Um velho rei está por trás do golpe na Tailândia

Por Martino Mazzonis, no Liberazione*
Tanques nas ruas de Bangcoc mas nem uma gota de sangue. Há semanas todos na Tailândia sabiam que vinha aó o 18º golpe de Estado da história contemporânea do país. E ninguém se surpreendeu ao ver os soldado

O general Sonthi Boonyaratglin, comandante da junta que deu o golpe enquanto o premier Thaksin Shinawatra estava na Assembléia Geral da ONU em Nova York, anunciou que dentro de duas semanas seus homens deixarão o poder; que será escrita uma constituição provisória a ser submetida a referendo, nomeado um novo governo e depois, dentro de um ano, ocorrerão novas eleições. Não é portanto apenas um chega-para-lá em Thaksin, mas um golpe em sua plena acepção, com redação de uma nova carta constitucional e um hiato de 12 meses no poder democrático.



Ex-premiê pode sofrer processo



O general Sonthi confortou o magnata e agora ex-primeiro ministro: ele e sua família são bemvindos no país e não correm nenhum perigo. Definido como porta-voz informal do rei, o general advertiu contudo que Thaksin poderia terminar sendo processado: ''Ele provocou um machucão sem precedentes na nossa sociedade; e é culpado pela corrupção difusa nos gânglios do poder tailandês'', disse.



É na busca de se evitar o processo que se compreende como reage a diplomacia internacional, ao avaliar o destino do líder do Thai Rak Thai (''Os Thai Amam os Thai''), como se chama o partido que ele fundou. Thaksin deixou Nova York por Londres, onde é hoje um primeiro-ministro no exílio, como a um bom tempo não se via.



''O povo deve permanecer tranqüilo''…



A quartelada tem portanto um claro apoio do velho soberano. Não só porque a pessoa que o comunicou é conhecida como muitíssimo íntimo do rei, mas também pela missão que este teria confiado ao seu general.



''No interesse da paz e da ordem da nação, o rei indicou o general Boonyaratglin como futuro líder do Conselho Militar pela Reforma Política'', afirmou o mesmo militar, na TV. ''O povo deve permanecer tranqüilo e todos os funcionários do governo devem seguir as ordens do general'', agregou. A nova junta também reforçou o controle sobre a mídia, proibiu manifestações públicas e fechou as fronteiras com Mianmar (a antiga Birmânia) e o Laos.



Onda de protestos em Bangcoc



O golpe destes dias não foi inesperado. É a conclusão de um longo braço-de-ferro entre o primeiro ministro deposto e diversos grupos de poder que se aliaram a uma ala da burocracia particularmente próxima do trono.



Em abril e maio deste ano, a capital tailandesa foi atravessada por enormes manifestações que reclamavam a queda de Thaksin. O núcleo do protesto era a denúncia de que a companhia telefônica de propriedade do premiê seria vendida a um grupo de Cingapura.



Havia também um pano de fundo de defesa da monarquia, face a um governante que granjearia grande apoio no campo, com promessas populares e populistas, enquanto cuidava de perto dos interesses de suas próprias empresas e não combatia a corrupção. Uma estratégia política que fizera Thaksin merecer, na imprensa italiana, o apelido de ''Berlusconi tailandês''.



Os sementos urbanos tailandeses não suportavam o personagem centralizador e popular no campo. E o mesmo ocorria no judiciário.



Thaksin sai de cena… e volta



Os protestos da primavera produziram a convocação de eleições antecipadas, boicotadas pela oposição, consciente de que poderiam perdê-las. O voto de  maio foi julgado não-válido pela corte constitucional. Porém Thaksin retornou sete semanas depois de sair de cena.



Nos meses que se seguiram, enquanto crescia a consciência de que o golpe era iminente, o premiê acusou os militares de diversas tentativas para assassiná-lo. Em suma, o confronto sempre foi duro e nenhum dos atores em cena pode exibir um predigree democrático impecável.



Nos seus anos de governo, além de cuidar dos seus próprios negócios, Thaksin Shinawatra se ocupou de consolidar seu poder na expectativa de uma possível saída de cena do monarca de 78 anos (o trono mais longevo do mundo). Em 2003, aposentou alguns funcionários fidelíssimos ao rei Bhumibol e promoveu seu próprio primo a chefe das forças armadas. Nos próximos dias estava prevista uma reorganização da cadeia de comando na área da segurança, e a aceleração do golpe pode ter visado se antecipar ao movimento do premiê.



As reações internacionais



A presidência da União Européia condenou o golpe de Estado e pediu a volta da ordem democrática. Já Kofi Annan sustentou uma posição mais branda, dizendo esperar que a democracia tailandesa volte a funcionar em breve, sob a tutela do rei, e agregando que ''as pistolas não são o melhor modo de tomar o poder''.



Da França e da Austrália vieram outras reações preocupadas. O embaixador italiano, Ignazio di Pace,  disse à Agebnzia Italia que os militares pareciam pouco convictos nas ações que empreenderam, acrescentando que os adeptos de Thaksin se alinharam com o golpe. Portanto, o milionário arrivista em política parece ter se retirado de cena para sempre.



Resta saber se as instituições tailandesas reagirão à enésima quartelada imposta pelos militares. Por hora, reina a calma. Ninguém parece ter a impressão de desafiar a vontade do braço armado do rei.