John Pilger: Blair é a ameaça real que enfrentamos

Se a alegada conspiração para atacar aviões de carreira que partiam de Londres fosse verdadeira — lembrem as mentiras que levaram à invasão do Iraque, e o ráide a uma “célula terrorista” em Londres — então há uma pessoa que afinal das contas tem de ser

Quem não acreditaria que 52 londrinos hoje estariam vivos se o primeiro-ministro tivesse se recusado a juntar-se a Bush no seu ataque de pirataria ao Iraque? Um comitê parlamentar disse isso, assim como o MI5, o Foreign Office, Chatham House* e as pesquisas de opinião.


 


Um oficial da Polícia Metropolitana, Paul Stephenson, afirma que a conspiração de Heathrow “pretendia ser assassinato em massa numa escala inimaginável”. Os inquéritos independentes mais confiáveis colocam as mortes de civis no Iraque, resultante da invasão por Bush e Blair, acima de 100 mil pessoas. A diferença entre o susto de Heathrow e o Iraque é que o assassínio em massa numa escala inimaginável realmente aconteceu no Iraque.


 


Por qualquer padrão de direito internacional, desde Nurembergue aos acordos de Genebra, Blair é um grande criminoso de guerra prima facie. As acusações contra ele aumentam. A mais recente é a sua conivência com o estado israelense nos seus deliberados e criminosos ataques a civis. Enquanto crianças libanesas eram enterradas debaixo de bombas israelenses ele recusava-se a condenar seus assassinos, ou mesmo a apelar para que desistissem. Aquele cessar-fogo que foi negociado nada lhe deve, excepto o seu desgraçado atraso.


 


Não só é claro que Blair sabia acerca sobre os planos de Israel, como aludiu aprovadoramente ao objetivo final de um ataque ao Irã. Leiam o seu neurótico discurso em Los Angeles, no qual descreveu um “leque de extremismos”, que se estende desde o Hezbolá ao Irã. Ele não apresentou nenhum indício do leque de injustiça e ilegalidade da ocupação da Palestina por Israel e da sua devastação do Líbano. Nem tentou conter a atual intolerância contra todos os árabes da parte do ocidente e do regime racista de Tel Aviv. Suas referências a “valores” são palavras de código para uma cruzada contra o Islã.


 


O extremismo de Blair, tal como o de Bush, está enraizado na violência pretensamente virtuosa do poder messiânico desenfreado. Ela está em conflito total com o Reino Unido moderno, multi-cultural e secular. Ele envergonha esta sociedade. Nestes dias está mais ultrajada do descrente, pois ele nos põe em perigo e nos trai na sua vassalagem ao fanático religioso de Washington e aos limpadores biblo-étnicos de Israel.


 


Ao contrário dele, os israelenses pelo menos são honestos: “Devemos usar o terror, o assassínio, a intimidação, o confisco de terras e o corte de todos os serviços sociais para livrar a Galiléia da sua população árabe” disse o primeiro-ministro fundador de Israel, David Ben-Gurion. Meio século depois, Ariel Sharon afirmou: “É dever dos líderes israelenses explicam à opinião pública … que não pode haver sionismo, colonização ou estado judeu sem a remoção (eviction) dos árabes e a expropriação das suas terras”. O atual primeiro-ministro, Ehud Olmert, disse ao Congresso dos EUA: “Acredito no direito eterno e histórico do nosso povo a toda esta terra [ênfase sua]”.


 


Blair apoiou entusiasticamente esta barbárie. Em 2001, a imprensa israelense revelou que ele havia dado secretamente “sinal verde” à sangrenta invasão de Sharon da Cisjordânia (West Bank), cujos planos foram-lhe mostrados previamente. A Palestina, Iraque, Líbano — serão de admirar os ataques de 7 de Julho e o susto deste mês em Heathrow? A CIA chama a isto “blowback”. Em 12 de agosto o Guardian publicou um editorial (“The challenge for us all”), o qual dizia asneiras acerca de como “um número significativo de jovens havia sido alienado da cultura [muçulmana]”, mas não disse nem uma palavra sobre como o desastre do Oriente Médio de Blair foi a fonte da sua alienação. Uma simulação polida é sempre de bom tom nas descrições políticas britânicas, que acenam com expressões como “desviado” e “inadequado” e suprimem outras como “comportamento criminoso”.


 


Vá às áreas muçulmanas e ficará impressionado por um medo que recorda o pesadelo anti-semita dos judeus nos anos 1930, e por uma cólera gerada quase inteiramente por “um duplo padrão percebido na política externa dos governos ocidentais”, como admite o Home Office. Isto é sentido profundamente por muitos jovens asiáticos que, longe de estarem “alienados da sua cultura”, acreditam que estão a defendê-la. Quanto tempo mais estaremos nós preparados para aguentar a ameaça à nossa segurança que vem de Downing Street? Ou esperamos pelo “inimaginável”?


 


*Nome pelo qual é conhecido The Royal Institute of International Affairs.


O original encontra-se em http://www.newstatesman.com/200608210022 e é transcrito em http://www.johnpilger.com


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