Zinedine Zidane e a cabeçada de um Homem

A cabeçada de Zidane em Materazzi pegou de surpresa a todos, sobretudo os que sempre esperam que as pessoas se comportem de acordo com um padrão rígido, justo, irrecorrível e indiscutível. Mas o que podemos v

No Brasil, depois da derrota na Copa do Mundo de 2006, o incidente de maior repercussão sociomidiática foi o protagonizado por Zidane. A cabeçada de Zizou em Materazzi pegou de surpresa a todos, principalmente os que compartilham das visões conservadoras. Estes sempre esperam que as pessoas se comportem de acordo com um padrão rígido, previamente enunciado e considerado justo, irrecorrível e indiscutível.


 


Por aqui, as torcidas gostaram da expulsão do craque francês que contribuiu com a nossa derrota. Afinal, foi seu gol, acompanhado do seu brilhantismo em campo, o que nos derrotou e nos fez amargar o despertar do sonho do hexacampeonato (Nota da redação: o gol que desclassificou o Brasil foi anotado por Thiery Henry, após cobrança de falta efetuada por Zinedine Zidane). Este sonho, amplamente midiatizado, tem várias faces. A menos importante, no quadro atual, é a do futebol, enquanto esporte e arte. A mais importante é a dos negócios e da publicidade que envolvem e asfixiam o velho esporte bretão.


 


A face política, ou melhor, a do uso político do futebol, está longe de ter a mesma importância, como a da época da ditadura. Repete-se, apenas, como comédia, como muitas das tragédias modernas. Resta, ainda, como significativo, a política diluída como afirmação da nacionalidade, isto é, como construção mental do país dos brasileiros. A face sociocultural, relacionada às apropriações e significações variadas das Copas do Mundo, permanece se desenvolvendo e se multiplicando, na busca incessante da nação brasileira reencontrar-se consigo mesma, para trilhar seu caminho histórico.


 


O futebol também tem uma face humana, em constante reconstrução. Os jogadores, os técnicos, os locutores, os comentaristas, as ‘autoridades’ da FIFA, dentre outros, são personas midiáticas. Flutuam na subjetividade construída pelas mídias como seres sobrenaturais, que são usados como modelos de virtude, capacidade de vencer desafios e se integrar em culturas diversas. Pouco se sabe destes seres, na objetividade de suas vidas. Entretanto, sabe-se muito sobre a imagem que deles é divulgada.


 


A imagem de Zidane, por exemplo, é a imagem de alguém de ascendência árabe – isto é, do Terceiro Mundo – que foi para um país do Primeiro Mundo, ficando lá rico e famoso. Zizou é alguém que venceu os inúmeros obstáculos de sua estirpe. Ganhou, por efeito do seu talento, uma posição no panteão dos semideuses do futebol mundial. As vozes da conservação não podem aceitar o que ele fez. Afinal, não lhe bastava a fama, a grana e o reconhecimento de sua pátria adotiva. Por quê chutar o balde? Por quê comportar-se como qualquer um?


 


O que Zidane revelou é que é um Homem. Não no sentido de Macho e opressor das mulheres. Zidane tem honra, e isto para ele é mais importante do que dinheiro, fama e poder. Zidane não aceita a agressão verbal continuada. Não importa o que o italiano disse. Várias versões conflitantes falam em qualquer coisa como a mãe puta e a irmã prostituta. O italiano disse que é ‘burro’, mas não ao ponto de chamar Zizou de “terrorista islâmico”.


 


Talvez, nunca venhamos saber exatamente que palavras foram trocadas. O próprio Zidane não quer falar sobre o assunto. Passado o tempo, tudo que disserem as partes será iluminado por um momento diferente do contexto onde tudo se passou. Não se sabe se isto realmente importa. O que pudemos ver é que Zizou foi continuamente xingado. Defendeu-se com a cabeça. Aliás esta parte de nosso corpo tem várias finalidades. Pode ser usada, por exemplo, para pensar o mundo sem os clichês do ‘politicamente correto’ e de outras das vozes da conservação.


 

Luís Carlos Lopes é professor do Instituto de Artes e Comunicação Social da Universidade Federal Fluminese (UFF).