Com Shinzo Abe o Japão quer se rearmar

Em meio à frieza da mídia global, o novo primeiro ministro do Japão, Shinzo Abe, tomou posse nesta terça-feira (26). Parte da indiferença é porque Abe foi escolhido pelo seu antecessor, Junichiro Koizumi, alimentando uma expectativa de “mais do mesmo”. No

Libération: Por que Shinzo Abe desperta tanta desconfiança?



Jean-Marie Bouissou: O novo primeiro ministro japonês é percebido pela mídia ocidental de forma bastante simplista, como “o neto de um criminoso de guerra” que quer “rearmar o Japão” e “revisar a história de seu país”. Herdeiro escolhido por Junichiro Koizumi, o homem que encolerizou a China e a Coréia por suas repetidas visitas ao santuário Yasukuni, onde são reverenciados os criminosos de guerra enforcados em 1948, Shinzo Abe não faz muito para dissipar o ma-estar. Ele sempre proclamou sua fidelidade familiar.



Ele próprio foi ao tempo Yasukuni e não oculta que deseja acabar com a “educação desmoralizante” e a “culpabilidade masoquista” inculcadas, segundo ele, às crianças japonesas pela história, tal como é ensinada desde a derrota. Além disso, na administração Koizumi, Abe era o porta-voz da linha dura face à Coréia do Norte. Ele começou a construir sua popularidade em 2002, quando convenceu o governo de manter no Japão os cidadãos japoneses criados na Coréia do Norte, que Koizumi trouxera de Puong Jiang, prometendo que voltariam depois de uma curta estadia no arquipélago para rever suas famílias.



L: Como ele irá elevar o Japão no ranking internacional?



JMB: No Ocidente, como no Japão, espera-se que ele restaure as relações com a China e a Coréia, que estão no nível mais baixo em cinco anos. Mas ele certamente não se dispõe a fazer isso via concessões “desonrosas”, em conformidade com a opinião pública japonesa, muito indisposta com a China. A reivindicação de uma cadeira permanente no Conselho de Segurança será mantida por princípio, mas Tóquio não crê em suas chances de conseguí-la, devido à China.



O essencial para Shinzo Abe é que o Japão passe a fazer aquilo que fazem todas as potências que querem contar alguma coisa na cena internacional: guerrear nas operações de “luta antiterrorista” e de manutenção da paz, inclusive fora dos quadros da ONU. A Alemanha, a outra grande vencida de 1945, o faz. Enquanto não puder fazê-lo, o Japão considerará que não saiu da condição de derrotado.



L: A Alemanha engatou o processo de “normalização” desde 1999, ao participar das operações da Otan em Kosovo. Por que isso é tão difícil para o Japão?



JMB: Para a Alemanha foi mais fácil porque ela se reintegrou na comunidade das nações européias, enquanto o Japão permaneceu politicamente isolado na Ásia. O Japão precisará revisar sua Constituição pacifista de 1947, o que exige uma maioria de dois terços na Dieta [Parlamento nipônico] e a organização de um referendo, o que não está dado.



O envio de 600 homens ao Iraque foi um modo de dar um primeiro passo. Era a primeira vez desde 1945 que soldados japoneses punham o pé em um país em estado de guerra.



Os neonacionalistas japoneses não querem reger o planeta. Mas Shinzo Abe quer dar ao seu país os meios de uma política militar mais autônoma. Seu ideal é o Reino Unido, muito ligado aos Estados Unidos militarmente, mas também capaz de defender sozinho os seus interesses na Guerra das Malvinas.



Fonte: http://www.liberation.fr