Chile abre Museu da Solidariedade Salvador Allende

Mais de 30 anos após a morte do presidente socialista que sonhou em aproximar a arte das camadas populares, o Museu da Solidariedade Salvador Allende abriu as portas nesta quarta-feira (19/07) em Santiago no Chile, disponibilizando a seus visitantes uma v

“Este museu vem de certa maneira instalar a figura de Allende no local que merece. Cada vez mais, os cidadãos reconhecem em Allende todas as qualidades que, de alguma maneira, ficaram sepultadas durante os 17 anos de ditadura”, expressou, ao inaugurar o museu, a deputada Isabel Allende, filha do ex-presidente que se suicidou durante o golpe militar do general Augusto Pinochet, em 11 de setembro de 1973. “Este era um sonho de meu pai: aproximar a arte contemporânea do mundo popular. Esperamos agora realizar este sonho, ao inaugurar esta sede definitiva do museu, após um trajeto errante das obras por diversos locais nas últimas décadas”.


 


As pinturas expostas são um testemunho comovente da contribuição de Allende à causa socialista por parte de artistas de todo o mundo que, após a sua morte, continuaram enviando suas obras como símbolo da resistência à ditadura de Pinochet. O casarão do tradicional Barrio República, perto do centro de Santiago, abriga uma vasta coleção de arte contemporânea, com obras dos espanhóis Pablo Picasso, Joan Miró e Antoni Tapiès, o americano Frank Stella e o chileno Roberto Matta, entre outros.


 


São mais de 2.500 pinturas e esculturas doadas por seus autores em solidariedade ao processo liderado no Chile por Allende entre 1970 e 1973, depois de se tornar o primeiro marxista ao chegar à Presidência da República através de uma eleição popular. Em 1972, quando recebeu as primeiras obras da coleção, Allende agradeceu emocionado o apoio dos artistas. “Este museu será o primeiro em um país do Terceiro Mundo que, por vontade dos próprios artistas, aproxima as manifestações mais altas da plástica contemporânea às grandes massas populares”, disse o presidente na ocasião.


 


“Muito me comove particularmente esta nobre forma de contribuição ao processo de transformação que o Chile iniciou como meio de afirmar sua soberania, mobilizar seus recursos e acelerar o desenvolvimento material e espiritual de sua gente”, acrescentou o chefe de Estado, eleito em 4 de setembro de 1970. O golpe militar que instalou a sangrenta ditadura de 17 anos não interrompeu, no entanto, as doações que continuaram aumentando a coleção.


 


Acervo mantido
As obras que estavam no Chile ficaram escondidas nos porões dos museus de Belas-artes e de Arte Contemporânea, enquanto vários chilenos que saíam para o exílio mantiveram em suas próprias casas os quadros e peças que continuam chegando, agora como um sinal de “resistência” à ditadura militar. Mais de trinta anos depois da morte de Allende, as obras se concentram agora em um local definitivo e a partir desta quarta-feira serão conhecidas pelo público, antes de serem expostas em mostras rotativas que percorrerão diferentes salas do Chile e de outros países.


 


“Este é um museu que nenhum país do mundo tem. Vale bilhões de euros ou dólares”, avaliou o diretor da pinacoteca, o pintor José Balmes. Mas, em contraste com o futuro ligado à criação e à arte, a casa de dois mil metros quadrados remete a um passado obscuro: construída em 1920, foi ocupada durante a ditadura de Pinochet pelos agentes secretos da Central Nacional de Informações, que a usaram como centro de espionagem telefônica.


 


“Esta casa será, ao mesmo tempo, um lembrete para não que não se volte a cometer os erros do passado”, considerou a deputada Isabel Allende. Depois da restauração da democracia, em 1990, operários e artesãos que trabalharam em sua remodelação encontraram, entre alguns móveis abandonados pelos agentes de Pinochet, valiosas pinturas que eram escondidas como troféus de guerra e que a partir de agora também integram a coleção.


 


História
Um ano antes de Allende ser derrubado por Pinochet, o presidente socialista inaugurou uma mostra de obras doadas por artistas internacionais e chilenos que apoiavam seu projeto social. A mostra foi intitulada “Museu da Solidariedade”. Mas, com a instalação do regime militar, o museu desapareceu e as obras ficaram confinadas em depósitos e repartições públicas no Chile e na clandestinidade.


 


Fora do país, foram criados os “Museus da Resistência Salvador Allende”, que receberam novas doações, enquanto alguns exilados se agruparam para enviar outros trabalhos ao país quando a democracia foi restaurada no Chile. Depois de várias tentativas fracassadas de realizar o sonho frustrado de Allende, finalmente no governo de Ricardo Lagos, com a ajuda da Espanha e França, foi comprado um edifício num bairro que, no início do século passado, foi ocupado pela aristocracia de Santiago.


 


O novo museu, abrigado num casarão totalmente reformado, será o local definitivo para a exposição de obras doadas por artistas. “O museu terá uma das melhores coleções de artistas latino-americanos contemporâneos, comparável apenas às do México e da Colômbia”, disse diretor José Balmes. “Mas o mais significativo é que o museu vai abrigar obras doadas pelos próprios artistas. Não existe um único museu em todo o mundo em que as obras tenham sido doadas pelos próprios artistas.”