Governo quer que redução da Selic chegue à base da economia

Por André Barrocal, na Agência Carta Maior


 


Para que o ciclo de nove quedas seguidas do juro chegue até a base da economia e, de fato, possa incentivar o crescimento econômico, o governo começa a afinar as medidas que serão tomada

 Pela décima segunda vez consecutiva, o “mercado” deu um palpite certeiro sobre juros que o Banco Central (BC) encarregou-se de confirmar. Nesta quarta-feira (19), o Comitê de Política Monetária (Copom), formado pelos diretores do BC, cortou em meio ponto percentual a taxa básica de juros (Selic), por entender que conseguirá cumprir a meta de inflação deste ano mesmo com o alívio.

A taxa desceu a 14,75%, nível mais baixo desde a criação do Copom, há dez anos. Ao se confrontá-la com outros juros operados pelo BC no passado, com nomes diferentes de “Selic” mas conceitualmente próximos a ela, a nova taxa é a menor em trinta e um anos.

Foi a nova queda seguida da Selic, num recuo total de cinco pontos percentuais. Para que o ciclo de queda do juro chegue até os empréstimos cobrados de trabalhadores e empresas e, de fato, incentive o crescimento econômico, o governo começa a afinar as medidas que serão tomadas pelos bancos públicos. Eles foram escalados para pressionar as instituições privadas via competição de mercado e, assim, forçar juros menores.

As comparações que apontam a Selic em patamares historicamente baixos serão exploradas pelo governo na campanha eleitoral recém inaugurada. Dias atrás, por exemplo, o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, deu declarações públicas a respeito do tema.

Os bancos, que ganham dinheiro com o elevado juro brasileiro, mostram disposição para colaborar com o discurso governista. Em uma pesquisa divulgada na véspera da reunião do Copom, feita com 50 instituições associadas, a Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) antevia a queda de meio ponto e a classificava de “decisão histórica”, por colocar a Selic em patamar não visto há anos.

O “mercado” que acertou em cheio a decisão do Copom reúne agentes privados um pouco diferentes daqueles que participaram do levantamento da Febraban. A previsão de queda de meio ponto percentual era a aposta média de 80 instituições que o BC ouve toda a semana sobre diversos indicadores econômicos. Entre elas, há não só bancos, mas fundos de pensão e de investimentos, consultorias e umas poucas empresas (10% do total) do setor produtivo.

No tom lacônico que sempre caracteriza o anúncio da decisão do Copom, o BC limitou-se a dizer, por meio de uma breve nota distribuída pela assessoria de imprensa, que prosseguiu o ciclo de alívio da política monetária iniciado em setembro de 2005. E não deu pistas sobre o que esteja planejando para a próxima reunião, no fim de agosto. As razões do BC para cortar o juro em meio ponto e para não antecipar tendência de Selic serão conhecidos na próxima quinta-feira (27), quando a ata da reunião será divulgada.

Juro real elevado



A nova Selic é o menor juro fixado pelo governo em termos nominais, mas não em termos reais. Juro real é a Selic descontada a inflação. Ele revela quanto, efetivamente, lucram os rentistas que emprestam dinheiro ao governo toda vez que compram títulos públicos – vale lembrar que o dinheiro do empréstimo serve para o governo rolar dívidas passadas e não para investir, por exemplo, em obras.

A inflação usada no cálculo do juro real pode ser obtida de duas maneiras. A apurada no fim de um período (fórmula batizada de ex-post) ou a projetada pelo “mercado” (equação chamada de ex-ante).

Na hipótese de o BC não mexer mais na Selic até dezembro, e considerando-se a meta de inflação de 4,5% para este ano, o juro real em 2006 ficaria num patamar em torno de 10%, pela fórmula ex-post. Depois da criação do Copom, o Brasil já observou juro real menor em duas oportunidades – 2002 (6,64%) e 2004 (8,65%).

Já quando se faz o cálculo do juro real a partir da inflação estimada pelo mercado para os próximos 12 meses, a taxa estaria hoje na casa de 10%. No primeiro semestre de 2004, ficou um pouco abaixo deste patamar.

Para o presidente do BC, Henrique Meirelles, o juro real obtido com base na projeção do “mercado” é uma referência melhor para se analisar o futuro da economia brasileira. “Notamos que as expectativas que de fato influenciam as decisões das empresas são as taxas de juros descontadas da expectativa de inflação. Cálculo ex-post não se reflete nas decisões das empresas”, afirmou Meirelles em uma audiência pública na Comissão Mista de Orçamento do Congresso no dia 20 de junho.

As decisões empresariais mencionadas por Meirelles dizem respeito a investimentos e contratação de trabalhadores, basicamente. Toda redução de juros pelo BC anima o setor produtivo, pois tende a baratear empréstimos. Com crédito mais barato, as empresas podem se arriscar a investir e contratar mais.

Bancos públicos x privados



Para que as reduções da Selic cheguem ao tomador final, em vez de ser apropriadas na forma de lucro pelo sistema financeiro, o governo decidiu usar os bancos públicos federais para fazer mais concorrência aos privados. Nesta quarta-feira (19), o assunto foi discutido outra vez pelo presidente Lula com a equipe econômica e a direção das cinco instituições financeiras federais. Foi a segunda conversa do gênero em duas semanas. Lula voltou a pedir um esforço dos bancos oficiais para que os juros recuem e o volume de empréstimos aumente.

Na primeira reunião, a orientação já havia sido dada. Mas, embora houvesse sinalizações do governo de que o juro dos bancos públicos cairia por força de expedientes de mercado – diminuição de custos, por exemplo -, ainda não estava claro como isso se daria na prática. Agora, caminhos concretos começaram a aparecer.

No encontro desta quarta-feira (19), discutiram-se propostas de: 1) mudar a tabela de juros cobrados em empréstimos de recursos de três fundos previstos na Constituição; 2) compartilhamento das estruturas físicas das instituições públicas.

A idéia de alterar a tabela de juros dos fundos constitucionais foi defendida pelo Banco do Nordeste (BNB) e pelo Banco da Amazônia (Basa). Eles operam o fundo do Nordeste (FNE) e do Norte (FNO), respectivamente. Existe ainda um terceiro fundo (FCO, do Centro-Oeste), de responsabilidade do Banco do Brasil. Os três buscam incentivar o desenvolvimento das regiões mais pobres do país. Os focos principais dos empréstimos são pequenas empresas e agricultores familiares. Mas também são financiados projetos de infra-estrutura e grandes empresas.

Juntos, os três fundos possuem R$ 7,5 bilhões para emprestar este ano. O dinheiro é repassado de acordo com uma tabela de juros. Em contratos com o setor rural, as taxas variam de 6% a 10,75% ao ano, dependendo do porte do produtor – quanto menor, mais baixo o juro. No caso de indústria, comércio e serviços, vão de 8,75% a 14% ao ano, também pelo critério de porte.

Para as diretorias do BNB e Basa, a tabela tornou-ser exagerada no cenário atual. Usaram como comparação a Taxa de Juros de Longo prazo (TJLP), referência nos empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), a principal fonte de financiamento dos empreendimentos produtivos no país. Hoje, a TJLP está em 7,15% ao ano, patamar mais baixo desde que ela foi criada, em 1994. BNB e Basa querem que os juros dos fundos constitucionais aproximem-se da TJLP.

O presidente Lula gostou da idéia, mas, para que ela avance, pode ser necessária uma autorização do Conselho Monetário Nacional (CMN). O CMN compõe-se dos ministros da Fazenda e do Planejamento e pelo presidente do BC. Guido Mantega, que preside o CMN por comandar a Fazenda, mostrou-se simpático à proposta. “Como há uma redução geral de juros na economia brasileira, esses fundos, que tinham juros mais baixos, deixaram de tê-lo. Eram menores que a TJLP e ficaram maiores. Certamente, eles merecem uma redução”, disse o ministro nesta quarta-feira (19).

BB e CEF: redução de custos



Outra proposta debatida na reunião sugere que Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica Federal (CEF) compartilhem terminais eletrônicos e sistemas operacionais informatizados. Com a partilha, teriam condições de diminuir custos. Portanto, poderiam baixar os juros que, ainda assim, manteriam os lucros. No caso da partilha dos terminais (caixas eletrônicos), por exemplo, os bancos teriam a mesma quantidade de máquinas, ou até mais, porém, individualmente, economizariam com a manutenção delas, já que a despesa seria rateada.

O ministro da Fazenda acredita que a expansão do volume de crédito dos bancos públicos, especialmente BB e Caixa, vai, por si só, permitir a eles reduzir despesas, como os custos fixos colocados a serviço das operações. Por exemplo: se para pilotar dez empréstimos, o banco utiliza um funcionário, um computador e um telefone, poderia empregar a mesma estrutura para liberar doze empréstimos, que o custo continuaria igual.

Curiosamente, a ênfase na busca de redução dos custos mostra que o governo aposta numa lógica empresarial – corte de custos – para que os bancos oficiais exerçam sua vocação pública e enfrentem as instituições privadas. “A questão da gestão é fundamental. Os bancos públicos devem ter uma gestão como têm os bancos privados”, disse Mantega. “O presidente exige um plano de redução de custos e de aumento da eficiência dos bancos públicos”.

A redução de custos é a alternativa preferida pela equipe econômica para tornar possível a queda do juro dos bancos públicos. Ela considera os lucros altos das instituições oficiais um reforço fundamental na política de arrocho fiscal, de pagamento de juros a rentistas que financiam a dívida pública.