Integração ganha com Estados mais fortes, diz ministro brasileiro
Para o ministro brasileiro Waldir Pires (Defesa), as movimentações militares na região fazem parte do fortalecimento institucional dos Estados nacionais, questão fundamental para o desenvolvimento, e não devem desviar a
Publicado 19/06/2006 16:10
Na quarta-feira da semana passada, o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, participou da cerimônia de entrega dos 30 mil primeiros exemplares dos 100 mil fuzis Kalashnikov AK-103 e munições dos russos, dos quais obtiveram autorização inclusive para construir uma fábrica do armamento em questão. Chávez também confirmou a chegada, em breve, dos primeiros dos 24 caças supersônicos Sukhoi S-30; também foram adquiridos equipamentos de uso militar da Espanha (aviões e navios), Ucrânia e China. De acordo com o Balanço Militar 2006 do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos – International Institute of Strategic Studies (IISS), com sede em Londres -, que foi divulgado no início deste mês com dados relativos aos gastos militares de 162 países, o orçamento de Defesa da Venezuela aumentou cerca de 30%.
“Não temos nenhuma hesitação em dizer que há dificuldades, mas nós venceremos todas elas”, responde o ministro da Defesa, Waldir Pires. Em entrevista há cerca de dez dias, Pires demonstrou convicção no destino comum da América Latina. “Os dias de hoje não estão sendo fáceis. E o amanhã há de ser construído por nós todos. A América Latina deve ter uma decisão política de se integrar. Para o Brasil, isso não é uma política de governo. É uma política da Nação. Isso está determinado na Constituição brasileira”, ressalta o ministro, ex-governador da Bahia (1987-1989) que também foi Consultor-Geral da República no governo João Goulart (1963-1964) e ministro da Previdência (1985-1986) do governo Sarney. “E os resultados dessa integração já se dão na potencialidade da economia brasileira. Nós hoje temos uma pauta de exportações para a América Latina significativa. Então, evidentemente que para o Brasil, com todas as suas potencialidades, e com sua tradição de paz, de relações externas pacíficas, convém que nós desenvolvamos isso”.
Nesse particular, Pires considera o exemplo da União Européia um fator de estímulo. “Em 1946 [com o final da II Guerra Mundial], a União Européia já estava sendo pensada e encontrou muitas resistências. Nós [na América Latina] temos aqui e ali alguns focos reduzidos [de conflito], na União Européia havia tradição de briga, de luta, de guerra entre os países e foi possível construir [o bloco]. Eles levaram 14 anos, de 1946 até 1960 para assinar o Tratado de Roma”, realça. “E de 1960 para a união monetária, em 2000, foram mais 40 anos. É um esforço cultural, de hábitos, de interesses e de vitórias sobre conflitos”.
As raízes da integração residem em grande medida, no entendimento do ministro, no próprio quadro de enfraquecimento e contestação da capacidade da Organização das Nações Unidas (ONU) como “grande cenário internacional de resolução de debates e conflitos pelo diálogo”. “Não se conseguiu até hoje instalar um Tribunal Penal Internacional. Por quê?”, ironiza.
A reflexão do ministro estabelece uma ponte entre o impulso integracionista e o desafio do desenvolvimento dos países latino-americanos que, para ele, deve se dar, pelo menos durante todo o século 21, com base no fortalecimento institucional dos Estados nacionais. “Queremos o Estado nacional democrático, de Direito, constituído de cidadãos, para vencer as nossas desigualdades indecentes, para termos condições de desenvolver nossos mecanismos democráticos e nossa governança, com a garantia de políticas de dissuasão clara”, enfatiza. Nesse sentido, a força de um bloco tende a acompanhar o grau de fortalecimento institucional das nações que dele fazem parte.
Para garantir esse poder de dissuasão, o ministro sublinha a necessidade de investimento maior na área de Defesa Nacional. “Todo o setor de Defesa evidentemente está vinculado a uma idéia de capacidade de se defender, de resposta. Precisamos ter capacidade de tecnologia aeroespacial, sem nenhuma dúvida. Já estamos crescendo. Mais de 70% [exatamente 72%] dos aviões que são utilizados pela Força Aérea Brasileira (FAB) são fabricados no Brasil”, pontua. “Não podemos ficar à mercê de vetos. Fomos impedidos de realizar transações comerciais [venda de aviões para o governo venezuelano] porque nós estávamos na dependência de um fornecedor [de equipamentos dos EUA]”.
Reforma do Estado
O fortalecimento das Forças Armadas deve se encaixar, na visão de Pires, no conjunto das iniciativas de democratização e na institucionalização permanente do Estado para “um poder político forte, servido de Forças Armadas fortes, que estão subordinadas a uma decisão civil do Estado democrático”. Para ele, já está em curso uma espécie de reforma branca do Estado, pois “isso já está na lei, mas temos que fazer a prática para que isso se dê”.
O ministro utiliza a sua própria experiência na Controladoria-Geral da União (CGU) – sob sua batuta do início do governo Lula até abril deste ano, quando assumiu o comando do Ministério da Defesa – como exemplo dessa conjunção entre democratização e fortalecimento do Estado. “Quando nós instalamos o sistema de controle dos gastos públicos na Controladoria-Geral da União foi para dizer isso. Naquela ocasião, chegamos a uma metodologia que disponibilizou, em uma iniciativa inédita, 350 milhões de informações sobre os gastos públicos federais no Brasil a qualquer cidadão, sem nenhuma senha, sem nenhuma linguagem hermética. Para dizer aos cidadãos todos: ‘tomem conta do seu dinheiro!’”.
“Isso não se instala por decreto, mas é uma posição de perseverança: implantação e continuidade. Já estamos fazendo isso”, pondera. “Nós fizemos sorteios abertos para o público em geral – imprensa, representação de partidos, de todas as áreas da sociedade – de 60 municípios por mês. E mantivemos [as fiscalizações de contratos e a divulgação dos resultados]. Ainda não temos capacidade de atender toda demanda da sociedade, mas já melhoramos muito”. A CGU passou um pente fino na conta de mil municípios. “Daí você vai ter toda uma modificação do sentido participativo. Nesse mesmo sentido, é a luta pela paz”.
Pires já tem na agenda um compromisso importante para exercitar o esforço complementar pelo desenvolvimento nacional e pela integração regional. Está marcada para 3 de julho uma reunião de todos os ministros de Defesa dos oito países pan-amazônicos (Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela), em Bogotá, capital da Colômbia, no âmbito da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCA).