Homenagem a Fernando Gasparian

Bernardo Kucinski
Com a morte de Gasparian, fundador do jornal Opinião, está extinta a geração de empresários nacionalistas que foi combatida pela Ditadura Militar. Eram homens preocupados com um projeto nacional de desenvolvimento, que Gaspar

Passou quase despercebida na grande imprensa a morte na última sexta-feira (6) de Fernando Gasparian, o fundador do jornal Opinião, um dos mais importantes semanários de nossa história e referência da luta da imprensa alternativa contra a ditadura militar.



Conheci Gasparian e sua esposa em Londres no início de 1972, em pleno regime Médici. Com eu, ele estava em “exílio voluntário”. Eu havia saído de Veja com a equipe liderada por Raimundo Pereira, que trabalhou nas capas denunciando as torturas no Brasil. Gasparian e sua esposa estavam traumatizados com o seqüestro e assassinato, pelos militares, de seu grande amigo, o deputado federal também nacionalista Rubens Paiva.



Gasparian, dono da indústria têxtil América Fabril, era de uma geração de empresários nacionalistas que entrou em desgraça com o golpe militar de 1964. Suas empresas, em geral familiares, foram submetidas ao cerco econômico. Alguns deles, como Pignatari, sofreram confisco patrimonial e tiveram que fechar as portas ou suas empresas foram compradas na bacia das almas por grupos estrangeiros.



Com a morte de Gasparian, pode-se declarar extinta essa geração de empresários nacionalistas, preocupados com um projeto nacional de desenvolvimento, que ele simbolizava e em nome dos quais atuava na cena política. Gasparian, em especial, era muito amigo de Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Barbosa Lima Sobrinho, Enio Silveira e outros intelectuais progressistas e/ou nacionalistas, que tentavam pensar um futuro para o Brasil. Tudo isso também foi interrompido de modo brutal pelo golpe militar.



Profundamente chocado, Gasparian pensava em lançar no Brasil um jornal moderno, que não tivesse com a ditadura a relação complacente da maioria dos jornalões brasileiros; um jornal que combatesse a ditadura militar e o entreguismo. Lembro que chegamos a visitar juntos uma feira de equipamentos gráficos em Londres. Indiquei a ele Raimundo Pereira como o jornalista capaz de liderar um projeto desse porte. Assim nasceu, poucos meses depois, o semanário Opinião.



Nessa época, outros empresários ou amigos de empresários também ajudaram a viabilizar projetos de imprensa alternativa de combate aberto ou velado ao regime militar. A revista Bondinho não teria existido sem a ajuda de Thomas Fárkas, dono da Fotóptica, e de Bresser Pereira, ligado ao grupo Pão de Açúcar (dai o nome Bondinho). Pasquim contou de início com apoio de Murilo Reis, dono de uma distribuidora de jornais e revistas.



Mas Gasparian foi de todos o que mais se dedicou ao que poderíamos chamar de “mecenato político”, bancando todo o projeto desde o início, no segundo semestre de 1972, até sua última edição, 231 semanas depois, em abril de 1977. O projeto do Raimundo combinava o melhor da experiência de Veja, como semanário de atualidades que chegava simultaneamente a todas as grandes cidades brasileiras, e o melhor da imprensa mundial progressista da época, como o Le Monde, o The Guardian e o Financial Times. Gasparian fez acordos editoriais com todos eles, também como forma de blindar Opinião contra os ataques do regime militar. Richard Gott e Basil Davidson podiam ser lidos em Opinião. Também escreviam no semanário os principais intelectuais brasileiros da época, como Celso Furtado, Luciano Martins e Niemeyer. Com diagramação moderna e desenhos elegantes a bico de pena ao estilo do New York Times Review of Books, por Cássio Loredano e Luís Trimano, Opinião nasceu como se já tivesse cem anos de tradição.



Mas a força bruta da repressão prevaleceu sobre a qualidade e o cuidado editorial. Os tempos eram duros. Não por acaso, a capa do número zero era uma fina caricatura em bico de pena de Plínio Salgado, líder da extrema direita brasileira, que então se tornava cada vez mais forte junto ao governo Médici. A censura pegou Opinião já na nona edição e foi apertando o cerco até se tornar devastadora a partir da edição 23. Do material enviado para Brasília, metade era vetada ou mutilada.



Quando Gasparian fechou o jornal, em abril de 77, Geisel fechava o Congresso, para baixar o famoso “pacote de abril”, que mudou as regras do jogo eleitoral numa tentativa de manter artificialmente uma maioria conservadora. De Médici a Geisel, esses foram os tempos vividos por Opinião. Tempos de resistência. Opinião tornou-se um símbolo de imprensa de resistência e Gasparian, sem dúvida está no céu, nem que seja só por isso.



* Jornalista e professor da Universidade de São Paulo, autor de A síndrome da antena parabólica: ética no jornalismo brasileiro (1996) e As Cartas Ácidas da campanha de Lula de 1998 (2000).