Crítica: “Zuzu Angel” é longa-metragem de diálogos filmados

Confira a crítica de Marcelo Hessel, do site Omelete, ao filme Zuzu Angel, que tem estréia nacional nesta sexta-feira (04/8).

O milico se aproxima do carro de Zuzu Angel, no rádio toca a fita que Chico Buarque gravou para ela. A música é Apesar de Você, clássico contra a ditadura. O sujeito aperta botão, bate, chuta, não consegue ejetar a fita. O carro está semidestruído, mas a música não pára.


 


É um simbolismo óbvio? Sem dúvida. Mas é um dos raros momentos em que Zuzu Angel (2006), longa baseado em história real, se torna cinema de fato – narrado por meio das imagens, e não só das palavras.


 


A obra do diretor Sérgio Rezende se encaixa no subgênero dos filmes políticos de denúncia. Patrícia Pillar interpreta Zuleika Angel Jones, a Zuzu (1921-1976), uma das primeiras estilistas brasileiras a se destacar internacionalmente, no início dos anos 70. Dentro de casa, o conflito. Seu filho Stuart (Daniel de Oliveira, o Cazuza), militante de esquerda, não se conforma que ela feche os olhos para a situação do país – pior que isso, que ela até costure para esposa de general. Quando o rapaz desaparece, depois de ser preso e torturado pelo exército, Zuzu toma um choque de realidade.


 


A reconstituição histórica é exemplar na medida em que repassa a carreira de Zuzu antes e depois do caso. Suas coleções são como síntese do espírito nacional – antes, estampas carmenmirandísticas, depois, figurinos frios com imagens de pássaros engaiolados e anjos feridos. Pesquisa bem feita, direção de arte cuidadosa… É o básico do produção nacional de hoje em dia; o público não permite desleixo.


 


Acontece que é hora de avançar além do básico. E Zuzu Angel esbarra em uma chaga que assola quase toda a nossa cinematografia: a dramaturgia. Roteiros ultratrabalhados, diálogos afinados a ponto de não permitir improviso, tudo passa por meticuloso tratamento antes da câmera começar a rodar. E o que falta é justamente a invenção do momento, saber se emancipar, visualmente falando, daquilo que está escrito no script. Falta, antes disso, saber traduzir texto em imagem. Zuzu Angel é – com exceções como a mencionada acima, ou a cena curiosa em que Elke Maravilha se encontra com sua intérprete no filme, Luana Piovani – um longa-metragem de diálogos filmados.


 


Felizmente, não chega a ser um melodrama invasivo como Olga – mas isso não significa que Zuzu Angel seja sóbrio. O trabalho de Rezende – que há doze anos tratou do tema em Lamarca e até conseguiu que Paulo Betti repetisse aqui o papel – não deixa de ser um filme de denúncia, com as armadilhas que o subgênero impõe. A principal é transformar pessoas em ideais. Stuart é mais uma personificação de uma ideologia do que um ser humano que sente e raciocina. Reduzido e planificado, Daniel de Oliveira perde força.


 


O mesmo aconteceria com Zuzu se Patrícia Pillar não tivesse tanta felicidade em se encontrar dentro da personagem. Ela se supera. Mas escola de bons atores é outra coisa que não falta ao Brasil. O problema ainda é o roteiro. O cineasta cearense Karim Aïnouz tem uma posição consolidada a respeito. Em suas palavras, “odeia trama”. Pode reparar: os filmes que têm o seu toque, seja como diretor (Madame Satã), seja como co-roteirista (Cidade Baixa, Cinema, Aspirina e Urubus), são absolutamente abertos no que diz respeito ao script. E isso não significa só improvisar diálogos, mas eliminar redundâncias narrativas, livrar-se de fórmulas e não se antecipar a escolhas.


 


É uma lição que poderia ser disseminada. Nos três filmes citados, fica parecendo que os personagens escolhem rumos por si mesmos. No filme de Rezende, salta aos olhos o caminho que escolhem para Zuzu.


 


Por Marcelo Hessel