e ministro da Previdência (1985-1986) do governo Sarney. “E os resultados dessa integração já se dão na potencialidade da economia brasileira. Nós hoje temos uma pauta de exportações para a América Latina significativa. Então, evidentemente que para o Brasil, com todas as suas potencialidades, e com sua tradição de paz, de relações externas pacíficas, convém que nós desenvolvamos isso”.

Nesse particular, Pires considera o exemplo da União Européia um fator de estímulo. “Em 1946 [com o final da II Guerra Mundial], a União Européia já estava sendo pensada e encontrou muitas resistências. Nós [na América Latina] temos aqui e ali alguns focos reduzidos [de conflito], na União Européia havia tradição de briga, de luta, de guerra entre os países e foi possível construir [o bloco]. Eles levaram 14 anos, de 1946 até 1960 para assinar o Tratado de Roma”, realça. “E de 1960 para a união monetária, em 2000, foram mais 40 anos. É um esforço cultural, de hábitos, de interesses e de vitórias sobre conflitos”.

As raízes da integração residem em grande medida, no entendimento do ministro, no próprio quadro de enfraquecimento e contestação da capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) como “grande cenário internacional de resolução de debates e conflitos pelo diálogo”. “Não se conseguiu até hoje instalar um Tribunal Penal Internacional. Por quê?”, ironiza.

A reflexão do ministro estabelece uma ponte entre o impulso integracionista e o desafio do desenvolvimento dos países latino-americanos que, para ele, deve se dar, pelo menos durante todo o século 21, com base no fortalecimento institucional dos Estados nacionais. “Queremos o Estado nacional democrático, de Direito, constituído de cidadãos, para vencer as nossas desigualdades indecentes, para termos condições de desenvolver nossos mecanismos democráticos e nossa governança, com a garantia de políticas de dissuasão clara”, enfatiza. Nesse sentido, a força de um bloco tende a acompanhar o grau de fortalecimento institucional das nações que dele fazem parte.

Para garantir esse poder de dissuasão, o ministro sublinha a necessidade de investimento maior na área de Defesa Nacional. “Todo o setor de Defesa evidentemente está vinculado a uma idéia de capacidade de se defender, de resposta. Precisamos ter capacidade de tecnologia aeroespacial, sem nenhuma dúvida. Já estamos crescendo. Mais de 70% [exatamente 72%] dos aviões que são utilizados pela Força Aérea Brasileira (FAB) são fabricados no Brasil”, pontua. “Não podemos ficar à mercê de vetos. Fomos impedidos de realizar transações comerciais [venda de aviões para o governo venezuelano] porque nós estávamos na dependência de um fornecedor [de equipamentos dos EUA]”.

Reforma do Estado

 

O fortalecimento das Forças Armadas deve se encaixar, na visão de Pires, no conjunto das iniciativas de democratização e na institucionalização permanente do Estado para “um poder político forte, servido de Forças Armadas fortes, que estão subordinadas a uma decisão civil do Estado democrático”. Para ele, já está em curso uma espécie de reforma branca do Estado, pois “isso já está na lei, mas temos que fazer a prática para que isso se dê”.

O ministro utiliza a sua própria experiência na Controladoria-Geral da União (CGU) – sob sua batuta do início do governo Lula até abril deste ano, quando assumiu o comando do Ministério da Defesa – como exemplo dessa conjunção entre democratização e fortalecimento do Estado. “Quando nós instalamos o sistema de controle dos gastos públicos na Controladoria-Geral da União foi para dizer isso. Naquela ocasião, chegamos a uma metodologia que disponibilizou, em uma iniciativa inédita, 350 milhões de informações sobre os gastos públicos federais no Brasil a qualquer cidadão, sem nenhuma senha, sem nenhuma linguagem hermética. Para dizer aos cidadãos todos: ‘tomem conta do seu dinheiro!’”.

“Isso não se instala por decreto, mas é uma posição de perseverança: implantação e continuidade. Já estamos fazendo isso”, pondera. “Nós fizemos sorteios abertos para o público em geral – imprensa, representação de partidos, de todas as áreas da sociedade – de 60 municípios por mês. E mantivemos [as fiscalizações de contratos e a divulgação dos resultados]. Ainda não temos capacidade de atender toda demanda da sociedade, mas já melhoramos muito”. A CGU passou um pente fino na conta de mil municípios. “Daí você vai ter toda uma modificação do sentido participativo. Nesse mesmo sentido, é a luta pela paz”.

Pires já tem na agenda um compromisso importante para exercitar o esforço complementar pelo desenvolvimento nacional e pela integração regional. Está marcada para 3 de julho uma reunião de todos os ministros de Defesa dos oito países pan-amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), em Bogotá, capital da Colômbia, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).