Chávez e o Partido Histórico da Revolução Bolivariana

Com sólidos argumentos, o presidente Chávez fez a proposta de avançar, no ano que vem e a partir de um Congresso político, ideológico, doutrinário e organizativo, na constituição e organização do Grande Partido Histórico da Revolução Bolivariana, que repr

Antes de examinar as teses do presidente, convém fazer uma análise sobre o sentido e o alcance dessa iniciativa, para delimitar campos com as distorções que o veneno midiático da ultra-direita veiculou com a finalidade de gerar confusão entre as massas populares e a opinião sobre supostos planos totalitários e antidemocráticos.



O que o primeiro mandatário sugeriu é criar o Grande Partido Histórico dos Revolucionários Boliviarianos, não o partido único de todos os venezuelanos, como venenosamente insinuam analistas e politicólogos associados ao pensamento esquálido. Os capitalistas, os grupos religiosos, certos segmentos da classe média e até alguns delirantes da extrema esquerda disparatada poderão criar partidos e movimentos políticos, os quais funcionarão em completa liberdade, sempre e quando respeitem as regras do jogo fixadas na Constituição e nas leis da nação. Aquelas facções que nascerem para conspirar, sabotar e bloquear o socialismo e o exercício dos direitos fundamentais do povo deverão ser tratadas como verdadeiras agrupações delinqüentes, depredadores do interesse público.



Vejamos, em primeiro lugar, os argumentos do presidente Chávez:



Primeiro: é conveniente criar a referida organização unificada porque a grande quantidade de partidos políticas atenta contra os interesses da revolução e contra a unidade popular. A cada dia nascem mais partidos e isso marca o sentido contrário da revolução e seus interesses. Unidade popular deve ser nossa divisa bolivariana acima de tudo! Com o Grande Partido Histórico Unificado da Revolução, todas as tendências devem somar esforços, compartir cenários e tomar responsabilidades, no contexto da unidade, da solidariedade e do respeito, para integrar-se em uma plataforma popular que garanta que o presidente Chávez lidere com o povo, ao mesmo tempo em que aprofunda a revolução e refunda a República.



Segundo: a seu juízo, a profusão de partidos e movimentos cria idéias de dispersão e é fonte de divisões, motivo pelo qual esse novo partido une, consolida e dirige todas as organizações populares.



Terceiro: como parte da nova fase da revolução – a Democracia Revolucionária – estruturemos o partido único da revolução, do povo venezuelano e que acabe a dispersão.



Quarto: o objetivo é estruturar um grande maquinário (é a metáfora esboçada pelo presidente) que vá além da mecânica eleitoral, para que desempenhe funções políticas, organizativas, ideológicas, de defesa popular, táticas, estratégicas e internacionais como expressão política cabal de nosso povo.



Quinto: é preciso manter a organização e o maquinário mais além do que no processo eleitoral, para elevar o nível ideológico, o nível combativo, a capacidade de mobilização, de ação, de reação, de defesa, de ataque e contra-ataque.



Sexto: trata-se de um partido novo, desde baixo, desde as bases populares de nossa ação, resultado da organização, das mobilizações, do alto nível ideológico e da ativa participação das massas populares.



Sétimo: necessita-se uma grande estrutura para dar maior fortaleza à revolução, assim como terminar com as discussões internas. Vamos todos nos unir, já que o inimigo é grande, é o império norte-americano.



Oitavo: ao argumentar a necessidade da unidade em um Grande Partido Histórico da Revolução, o presidente recordou que Simon Bolívar, em sua última carta, pediu a um amigo do general para encerrar suas diferenças com o general Rafael Urdanet, pois dessa união dependia o futuro. A divisão, expressou, foi uma das grandes causas do fracasso do sonho bolivariano. O presidente insiste, portanto, na coesão. Na união para ser livres, invencíveis e assim triunfar sempre.



Nono: faz-se indispensável transitar pelo dito processo unitário para fazer avançar a Revolução até a concretização das bases da futura sociedade socialista.



Décimo: o presidente estabelece também uma metodologia para dar curso a sua proposta. Propõe debater a fundo, em alto nível, com ideologia, com teses.



Essas são as consistentes razões do presidente, que, a meu juízo, devem servir de guia para este debate, central para que os desafios que temos até o futuro.



Trata-se, nem mais nem menos, de decantar a infra-estrutura da revolução. Os processos revolucionários aparentemente são caóticos, mas em sua natureza e essência são profundamente organizados, disciplinados, inteligentes, parte dos quais é a existência material e espiritual de uma institucionalidade coletiva (o partido), encarregada de dar racionalidade aos atos e movimentos dos seres humanos empenhados em superar as reações capitalistas de exploração (marcadas pelo caos e anarquia) e construir relações humanas de solidariedade, fraternidade, igualdade e bem-estar para todos, ou seja, o socialismo.



É evidente que os primeiros destinatários deste projeto político fundamental são os partidos e movimentos políticas que apóiam e respaldam ao presidente e sua liderança revolucionária. Obviamente todo o povo, suas organizações e os meios de comunicação populares fazem parte desta crucial iniciativa.



De imediato, o Partido Comunista da Venezuela (PCV), na palavra inteligente de seu secretário-geral, Oscar Figueras, já esboçou os critérios de aproximação em relação a esse assunto. Vejamos suas reflexões e propostas:



Primeira: o PCV respalda a proposta do presidente Chávez de criar um partido único entre as organizações que respaldam o processo de mudanças que ele encabeça desde 1999.



Segunda: o plano realizado pelo presidente, de avançar à constituição do Grande Partido da Revolução, junto à definição socialista do processo bolivariano, constitui uma das propostas mais transcendentais realizadas pelo líder do processo. O presidente colocou para o debate político os dois grandes temas que para os comunistas são fundamentais: o tema do socialismo (que é um dos objetivos fundamentais do Partido e a razão de sua existência) e o tema do Partido da Revolução.



Terceira: este é um debate que corresponde à necessidade e às demandas da revolução venezuelana. É um debate que os povos latino-americanos, os revolucionários e as revolucionárias, vêm esperando de nossa revolução, já que o processo que vivemos na Venezuela se converteu em uma referência necessária, importante para as lutas pela liberdade e pela construção do novo mundo socialista.



Quarta: ao PCV a iniciativa não é uma surpresa. Já na época do Comando Ayacucho propomos a necessidade que tem o processo revolucionário bolivariano de contar com uma direção coletiva e unificada, um Estado Maior da Revolução.



Quinta: o PCV considera que o nível atual de tensão das contradições da nação venezuelana com o imperialismo norte-americano e suas ameaças e ações fazem pertinente a proposta de criar o Grande Partido Histórico da Revolução.



Sexta: a Construção do Grande Partido Histórico da Revolução, que envolve principalmente a unidade dos revolucionários, é um processo. É uma grande mobilização ideológica que necessita de muita força, maturidade e vontade política para se transformar em revolucionários, militantes de um Partido Histórico da Revolução.



Sétima: esse processo implica a maturidade de fases bem precisas que devem desenvolver-se, como as seguintes:
a) a definição do caráter ideológico do partido;
b) de seu programa;
c) de sua forma organizativa;
d) do caráter de massas e de quadros do partido;
e) sua disciplina;
f) seu caráter revolucionário.



Esses são aspectos fundamentais que devem ser levados ao debate que propôs o presidente Chávez.



Oitava: com essas fases hipotéticas do processo, convém iniciar uma etapa de caracterização do partido que se quer e que Chávez já adiantou, pois assumiria as bandeiras do socialismo, um dos objetivos estratégicos dos comunistas.



Nono: da mesma maneira, considera-se que a própria composição do partido exige um nível de depuração, pois não é possível aceitar pessoas com conduta corrupta ou alheia ao projeto estratégico de país que é socialismo.



Décima: para o PCV, a iniciativa presidencial, dada a natureza democrática da organização, exige o maior debate interno dentro da organização, dos coletivos de Juventude Comunista e forças amigas do movimento popular e revolucionários para tomar uma decisão final em um Congresso nacional partidário.



Décima-primeira: o PCV considera possível a realização em 2007 do Congresso proposto pelo presidente Chávez, se for iniciado o processo de debate das teses dos diversos movimentos, para trabalhar os espaços de articulação. Constituir uma organização com ativistas de diversas agrupações exige um nível de encontro concreto, reconhecimento e inclusive a construção de dedicação mútua. Se avançarmos nisso, há condições para se realizar esse Congresso em 2007. Esse evento pode ser prévio ou posterior ao rumo da nova organização, seu caráter e forma organizativa pra dar seqüência aos debates internos das agrupações.



Esses são os pontos de análise, bastante precisos ao certo, que a iniciativa presidencial está propiciando nesta etapa inicial um debate que se estenderá a outros temas como o do aprofundamento da revolução para concretizar o socialismo.



Para o desenvolvimento desse substancial processo político, convém examinar o que foi a experiência histórica do movimento revolucionário e comunista internacional neste campo.



Sugiro examinar o ocorrido na revolução de 1848 na Europa; na Comuna de Paris; no pensamento e na prática de Lênin e dos revolucionários russos no início do século 20; nos sucessos de 1905 e os da revolução de outubro de 1917; nas múltiplas linhas de análise e práticas da organização do Partido dos revolucionários e a revolução socialista; na ação e gestão do Partido Comunista da União Soviética – cujo referencial deve ser feito acima dos prejuízos e distorções da narrativa histórica burguesa, carregada de falsidades e vagabundagens contra-revolucionárias, com o único propósito de extirpar na memória popular os marcos centrais da luta pelo socialismo; valorizar a experiência do Partido Comunista da China, sua relação com os camponeses, o proletariado, os intelectuais e as classes médias dos centros urbanos; se cercar da luta dos comunistas vietnamitas; conhecer em profundidade o curso seguido pelos revolucionários cubanos na organização do Partido Comunista.



Trata-se de valorizar todo esse mosaico de ricas circunstâncias que nos devem permitir construir nas melhores condições essa infra-estrutura política da revolução, tal como propôs o presidente Chávez.



De imediato, me parece que com esse projeto estamos postos diante do ponto de forma a uma das mais formidáveis instituições públicas e coletivas da nação, com funções centrais como as seguintes:
a) Elevar a capacidade organizativa e de gestão do povo. É grande a tarefa de capacitar o nosso povo em destrezas organizativas, de planificação e gestão dos assuntos coletivos (água, energia, comunicações, educação, infra-estrutura, estradas, cuidado ambiental, segurança integral, defesa, relações internacionais). O socialismo e seu partido devem mostrar suas enormes potencialidades neste âmbito da vida moderna.
b) Qualificar política e ideologicamente o povo e os cidadãos, para que sejam conscientes de seus direitos fundamentais consagrados na Constituição e as leis e não sejam vítimas da manipulação e a intoxicação dos aparelhos ideológicos da burguesia e o imperialismo.
c) Mobilizar as massas para que defendam o socialismo como forma solidária de organização social frente ao individualismo, com a avidez capitalista.
d) Organizar a defesa popular do Estado e os avanços da revolução socialista, mediante a adequada dotação e formação das estruturas correspondentes.
e) Fazer a gestão política em fins de muita eficiência e qualidade.
f) Elevar a formação moral do povo para dessa maneira superar práticas sociais tão regressivas como a corrupção, o clientelismo, a mentira, a manipulação, o aproveitamento pessoal dos recursos sociais, o lucro pessoal, a delinqüência.



É enorme o desafio político traçado pelo presidente Chávez com a criação do Grande Partido Histórico da Revolução. É importante estabelecer claramente os términos da referência do debate para evitar confusões e uma infernal torre de babel que não nos conduza a nada, fazendo o jogo do imperialismo, dos esquálidos e dos oportunistas que parasitam a revolução se acomodando a todas as circunstâncias, como já poderemos ir vendo.



San Cristóbal, setembro de 2006.