Minas exporta mão-de-obra escrava

Além de ser palco do trabalho forçado, ocupando a sexta posição no ranking de denúncias sobre esse tipo de exploração, Minas Gerais também desempenha o triste papel de exportar mão-de-obra escrava para atuação em outros estados.


    Segundo dados do relatório “Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI”, divulgado ontem pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), 7,85% dos trabalhadores escravizados entre 2003 e novembro de 2004 no país são de 68 municípios mineiros, número que coloca o Estado como o sétimo fornecedor de mão- de-obra precária.


 


    A maioria dos escravos migrantes, como são caracterizados pela OIT, são aliciados em cidades do Vale do Jequitinhonha e levados para o cultivo da cana-de-açúcar no Rio de Janeiro e em São Paulo, às vezes para o Mato Grosso, e para outras regiões do próprio Estado, como Sul, Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba. Segundo a agente da Comissão Pastoral da Terra em Minas Gerais (CPT/MG) Marcilene Ferreira, em localidades como Francisco Badaró, município do Vale do Jequitinhonha com pouco mais de 10 mil habitantes, 40% dos moradores – homens em sua grande maioria – deixam a cidade nos meses de março e abril para só voltarem em novembro ou dezembro. “Ficam apenas mulheres e crianças e os mais velhos”, conta.


 


    Mas, no retorno à terra natal, não trazem consigo o dinheiro que poderia garantir uma vida mais digna à família. “Eles recebem por tonelada de cana cortada. Quanto mais produzirem, maior a chance de garantir um salário, no mínimo, razoável. Para tentar melhorar esse rendimento, praticam cargas de trabalho extenuantes, reduzindo cada vez mais o período de descanso”, afirma a agente. A conseqüência, algumas vezes, chega à morte por exaustão. “Isso não é tão raro, mas agora é que está começando a ser registrado”, ressalta Marcilene Ferreira.


 


Fiscalização reduz ocorrências


 


    Apesar do quadro grave traçado pela pesquisa da OIT, não só em Minas mas em todo o país, com destaque para o Pará, o delegado Regional do Trabalho, Antônio Roberto Lambertucci, garante que o trabalho escravo tem se reduzido no Estado e aposta numa retração gradual, ano a ano, desses indicadores, provocada pela fiscalização mais planejada e mais intensa no Estado. A constatação disso pode estar nos dados da OIT que mostram que, apesar de Minas estar em sexto lugar no número de denúncias de trabalho forçado entre 1996 e 2005, com 902 denúncias, 88% delas (790) se concentram em 1996. Em 2005 não foi registrada nenhuma ocorrência, enquanto que em outros estados, principalmente Pará e Mato Grosso, elas têm destaque nos três últimos anos.


 


    No entanto, Lambertucci não acredita na erradicação do trabalho escravo. “Isso é muito difícil, porque sempre existirão patrões inescrupulosos, que conseguem submeter o ser humano a uma situação tão precária”, lamenta. Neste ano, a Delegacia Regional do Trabalho em Minas Gerais (DRT/MG) recebeu três denúncias que envolviam 52 trabalhadores escravos, em Brumadinho, Campos Altos e Córrego Danta, municípios da Região Central. “Os três casos foram apurados e a escravidão foi constatada em todos eles. Os empresários foram autuados pelos auditores e indiciados pela Polícia Federal”, afirma o delegado. Segundo Lambertucci, até julho de 2006 foram fiscalizadas 700 fazendas em Minas. Em 211 foram constatadas irregularidades pela falta de registro da carteira de trabalho, mas em nenhuma foi encontrado trabalho escravo.


 


    O relatório da OIT avaliou ainda o andamento de cada uma das 76 metas estabelecidas pelo Governo federal no Plano Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo, lançado em março de 2003. A conclusão é de que o plano está parcialmente cumprido. Entre as metas que não foram satisfatoriamente colocadas em prática estão as que tratam de soluções para diminuir a impunidade, assim como a promoção da cidadania.


 


Analfabetos são as maiores vítimas


 


    A maioria das vítimas do trabalho escravo, segundo relatório da OIT, são homens com idade entre 18 e 40 anos, analfabetos ou que têm até dois anos de estudo. Como não têm qualquer qualificação, esses trabalhadores representam mão-de-obra barata e são aliciados para fazer desmatamento de áreas para a criação de gado ou para a plantação de soja, café e corte da cana-de-açúcar, por exemplo.


 


    Eles são abordados por “gatos” (contratadores a serviço dos fazendeiros) que prometem boas condições de trabalho. Mas ao chegar ao local, descobrem que já têm uma dívida com o fazendeiro pelo transporte, instrumentos de trabalho, alojamento e comida. Essa dívida sobe todos os dias e os trabalhadores não conseguem pagá-la.


 


    Eles são submetidos a péssimas condições de trabalho, costumam dormir em barracas improvisadas ou dividem o espaço com o gado em currais. A alimentação é escassa e costuma ser apenas arroz e feijão. Quem tenta deixar a fazenda acaba sofrendo ameaças e violência física. As atividades que mais usam esse tipo de mão-de-obra são a pecuária (80%), seguida pela cultura do algodão e soja (10%) e da cana-de-açúcar (3%).


 


    Embora tenha feito avanços no combate ao trabalho escravo, o Brasil ainda encontra dificuldade em punir os responsáveis por esse tipo de crime. Até hoje, por exemplo, ninguém cumpriu pena de prisão por essa prática no país, que mantém pelo menos 25 mil brasileiros em atividade degradante. O Código Penal prevê punição de dois a oito anos para quem mantém trabalhador em situação de escravidão.


 



TRABALHO ESCRAVO
Prática permanece no Brasil

ORIGEM DOS TRABALHADORES ESCRAVIZADOS
Estado – Número de municípios de origem – % sobre o total
Maranhão 154 17,78
Piauí 94 10,85
Tocantins 80 9,24
Bahia 77 8,89
Goiás 73 8,43
Pará 71 8,20
Minas Gerais 68 7,85
Ceará 52 6,0
Mato Grosso 38 4,39
Paraná 26 3,0
Pernambuco 26 3,00
Paraíba 25 2,89
Alagoas 18 2,08
São Paulo 17 1,96
Rio Grande do Norte 14 1,62
Espírito Santo 10 1,15
Mato Grosso do Sul 6 0,69
Rio Grande do Sul 4 0,46
Rio de Janeiro 3 0,35
Acre 2 0,23
Amazonas 2 0,23
Santa Catarina 2 0,23
Amapá 1 0,12
Distrito Federal 1 0,12
Rondônia 1 0,12
Roraima 1 0,12
Sergipe 0 0,00
Brasil 866 100

AÇÕES DE LIBERTAÇÃO EM MINAS 2002/2004
Cidade – Número de ações – Número de libertados
Bonfinópolis de Minas 1 2
Claraval 1 24
Paracatu 1 9
Santa Fé de Minas 1 8
Total 4 43

Neste ano foram feitas três denúncias e 52 foram trabalhadores libertados

Dados: OIT


 


Fonte: Jornal Hoje em Dia