Emir Sader: Estado mínimo de segurança

Por Emir Sader


 


Qual o significado dos desafios às autoridades públicas dos atentados a funcionários do setor penitenciário, mas também dos ataques a ônibus, a caixas eletrônicos e a outros alvos públicos?  Antes de tudo que

Os presídios se encontram sob o poder das gangues organizadas. Os líderes dessas gangues dirigem as ações diretamente de dentro dos presídios, contando com sistema de comunicações eficiente. Alvos os mais diferentes são atacados sem que nenhum tipo de proteção das autoridades possa dar conta da sua defesa.


 


Um relato assustador revela que os endividados com o tráfico têm suas condenações à morte perdoadas em troca do assassinato de algum agente penitenciário. Mas, como acontece nesse universo mafioso, ainda assim seus nomes podem ser entregues pelos líderes das gangues à polícia, como responsáveis pelos assassinatos.


 


O maior problema é que essa perda de controle é resultado justamente de uma política que busca reunir, por um lado o “choque de gestão” – de que tanto se orgulha o atual candidato à presidência, Geraldo Alckmin – e, por outro, do exibicionismo de truculência do seu secretário de segurança pública. O primeiro elemento costuma ter como uma de suas principais conseqüências, a redução de recursos para as políticas sociais, mas também para as de segurança pública. Por outro, esse exibicionismo não costuma ser acompanhado de todas as formas de ação preventiva – tanto de comunicação, como de policiamento e de todas as formas de investigação.


 


Os “choques de gestão” exibem realizações estatísticas, mas que não se correspondem com a realidade concreta dos problemas que os números pretendem demonstrar a resolução. É o caso dos dados sobre suposta diminuição quantitativa da criminalidade em São Paulo, que o ex-governador chegou a comparar a “índices europeus”. A incompatibilidade das estatísticas com a realidade concreta desmoraliza aquelas, porque é esta que se impõe como a dura realidade da vida.


 


Outro dos aspectos do simples endurecimento da repressão, que levou a que a população carcerária em São Paulo superasse as 150 mil pessoas, é que ela gera superlotação nos presídios, com a correspondente acentuação da desumanização que os pátios lotados de presos – como a imagem dantesca de Araraquara – é uma das imagens mais expressivas. As prisões não possuem nenhuma possibilidade de assumir seu papel de recuperação, restando como depósitos, que misturam réus primários com outros com trajetória consolidada no crime, que dominam cruelmente o clima interno dos presídios.


 


O monopólio da violência pelo Estado está quebrado há tempos em lugares como o Rio de Janeiro e São Paulo. A disseminação das gangues atende a uma grande quantidade de fatores, mas certamente a descriminalização das drogas leves seria um golpe duro a uma prática que demanda a organização de grupos clandestino para o tráfico, assim como a corrupção de setores da policia, que igualmente vivem da ilegalidade.


 


As reações se dão em torno de situações de crise, como as que têm sucedido em São Paulo com certa regularidade, evidenciam o colapso e o fracasso das políticas de segurança pública nesse estado. Ainda assim o principal responsável por essa situação assume as teses do Estado mínimo. Esse é o Estado mínimo – um Estado que não controla a ordem pública, que não responde pelo que acontece dentro dos presídios, que não garante a integridade física da população, que permite que se disseminem sentimentos generalizados de insegurança e de pânico.


 


A retração do Estado se dá pelo favorecimento das relações mercantis e, como parte delas, os grupos de segurança privada, de gangues de marginais, de esquadrões de extermínio. Ao invés de fortalecer as políticas públicas, de atacar a cultura da violência que os governos que pregam com o exibicionismo da truculência, propõem-se a retração do Estado e, com ele, da possibilidade de políticas públicas. Menos Estado significa menos segurança, menos proteção da cidadania, menos espaços para reforma do Judiciário e do sistema penal e carcerário. Quem prega o Estado mínimo, tem que se ater às suas conseqüências, não pode elevar mais demandas a um Estado dilapidado em sua capacidade de ação pelas políticas liberais.


 


* Professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da Uerj