Em “carta aberta” a Albert Einstein, Boal dá apoio a Lula

Declarando-se sob “inspiração póstuma” de Albert Einstein, o dramaturgo Augusto Boal divulgou a seguinte carta de apoio à reeleição de Lula.

Rio de Janeiro, 9 de Outubro de 2006


 


Meu Caro Albert Einstein,


 


estava eu lendo um dos seus livros – sim, acontece… – quando tropecei nesta bela frase: 


 


“O mundo é um lugar perigoso para se viver; não porque existam pessoas más, mas porque, aquelas que não são más, não fazem nada contra a maldade!”


 


Acho que você exagerou nessa divisão de bom e mau que, aqui no Brasil, soa um pouco maniqueísta, mas compreendemos que você se expresse melhor quando fala de Ciência do que de temas mais complexos como a política brasileira, por exemplo – ninguém é perfeito. Muitos de nós, bons,  fazemos alguma coisa; alguns, até mais do que imaginávamos ser capazes. Isto posto, temos que admitir que este Outubro será longo, intenso, e terá, no seu bojo, 48 meses.


 


Para evitar 48 meses de tristezas e desastres, temos que trabalhar duro nestas três semanas para dizer,  querido Einstein, que você  pode entender muito de Física – Quântica ou não – mas, de brasileiros, entendemos nós.


 


Somos, na maioria, gente boa: nossas vidas, e nossos fichários no Dops e noutras organizações do Terrorismo de Estado, atestam e confirmam. Somos bons, mas o que significa ser bom ou mau nestas eleições?


 


É sabido que muitos eleitores votam em si mesmos, isto é, votam nos candidatos dos quais algum benefício recebem, seja uma dentadura postiça – como suas consciências, postiças e à venda -, ou um cargo em algum órgão oficial. Nem todos são maus, alguns são desesperados,  poucos são recuperáveis.


 


Muitos há que votam mal porque acreditam que a mídia seja imparcial e justa, não percebem as manipulações feitas pelos entrevistadores nos programas de debates e nas manchetes dos jornais. São bons… e votam mal. Eu sei, tudo é relativo, meu caro, mas pode-se votar mal sendo-se bom?


 


Ser bom é votar a favor da população como um todo, incluindo carentes:  em uma Sociedade, somos todos Sócios!  Não devemos buscar apenas o próprio ganho, dentadura ou cargo, mas o bem coletivo. 


 


Ser bom é votar em brasileiros e não nas corporações multinacionais e seus coadjuvantes nativos; votar na Independência e Vida!, e não entregar seu voto aos países hegemônicos que governam o mundo pela violência militar, econômica e mediática!


 


Ser bom é votar naquele que criou a Bolsa Família que tirou 11 milhões de famílias brasileiras da miséria absoluta e da fome; não se trata de dar esmola, mas de exigir crianças na escola, vacinação e trabalho.


 


Ser bom é votar naquele que recusou a tutela estrangeira da Alca, e desenvolveu laços comerciais e culturais com os países irmãos do Mercosul, África e Ásia, sem deixar de consolidar  os que já existiam com outros países do mundo;


 


Ser bom é votar naquele que teve altos e baixos nesta primeira Presidência:  baixou a inflação de 14 para menos de 3%, alteou o salário mínimo de 50 para o equivalente a 150 dólares;


 


Ser bom é votar naquele que criou mais de 500 Pontos de Cultura no Brasil inteiro, apoiando democraticamente embriões culturais que já existiam, jamais impondo um modelo único.


 


Ser bom é votar no governo que, através da Polícia Federal, prendeu, em três anos e meio, mais quadrilhas de colarinho branco do que todos os governantes anteriores, desde Pedro Álvares Cabral, cortando inclusive na própria carne do partido que fundou. Fala-se pouco disso, mas devemos lembrar que os escândalos que estão vindo à tona foram  descobertos pela PF, que é parte do Estado administrado por este governo – o governo que revelou o crime não pode ser acusado de criminoso;


 


Ser mau, muito mau – horrendo! -, é votar em quem aplaudiu a privatização das nossas galinhas dos ovos de ouro, prata e bronze, Usiminas, Vale do Rio Doce, Embratel, Telebrás…


 


Ser mau é votar em quem ameaça privatizar a Petrobrás, Banco do Brasil,  Correios, a terra e o ar, o céu e o mar…


 


Isto não é “ouvi dizer”: é entrevista que o candidato adversário deu ao Globo no dia 15 de Janeiro. Este insalubre, malsão e malvado desígnio foi obliquamente reiterado na pg. 9 do Globo de 8 de Outubro, pela manhã, e negado à noite na TV.  Como acreditar que um candidato pretenda fazer algo contrário ao que fizeram seus partidos quando no poder?


 


Ser  mau é votar em quem bloqueou mais de  60 CPIs  na Assembléia Estadual, permitiu o florescimento de PCCs, e ameaça uma reforma da Previdência (Globo, idem, ibidem). Alguém que vive usando palavras vazias como “choques de gestão”, como se fosse programa de governo: palavras polissêmicas que permitem qualquer interpretação, a torto e a direito.


 


Temos três semanas para convencer os bons que votaram mal, a votarem certo e bem  – Lula, 13! – e não outro número, como alguns safados andaram espalhando em santinhos pelo Nordeste. Este é o conselho que você nos dá, meu caro Einstein: agir e reagir. Sim, somos capazes! Estamos em campo!


 


O combate político não se faz apenas mostrando o certo e execrando o torto: faz-se pela pressão na rua e em casa, no trabalho e no lazer, em toda parte, inclusive na Internet que, no seu tempo, caríssimo Albert, não existia. Nem sei como você conseguiu descobrir que a luz faz curvas, sem o auxílio de PC ou MacIntosh.


 


Temos que pressionar o governo para continuar fazendo o bem que está fazendo, e a Reforma Agrária, ainda esquecida.


 


Lembrando a História recente: o mal da nossa esquerda sempre foi a sua suicida fragmentação. Claro que temos que nos juntar ou separar segundo nossas opções ideológicas, e  defender, sem renúncias, nossas idéias! Nos momentos decisivos, porém, temos que nos unir diante do adversário compacto. Por maiores que sejam as diferenças, temos em comum o mais importante: queremos um país que pense e aja por si mesmo, sem cabresto.


 


A partir de 64, formaram-se tantas siglas combatentes, tantas divisões e dissidências, dissidências das divisões e divisões das dissidências, tantas estratégias corretas que, por serem tantas, estavam todas erradas. Eu não quero cometer o mesmo erro porque me lembro das suas nefastas conseqüências, físicas e morais.


 


Votar nulo é votar no pior – isto não é opinião, é matemática!  Albert, meu amigo, você tinha razão: sempre haverá gente ruim. Mas ninguém pode dizer que ser “bom” é ficar quieto, calado, enquanto o Brasil decide se continuará soberano ou se vamos ter, outra vez, que pedir a benção ao Enxofre.


 


Caro Albert, obrigado pela inspiração póstuma que você nos deu – sempre é tempo. Você é um gênio mesmo: eu já sabia disso, mas agora ficou provado!
Bom descanso, enquanto eu acabo de ler o seu livro. Está bastante bom, sabe? Tem uma coisinha aqui, outra ali que talvez não seja bem assim como você pensa, mas, globalmente… Desculpe: a gente conversa depois das eleições. Vamos trabalhar!


 


Parabéns, sinceros e eloqüentes.


 


Augusto Boal