Stephen Baldwin e a guerra cultural norte-americana

Os 6.000 moradores da pequena cidade de Nyack, na costa leste dos Estados Unidos, de repente entenderam que o que estava em jogo na Rota 59 era mais do que apenas uma sex shop. Nas suas mentes, a loja com janelas pintadas de negro e o 11 de setembro se to

Uma batalha relativa a uma sex shop em uma pequena cidade próxima a Nova York revela como um problema local pode se transformar rapidamente em uma guerra cultural nos Estados Unidos. No centro do problema está um ator famoso que se tornou um cristão renascido depois dos ataques terroristas de 11 de setembro.


 


Em janeiro de 2006, quase quatro anos e meio depois do ataque contra o World Trade Center, a diretoria de planejamento da cidade de Nyack, no Estado de Nova York, autorizou a abertura de uma nova sex shop na Rota 59, uma estrada movimentada. A sex shop ficaria nas instalações anteriormente ocupadas por uma concessionária de automóveis nos arredores da cidade, e teria oito saletas de vídeo para a exibição de filmes pornô. Os cinco membros da diretoria de planejamento de Nyack não viram qualquer conexão entre a sex shop e o 11 de setembro.


 


A decisão da secretaria de planejamento foi unânime, e pareceu ter sido o resultado de uma preparação cuidadosa. Os membros da diretoria, que realizam reuniões públicas mensais no prédio branco da prefeitura de Nyack, passaram um ano discutindo o projeto. Eles examinaram a situação legal, especificamente uma legislação local de 1992 detalhando as exigências de zoneamento de Nyack para sex shops e clubes de striptease. Eles discutiram a questão do esgoto, da iluminação, da cobertura das janelas e das luzes dos pátios de estacionamento. O grupo especificou a largura da calçada e as dimensões das oito saletas de vídeo, das placas de alerta, além de determinar a idade mínima da clientela e o horário de funcionamento do estabelecimento. Eles avaliaram os projetos de construção, as plantas da obra e a proposta do inventário da sex shop, consultando advogados, arquitetos e outros especialistas no decorrer do processo.


 


Em uma reunião pública, 37 moradores de Nyack – 34 nomeados e três anônimos – fizeram comentários sobre a proposta da sex shop. As minutas das reuniões da diretoria, guardadas nos arquivos da cidade, incluem um texto integral com a transcrição de cada uma dessas declarações. Nas minutas, a cidadã Elizabeth Chapman expressa a sua preocupação quanto aos chamados “glory holes” nas paredes das saletas de vídeo (“glory holes” são buracos nas paredes que permitem que outras pessoas observem as atividades no interior das salstas, ou até mesmo que mantenham relações sexuais através deles), o cidadão Larry Jameson chama atenção para os perigos potenciais de virar à esquerda no pátio de estacionamento da sex shop, e o cidadão Irving Feiner diz que é contrário aos estabelecimentos pornográficos, mas a favor do direito de livre expressão. Um homem mais velho não identificado fala ao grupo sobre os benefícios da masturbação.


 


Os futuros operadores da sex shop, “Leslie Fernandopulle e a Família Algama”, jamais compareceram às reuniões da diretoria. Segundo as minutas de uma das reuniões, eles ficaram presos em um engarrafamento quando seguiam para o local do encontro a partir do bairro nova-iorquino de Queens – o que não chega a ser uma desculpa esfarrapada, ao se levar em conta o tráfego normalmente pesado na rota de 65 quilômetros a partir da cidade de Nova York.


 


Uma cruzada na América das pequenas cidades Nyack é uma atraente e pequena cidade de artistas no Vale do Hudson. É um local de ruas pequenas, livrarias, cafés, lojas de antiguidades, galerias de arte, árvores velhas, esquerdistas idosos e celebridades maduras como os atores Al Pacino, Ellen Burstyn e profissionais conhecidos do setor de telejornalismo, como Diane Sawyer. Os preços dos imóveis são altos, e os cidadãos de Nyack não têm interesse em ver a sua pequena cidade se tornar vítima do comercialismo norte-americano. Nenhuma grande unidade de rede de fast-food obteve acesso a esta cidade na qual os cidadãos bloquearam a proposta de construção de uma linha de barcas para Nova York, e onde as reuniões da diretoria de planejamento às vezes se transformam em batalhas ferrenhas em torno do destino de árvores específicas.


 


No dia em que a sex shop foi aprovada, um representante da rede de lanchonetes especializadas em donuts (tipo de rosca norte-americana, semelhante ao sonho), Dunkin' Donuts, também compareceu à reunião para solicitar permissão para abrir uma pequena lanchonete da rede do outro lado da Rota 59. Foi a sexta participação da Dunkin' Donuts em uma reunião da diretoria.


 


Os planejadores de Nyack realmente não têm interesse em permitir que a rede abra uma de suas unidades na cidade, mas em vez de expor isso diretamente, passaram o ano passado discutindo planos de construção de jardins. O arquivo da Dunkin' Donuts é duas vezes mais grosso do que o da sex shop.


 


Nyack é aquilo que os norte-americanos chamariam de uma cidade liberal. O prefeito é assumidamente gay, e a esmagadora maioria dos moradores é democrata. Mas essa maioria não foi o obstáculo enfrentado pelos donos da sex shop. O problema foram os católicos devotos que em determinado momento assumiram a causa, especialmente Stephen Baldwin, que lançou uma autêntica cruzada contra o projeto.


 


Assim como os seus três irmãos mais velhos, Alec, Daniel e William, Baldwin é ator. Ele desempenhou o seu papel mais conhecido 11 anos atrás no filme “Os Suspeitos” (“The Usual Suspects”, EUA, 1995), que recebeu dois prêmios da Academia. Ele também estrelou em vários filmes insignificantes, fez algumas cenas de sexo, apareceu em reality shows, fumou, jogou e se embebedou. Assim como os seus irmãos, ele sempre foi considerado um pouco problemático – além de democrata. Mas, em 11 de setembro de 2001, Baldwin se tornou um cristão renascido. Ele parou de fumar e de beber, e começou a aparecer nos eventos de campanha do presidente dos Estados Unidos, George W. Bush.


 


Baldwin cresceu em Long Island, morou algum tempo no Arizona com a mulher e retornou a Nyack nove anos atrás. Os moradores da cidade estão acostumados às celebridades, e mal notavam a presença de Baldwin. Pelo menos até um momento há cerca de dois anos, quando Baldwin começou a colocar grandes cartazes com trechos da Bíblia no jardim na frente da sua casa. Em fevereiro deste ano, ele apareceu em frente à futura sex shop munido de uma câmera digital a fim de tirar fotografias dos trabalhadores de construção civil que estavam renovando a instalação para que esta atendesse às exigências da diretoria de planejamento. Baldwin disse aos repórteres de um jornal local que pretendia fotografar cada um dos financiadores da sex shop e as placas dos seus carros. Ele afirmou que as fotos seriam oferecidas a jornais ou publicadas na Internet.


 


“Essa é a única forma de nos protegermos desses porcos”, afirmou o ator. “A prefeitura da cidade falhou, portanto temos que fazer algo”. Ele também repetiu a sua ameaça em declarações breves e quase cômicas dadas a algumas estações de televisão. Mas qualquer um que olhasse nos olhos de Baldwin poderia constatar que a sua mente não está preocupada apenas com uma sex shop.


 


O suspeito incomum


 


Baldwin está sentado no escritório do seu agente no 21º andar de um prédio de Manhattan em uma tarde de primavera, explicando os motivos por trás da luta travada em Nyack. Uma chuva pesada e negra cai lá fora. O seu agente, um homem nervoso e gordo, usando shorts, está sentado ao lado do ator.


 


“Cidades ribeirinhas como Nyack sempre tiveram um papel importante na história norte-americana, tanto cultural quanto politicamente. Elas são a própria Americana”, afirma Baldwin – seja lá o que isso signifique.



“Infelizmente, existe pouca vontade entre os políticos e a polícia para proteger essas realizações e essas visões”.


 


Que visões?


 


“A presença da polícia não é suficiente, as drogas são permitidas e toleradas, e há pedintes por todos os lados. Se permitirmos a ausência da lei, isso levará à decadência. Desde que me tornei uma pessoa religiosa, percebi o quanto o nosso país está se deteriorando. Estamos mais preocupados com árvores e rios do que com as pessoas. Como é que pessoas tão preocupadas com o meio-ambiente são capazes de permitir uma sex shop? A resposta é fácil. Nós olhamos para a nossa constituição, que é tão repleta de direitos que tudo acaba se confundindo e acabam os limites. Por exemplo, se um Estado após o outro permitir o casamento de homossexuais, talvez daqui a dez anos acabe sendo legal um cara se casar com a própria filha. E o que acontecerá depois? Uma mulher poderá se casar com o seu cão pastor alemão? Há vinte anos, os norte-americanos normais consideravam o casamento gay como sendo algo tão errado e equivocado quanto o casamento entre uma mulher e o seu cachorro. Para onde esta tendência nos conduz?”.


 


O agente dá de ombros. O telefone de Baldwin toca. É Heather Veitch, uma ex-dançarina de striptease e atual cristã renascida que hoje em dia tenta convencer os homens que freqüentam os clubes de striptease de que eles estão seguindo o caminho errado. No seu website, Veitch mostra o contorno dos seios e proclama o seu amor por Deus, e Baldwin está pensando em ajudá-la a criar um reality show próprio na televisão. Ele liga para um advogado, a seguir para um gerente, e depois vai ao banheiro. O seu agente diz: “Isto provavelmente é difícil para um europeu entender, certo? Com tal atitude, seria necessário fechar a cidade inteira de Amsterdã”. Ele ri e conta que já morou em 15 países europeus.


 


E a cruzada de Stephen Baldwin está prejudicando o seu trabalho como ator? “Não, não”, assegura o agente. Ele mostra dois DVDs que Baldwin produziu. Intitulados “Livin' It”, o objetivo dos discos é demonstrar que ser cristão é legal. Um livro chamado “The Unusual Suspect” será lançado no próximo outono. Ele descreve a vida de Baldwin como cristão renascido.


 


Baldwin retorna, puxando a sua mala. Ele diz que precisa sair imediatamente. O ator está na porta de saída com a sua bagagem. O agente olha para ele, e Baldwin resume a sua mensagem em uma entrevista abrupta consigo mesmo.


 


“Nós deveríamos estar no Iraque? Eu não sei. Soldados norte-americanos deveriam estar morrendo lá? Não, é claro que não. Eu acredito que Deus quer a nossa presença no Iraque? Eu não sei. Eu acredito que Deus tem a situação sob controle? Ah, sim. Eu acredito que o 11 de setembro mudou o nosso mundo? Sim. Eu acredito que existe um elemento espiritual por trás dessas mudanças? Sim. Eu acredito que estamos nos aproximando do Apocalipse? Sim, sem dúvida alguma”.


 


Ele puxa a sua mala até o elevador, desce até o térreo e desaparece na chuva negra da Avenida Madison – assim como no livro do Apocalipse.


 


Igualando a pornografia ao terrorismo


 


Talvez sejam os olhos de Baldwin, ou a sua determinação. Ou talvez a coisa tenha acontecido no momento certo. O que quer que o tenha estimulado a agir de tal maneira, os 6.000 moradores da pequena cidade de Nyack, na costa leste dos Estados Unidos, de repente entenderam que o que estava em jogo na Rota 59 era mais do que apenas uma sex shop. Nas suas mentes, a loja com janelas pintadas de negro e o 11 de setembro se tornaram uma coisa só. Na privacidade das suas salas de estar, moradores preocupados de Nyack começaram a mencionar em uma única conversa os supostos glory holes nos estandes de vídeos para adultos e a Lei Patriota. Na cabeça deles, tudo está relacionado – Deus, guerra, o declínio moral do mundo e a Constituição dos Estados Unidos. Nyack se transformou em um campo de batalha para os dois principais campos na sociedade norte-americana – os conservadores religiosos e os liberais. Eram aqueles que acreditavam que a moral estava correndo risco contra os que enxergavam uma ameaça iminente às suas liberdades básicas, e a luta se desenrolava em torno de um pequeno estabelecimento de uma zona comercial periférica.


 


Em 3 de março, um grupo anteriormente desconhecido, que se autodenomina
Cidadania Católica, entrou com um processo na Corte Suprema de Nova York contra a Diretoria de Planejamento de Nyack e os operadores da planejada sex shop. No seu texto-denúncia de 14 páginas, o grupo argumentou que a sex shop proposta na Rota 59 violava as leis ambientais do Estado de Nova York – segundo a alegação de que o meio-ambiente inclui, além do ar, da água e das florestas, o bem-estar emocional dos moradores.


 


Os membros da Cidadania Católica consistiam do juiz aposentado Nick Del
Pizzo, do mecânico de automóveis Hector Luis Matteo e de um casal, Donald e Ceil Cox, donos de um pequeno café na Rota 59.


 


Del Pizzo traz algumas fotocópias para a nossa entrevista, documentos que segundo ele comprovam que as sex shops atraem pervertidos e maníacos sexuais. Mas ele parece estar mais interessado em reclamar do fato de ter perdido a sua cadeira no tribunal de testamentos para um democrata em uma eleição recente.


 


“A constituição é importante, mas o bem-estar emocional do nosso povo é
ainda mais importante”, afirma Del Pizzo.


 


Ceil Cox fala sobre uma mulher de uma cidade próxima que foi estuprada e assassinada por um homem que estava trabalhando no pátio da casa dela. “Esse não é o tipo de gente que quero na minha cidade”, afirma Cox. “É claro que uma sex shop também não é uma coisa boa para os negócios”. O seu marido faz um sinal de aprovação com a cabeça. Eles estão sentados em um pequeno escritório no café de sua propriedade.


 


O mecânico Luiz Matteo não quer dizer muita coisa sobre nada. Ele teme
ofender os seus fregueses. “Sou cristão, mas não quero problemas”, diz ele.


 


A única coisa que eles têm em comum é o fato de serem católicos. Eles freqüentam uma igreja católica local, a Saint Ann's, e se reuniram quando alguém deu alguns telefonemas após um culto. David MacCartney, advogado, redigiu a queixa endereçada ao tribunal. O juiz aposentado, os donos do café e o mecânico assinaram o documento – o último contingente da humanidade na luta contra o demônio.


 


“Esses são cidadãos simples e respeitados da nossa cidade”, diz em voz baixa o advogado deles, David MacCartney. “Eles estão preocupados com o bem-estar da nossa comunidade. Com o bem-estar emocional em Nyack”. MacCartney faz parte de uma das famílias mais antigas de Nyack.


 


A queixa foi registrada na Corte Suprema de Nova York em 3 de março. Em 15 de março, o chefe de polícia da cidade, Kevin Nulty, escreveu uma carta à Diretoria de Planejamento manifestando as suas preocupações quanto à sex shop. Segundo ele, esse tipo de estabelecimento atrairia elementos criminosos. Em 17 de março, um inspetor de instalações da prefeitura determinou que as saletas de vídeo eram muito estreitas – tinham 76 centímetros em vez dos 92 exigidos -, o que significava que não poderiam ser utilizadas por portadores de deficiência. Os corredores entre as prateleiras de vídeos pornô também eram muito estreitas para usuários de cadeiras de rodas, segundo o relatório do inspetor.


 


Stephen Baldwin deu as caras quando a Diretoria de Planejamento de Nyack se reuniu no início de abril para discutir o horário de funcionamento das sex shop – juntamente com a mídia nacional.


 


A pequena sala de reuniões da prefeitura de Nyack ficou lotada. Baldwin
falou sobre Deus, a proteção ambiental da mente e o aumento da utilização de drogas e da criminalidade que, segundo ele, está vinculado a esse tipo de negócio. Alguns poucos cidadãos manifestaram as suas preocupações quanto à morte iminente de sua cidade. Ao final da reunião, Irving Feiner, 82, levantou-se e falou sobre a constituição.


 


“Não sou fã de sex shops”, disse Feiner, que é dono de uma loja de suvenires em Nyack. “Mas não podemos simplesmente banir algo do qual não gostamos. Se a loja for aberta, eu irei até lá, e se alguém me fotografar fazendo isso, eu processarei tal pessoa. Estamos patinando em gelo fino, meus amigos. Pensem nos fundadores da nossa nação”.


 


Deus. Os fundadores da nação. O bem-estar da sociedade.


 


Os cinco membros voluntários da Diretoria de Planejamento sentaram-se, com uma expressão imóvel nas faces, no salão comunitário, como os membros de alguns tribunais mundiais. Ao final, a única decisão à qual eles foram capazes de chegar foi a de permitir que a sex shop mantivesse o horário de funcionamento proposto.


 


Os cidadãos de Nyack saíram da reunião com o rabo entre as pernas. Eles
sabiam que tinham testemunhado um momento importante na história.


 


A sex shop abriu as portas um mês mais tarde – durante quatro dias. Foi
quando os donos do estabelecimento receberam a determinação da Corte Suprema de Nova York cancelando a licença para o negócio. A juíza citou alguns erros formais, e algo que ela chamou de proteção do ambiente emocional. Ela acrescentou que os donos da loja teriam que submeter novamente a sua solicitação à Diretoria de Planejamento de Nyack.


 


“Isso é uma piada”, diz o advogado da diretoria, Walter Sevastian. “Não
existe uma só justificativa aqui. O juiz, que deseja ser reeleito, simplesmente ficou com medo. Stephen Baldwin, a imprensa, a televisão.



Proteger o ambiente emocional. Esta é a coisa mais sem sentido que já ouvi. Eis a nossa tão liberal Nyack. Passamos um ano inteiro discutindo os planos, e aí este recém-chegado Baldwin aparece, fala sobre Deus e todo mundo capitula. Nós temos leis, e obedecemos a essas leis, mas não há nada aqui a não ser uma decisão baseada em julgamentos de ordem moral”.


 


Os olhos escuros de Sevastian trazem uma expressão de escárnio e de cansaço. Ele parece ser um homem que não gosta de perder.


 


“Não tenho idéia de quanto dinheiro os operadores daquela sex shop possuem. Mas se eu fosse eles, juntaria todo o capital, contrataria um bom advogado e processaria Baldwin e a sua esquisita aliança católica. Os donos da sex shop investiram uma tonelada de dinheiro e atenderam a todas as nossas exigências. E agora eles precisam provar que são bons para o ambiente moral de Nyack?”.


 


Os donos da loja não estão processando ninguém, e o advogados deles não está se dispondo sequer a fazer comentários. Por volta de maio, a loja deles, preta e envolta por vidraças, lembrava um caixão. O pátio de estacionamento – dotado de espaços para deficientes – estava vazio. Mas mesmo assim sempre havia dois funcionários da loja, quase que como se esperassem abrir as portas a qualquer momento. Ambos são do Sri Lanka, assim como a família Algama. Os cingaleses controlam grande parte das sex shops de Nova York.


 


As prateleiras estão repletas de DVDs, revistas e brinquedos eróticos. As oito saletas de vídeo ficam à esquerda. Segundo Denis Perera, que foi enviado a Nyack para ser o gerente da loja, as saletas foram fabricadas na Alemanha.


 


“Simplex Arcade”, explica Perera. “O melhor material disponível”. Ele abre, fecha e torna a abrir a porta de uma das saletas. “Reconstruímos todas porque elas precisavam permitir o acesso aos deficientes. Isso não era nem uma exigência, mas agimos dessa forma porque achamos seria a próxima coisa que a diretoria de planejamento exigiria de nós. E há também espaço suficiente para uma cadeira de rodas entre as prateleiras”, diz ele. Ele fala sobre a sua sex shop como se esta fosse uma clínica de idosos.


 


“Afinal, não queríamos abrir um negócio ilegal aqui. Nós vendemos um
produto. Estamos operando com base na constituição dos Estados Unidos. Este ainda é um país livre”, diz Perera. Trata-se de uma afirmação estranha nesta floresta de pênis artificiais e de bonecas sexuais infláveis.


 


Liberdades sob ataque


 


Para o prefeito de Nyack, John Shields, grandes questões estão em jogo. Ele tenta explicar o que está acontecendo na sua cidade. Shields fala sobre polígamos em Utah e sobre uma manifestação neo-nazista ocorrida em Illinois na década de 1960 – com permissão oficial. Shields processou o Estado de Nova York no ano passado por este ter anulado casamentos gays. Na última parada do orgulho gay na cidade de Nova York, Shields marchou à frente do desfile com o prefeito de Nova York, Michael Bloomberg, e a senadora Hillary Clinton.


 


“Creio que esta é uma disputa muito interessante”, afirma Shields. “Eu de fato não tenho preferências por nenhuma das partes no que diz respeito a essa sex shop. Mas temos uma lei de zoneamento aqui em Nyack que determina que as sex shops são permitidas nessa parte da cidade. A Diretoria de Planejamento baseou a sua decisão nessa lei. Muitas liberdades civis estão sendo ameaçadas neste país neste momento. Precisamos ser vigilantes, mesmo quando se trata de questões de menor importância”.


 


Shields, um professor aposentado de história, é prefeito da cidade há dez anos. O seu trabalho consiste em lidar com pequenos problemas e assuntos de magnitude maior.


 


“Talvez eles não devessem ter montado um negócio tão ostensivo”, opina
Shields. “Há uma outra sex shop a 3,5 quilômetros da cidade, a Romantic
Depot, e ela não preocupa ninguém. Mas a loja fica em um local muito
discreto”.


 


Mas nem mesmo os donos da Romantic Depot sabem ao certo como se comportar nos dias de hoje. Eles dizem que preferem não fazer comentários sobre o destino da concorrência em Nyack. Um grande cartaz pendurado sobre a porta da loja diz: “Nós apoiamos as nossas tropas e as suas famílias”. A Romantic Depot oferece descontos para bombeiros, policiais e membros das forças armadas.


 


No início de julho, quando começavam as férias de verão, não havia nenhum sinal de vida em frente ao prédio de vidro negro em Nyack. O gerente Denis Perera e o seu sócio ou não estavam lá ou resolveram não abrir mais as portas. Stephen Baldwin tinha acabado de retornar da Califórnia, onde estava promovendo o seu novo filme cristão sobre skates. A varanda da sua casa branca de madeira tem uma bela vista para o Hudson. Mas os cartazes com passagens das escrituras foram retirados, e Baldwin diz que pretende vender a casa e se mudar de Nyack. Ele diz que deseja mais terras. Baldwin está pensando em montar uma fazenda e doar os lucros a projetos da igreja. O ator compara a sua idéia aos molhos de Paul Newman, mas por uma causa diferente. Talvez em Connecticut, acrescenta ele.


 


Existe ainda muita coisa por fazer


 


Em 11 de setembro de 2001, Stephen Baldwen sentiu que o mundo estava rumando para a destruição. Embora estivesse em Los Angeles quando o fato aconteceu, ele afirma ter visto o inimaginável se desenrolando nas imagens da televisão. Naquele momento tudo era possível. Ele se ajoelhou e rezou por um longo tempo. Baldwin começou a ler a Bíblia e, em determinado momento, percebeu que era hora de fazer algo, agora que o mundo se aproximava do Apocalipse. Assim como George W. Bush, Baldwin acredita que tem a obrigação de fazer alguma coisa. Ele diz que confia no presidente.


 


Eles não bebem nem fumam, mas rezam. Eles estão aqui para salvar o mundo. É claro que isso não era algo que a Diretoria de Planejamento de Nyack e o advogado Walter Sevastian poderiam ter antecipado.


 


Durante os poucos dias em que a sex shop abriu as portas, Baldwin trouxe ocasionalmente a sua câmera ao estacionamento para fotografar os fregueses. Mas nunca havia ninguém lá para ser fotografado, de forma que o seu plano não funcionou.


 


Será que ele perguntou a um advogado se o fato de fotografar pessoas em
frente a uma sex shop e publicar as suas fotos seria legal?


 


“Não. Eu fiz uma aposta”, responde Baldwin com um sorriso. “Mas grandes
coisas aconteceram com freqüência na história dos Estados Unidos porque
alguém resolveu arriscar algo”.


 


A família Algama colocou um pequeno aviso na porta da sua caixa de vidro negro na semana passada. Eles estão saindo definitivamente de Nyack.


 


Fonte: Der Spiegel


Tradução: Danilo Fonseca / UOL Mídia Global