Alckmin e os 400 “vestidinhos” de dona Lu

Geraldo Alckmin se engasga ao explicar as centenas de vestidos que sua mulher, Lu, ganhou de um estilista. Cada peça custou nada menos que R$ 4 mil – o que constrangeu até aliados do tucano. Veja as implicações do caso em mais um artigo de Altamiro B

Alckmin e os 400 “vestidinhos” de dona Lu


 


Por Altamiro Borges


 


“Ela errou, mas já corrigiu”. Desta forma, tranqüila e afetuosa, o ex-governador Geraldo Alckmin reagiu às denúncias feitas em março de que sua esposa, “dona Lu”, havia ganhado 400 peças de alta-costura do estilista Rogério Figueiredo – ao custo médio, cada uma, de R$ 4 mil. Bem diferente da postura agressiva, quase descontrolada, adotada teatralmente pelo candidato durante o recente debate na TV Bandeirantes, quando só faltou espumar contra o presidente Lula. Pimenta nos olhos dos outros realmente é refresco!


 


“Ela nunca pagou nada”


 


Quando a denúncia pipocou na mídia, em março passado, o governo tentou negá-la de forma categórica. A assessora da ex-primeira-dama, Cristina Macedo, garantiu que “a senhora Lu Alckmin não recebeu 400 peças”, mas apenas uns 40 vestidos, e que “as poucas peças foram doadas à entidade social Fraternidade Irmã Clara”. Procurada pelo jornal Folha de S.Paulo, a presidente da Fraternidade Irmã Clara, Elizabeth Teixeira, afirmou “não ter conhecimento das doações de 40 vestidos que teriam sido feitas pela primeira dama”. Disse ainda que só recebeu “um telefonema de dona Lu” dois dias após a revelação do escândalo.


 


Preocupado com sua imagem no milionário mundo fashion, o estilista Roberto Figueiredo também reagiu imediatamente ao desmentido oficial. “Eu tenho a prova de que foram feitas mais de 400 peças de roupa. Ela não tinha nem o que vestir. Só de tricôs e casaquinhos foram mais de cem. Vestidinhos básicos, milhares. Ela nunca pagou nada”, garantiu. Sua sócia, Kátia Grubisich, esposa do presidente da empresa Braskem, também confirmou que o estilista falava a verdade. “Está chato para ela, não? Eu sinto muito. O assunto tomou um rumo diferente, político”, revelou para a colunista Mônica Bérgamo.


 


“Imagine o tamanho do armário”


 


Diante do escândalo e da controvérsia, a Assembléia Legislativa de São Paulo decidiu apurar as doações. “Quarenta ou 400 roupas não muda absolutamente nada. Então quer dizer que ela ganhou R$ 200 mil em presentes e não R$ 2 milhões? É improbidade administrativa do mesmo jeito”, reagiu o deputado Romeu Tuma Jr., autor do requerimento que pediu explicação ao ex-governador pelos “confortos proporcionados de graça à sua esposa”. O procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho, também anunciou que “o ex-governador Geraldo Alckmin e sua mulher, Maria Lúcia, a Lu, serão investigados pelo Ministério Público de São Paulo por suspeita de improbidade administrativa”, informou o jornal O Globo (04/4/06).


 


As denúncias causaram mal-estar até entre os aliados do ex-governador. “Imagine o tamanho do armário para guardar tudo isso”, ironizou o prefeito do Rio de Janeiro, César Maia. Algum tempo antes, o cacique do PFL havia exigido o impeachment do presidente Lula porque a primeira-dama, Maria Letícia, recebera tailleurs de um estilista. “A senhora Lu Alckmin deve prestar todas as informações, pois não foi como pessoa física que ela recebeu tantos regalos”, afirmou César Maia, tentando vender a imagem de coerente. Para se conseqüente, o velho golpista deveria ter pedido a cassação do registro da candidatura Alckmin.


 


Verbas de publicidade para aliados


 


No mesmo período, talvez devido à encarniçada disputa no ninho tucano entre os presidenciáveis Serra e Alckmin, outro escândalo trincou a blindagem forjada pela mídia para proteger o ex-governador paulista. Vieram finalmente à tona as denúncias do uso político de verbas publicitárias do banco Nossa Caixa, da Companhia de Transmissão de Energia Elétrica Paulista (CTEEP) e da Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp). No caso da CTEEP, um anúncio de R$ 60 mil serviu para bancar a revista Chan Tao, da Associação de Medicina Tradicional Chinesa, presidida por Jou Jia, acupunturista de Alckmin.


 


Em janeiro passado, ao encaminhar o pedido de publicidade à CTEEP, a associação informou em ofício que “em contrapartida, o patrocinador terá espaço para matéria de cunho eleitoral”. A edição daquele mês trouxe na capa o ex-governador, que concedeu entrevista exclusiva. Das 48 páginas da revista, Alckmin apareceu em nove, em fotos ou entrevistas. Além disso, na página 10 há uma resenha do livro “Seis lições de solidariedade”, bajulando a ex-primeira dama, escrita pelo secretário de Educação, Gabriel Chalita. Já na edição de abril, o patrocínio publicitário foi da Sabesp, que preferiu não divulgar o valor do anúncio.


 


Pimenta nos outros é refresco


 


Tão “ético” contra os adversários, na ocasião o ex-governador foi afável: “Não vejo problema nisso. A entidade é parceira do governo. É uma publicação que trata de temas de saúde”, afirmou, candidamente. O Ministério Público de São Paulo, porém, não teve a mesma singela interpretação e abriu cinco frentes de investigação contra o governo estadual no início de abril. Além das já citadas, solicitou a apuração dos contratos de informatização da Nossa Caixa e da suposta aquisição em duplicidade por parte deste banco de 500 fornos a gás – por R$ 400 mil – para doação ao programa de padarias artesanais que Lu Alckmin criou ao presidir o Fundo de Solidariedade do Estado de São Paulo.


 


Na seqüência, porém, as apurações ficaram estagnadas na justiça paulista, que há muito é acusada de ser controlada pelo ex-governador e de sofrer influências do Opus Dei. Com maioria folgada na Assembléia Legislativa e utilizando uma portaria dos tempos de ditadura que dificulta a instalação de CPIs, Alckmin também foi poupado nesta casa. Já a mídia simplesmente esqueceu o assunto. Blindado pela mídia e pelos poderes Legislativo e Judiciário, o candidato Geraldo Alckmin agora se sente leve e soltou para posar de paladino da ética. “Vou varrer a praga da corrupção”, costuma esbravejar o impune presidenciável.


 


Escândalo da mídia venal


 


A mesma mídia venal que abafou as graves denúncias contra o candidato da direita neoliberal aprontou mais uma hoje, dia 13. Criticou duramente um texto publicado no boletim eletrônico da campanha Lula, que diz corretamente que Geraldo Alckmin não tem moral para falar em ética. “Afinal, alguém poderia perguntar se ele sabia que sua filha era funcionária de uma empresa acusada de contrabando, a Daslu, ou se tinha conhecimento que sua esposa ganhou de presente 400 vestidinhos chiques?”, afirma o texto. Para os articulistas da mídia hegemônica, atacar a família de Geraldo Alckmin seria “uma baixaria”.


 


Ela só esqueceu de acessar alguns sites ligados ao PSDB e ao PFL, que promovem “baixarias” o tempo todo e nunca foram advertidos. No próprio site oficial da campanha Alckmin há um link intitulado “Eu não sei de nada”, que apresenta várias acusações sem provas contra o presidente Lula. Já na página do PSDB, líderes tucanos destilam veneno diariamente. Num dos artigos, o senador Antero Paes de Barros, que é acusado de envolvimento com a máfia do Mato Grosso, pede a quebra de sigilo bancário de Fábio Luiz, filho do presidente, acusando-o levianamente de enriquecimento ilícito. O pior surge nos portais tucanos enrustidos, como o E-Agora, que não vacila em publicar artigos nitidamente preconceituosos.


 


No caso do texto editado no site da campanha Lula, ele nem sequer atacou moralmente a filha e a mulher de Alckmin. Simplesmente relembrou que a primeira exercia cargo de chefia numa loja incriminada por contrabando e que até participou de reuniões na Secretaria Estadual da Fazenda; já a segunda ganhou de presente peças de alta costura, o que pode caracterizar crime de improbidade administrativa. Infelizmente, alguns dirigentes da campanha de Lula logo se apressaram em pedir “desculpas”, talvez ainda iludidos com o papel da mídia e esperançosos por uma “relação civilizada” com a direita neoliberal. Tais ilusões custaram caro ao primeiro mandato do presidente Lula. Já deveriam ter servido de lição para o futuro.


 


* Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro As Encruzilhadas do Sindicalismo (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição)


 


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