Mercosul precisa de ''new deal'', diz Celso Amorim no Uruguai

Em visita ao Uruguai, o ministro Celso Amorim redobra os esforços para apaziguar os ânimos exaltados por insatisfações com o Mercosul e promete empenho do Brasil em medidas que reduzam as assimetrias entre os primos ricos e pobr

Recentes demonstrações de insatisfação com o Mercosul por parte do Paraguai e do Uruguai, entre elas um quase rompimento com o bloco supostamente anunciado a colaboradores pelo presidente uruguaio, Tabaré Vasquez, deixou o Itamaraty em alerta e motivou uma viagem do ministro das Relações Exteriores, Celos Amorim, primeiramente ao Uruguai nesta última semana, e um agendamento para uma visita também ao Paraguai.

Em reuniões com o presidente Tabaré Vasquez e com os ministros da Economia, Danilo Astori, da Agropecuária, José Mujica, e das Relações Exteriores, Reynaldo Gargano, Amorim procurou “não apenas passar em revista os temas da conjuntura”, mas fundamentalmente “manifestar a consciência que temos no Brasil de que é preciso dar um salto qualitativo no Mercosul”.

Em coletiva de imprensa concedida juntamente com o chanceler uruguaio Reynaldo Gargano nesta sexta-feira (23/06), Amorim afirmou que esta diretriz conduzirá o exercício da presidência do bloco pelo Brasil no próximo semestre. Ou seja, haverá uma grande aposta em um salto qualitativo que faça avançar um Mercosul puramente aduaneiro para uma integração que atenda às necessidades de todos os membros, principalmente os países menores.

“Queremos um novo entendimento, um novo acordo no sentido jurídico, um ‘new deal’ no Mercosul para as economias menores e, em particular, para o Uruguai”, afirmou Amorim. Segundo ele, o fato de o Uruguai exportar menos para o Brasil do que há 15 anos já indica que as medidas tomadas no âmbito do Mercosul são insuficientes. “Isso gera frustração”, ponderou.

Nos últimos tempos, tanto o Uruguai como o Paraguai tem manifestado, de formas diferentes, esta “frustração” com o bloco. O Paraguai permitindo que efetivos militares dos EUA ocupassem pontos estratégicos na região do Chaco, zona fronteiriça com a Bolívia – supostamente para prestar serviço de saneamento para populações isoladas -, e o Uruguai através do empenho em negociações bilaterais com o governo americano, que poderão efetivar um Tratado de Livre Comércio (TLC) entre os dois países.

Sobre este ponto específico, Amorim foi taxativo. “Não se tratar de permitir ou não, de exercer um veto ou não às negociações bilaterais com países externos ao Mercosul. A questão tem a ver com a lógica do sistema de integração que estamos buscando. O Brasil respeitará as decisões que cada país adotar, mas temos que ganhar coletivamente com uma integração mais profunda. Uma união aduaneira como o Mercosul pressupõe que os países negociem em conjunto”.

Mesmo que o ministro das Relações Exteriores uruguaio tenha afirmado que seu país não encaminhou ao Mercosul nenhum tipo de solicitação de autonomia para negociar qualquer tema, não é segredo que, depois da visita do presidente Tabaré Vasquez aos EUA em maio passado, a negociação de um TLC é uma idéia fixa da equipe econômica do ministro Astori, apesar da oposição de agrupamentos políticas que compõe a Frente Ampla, como o Movimento de Participação Popular do Ministro Mujica, o Partido Socialista do qual é integrante o chanceler Gargano, e o Partido Comunista.

Redução de assimetrias
Apesar de reforçar as boas intenções do Brasil no sentido de combater as assimetrias entre os países do Mercosul, Amorim avisou que a as medidas adotadas levarão algum tempo para apresentar resultados efetivos, e pediu um voto de confiança a Vasquez.

O chanceler brasileiro também frisou que apenas o aprofundamento do livre comercio entre os países do bloco é insuficiente para fazer avançar a integração da região. “Para isso são necessários outros mecanismos, que incluem financiamento, compras governamentais e compatibilidade de normas técnicas que facilitem as exportações dos países menores para os maiores”, afirmou.

De concreto, as negociações entre Brasil e Uruguai nestes últimos dias avançaram em questões como o apoio da Finep (Financiadora de Estudos e Projetos do governo) a projetos de pré-investimento, apoio mútuo dos serviços sanitários de ambos os países no combate à febre aftosa, cooperação entre os serviços de meteorologia, e cooperação para harmonizar as normas técnicas do Brasil e do Uruguai. O Uruguai também passará a integrar formalmente o Convênio de Pesquisa em Biotecnologia composto pelo Brasil e pela Argentina.

Também foi discutida a possibilidade do apoio do BNDES à reconstrução do sistema ferroviário uruguaio, e houveram avanços no tópico compras governamentais, cuja regulamentação, porém , terá que passar pelo Congresso Nacional.

Próximos passos
Em relação à outra pedra no sapato do Mercosul, as desavenças entre os governos uruguaio e argentino em função da guerra das empresas de papel e celulose sobre o rio Uruguai – a pendenga foi parar na Corte Internacional de Justiça de Haya -, o vendaval parece estar amainando. Tabaré Vasquez já confirmou que participa da Cúpula dos Presidentes do Mercosul nos dias 20 e 21 de julho em Córdoba, Argentina, e uma recente reaproximação dos presidentes dos dois países nos últimos dias pode ser selada em um encontro durante o evento.

Outra questão que deverá ser tratada na Cúpula é a aprovação do Fundo de Reestruturação do Mercosul. Os chamados Fundos Estruturais foram aprovados em junho de 2005 e prevêem o aporte financeiro, em volume proporcional ao tamanho das economias do Mercosul, para obras de infra-estrutura e apoio ao desenvolvimento dos países menores e de regiões mais vulneráveis do Brasil e da Argentina. Para este ano, está previsto um aporte de 100 milhões de dólares, 70% dos quais deve sair do Brasil.

Com o ingresso da Venezuela como membro pleno do bloco, que também se efetivará na Cúpula de Córdoba, os Fundos também passarão a receber verbas venezuelanas, que deverão ser investidos em projetos de integração energética entre Brasil e Uruguai.

Questionado sobre as possibilidades concretas de implantar esta nova visão do Mercosul proposta pelo Brasil, Amorim afirmou a jornalistas uruguaios que “garantias na vida não se tem nunca, e em política as certezas não existem. Mais existe a vontade política. Eu não teria vindo [ao Uruguai] com tanta gente dos setores produtivos, industriais e de financiamento se não acreditasse nisso”.

Por Sebastian Valdomir, cientista político,
colaborador da Carta Maior no Uruguai