Miguel Arraes e “A Batalha de Argel” – um comentário

O crítico de cinema Luiz Zanin, de O Estado de S. Paulo, tornou público um e-mail que recebeu de seu amigo Aurélio Vianna. A mensagem recorda um comentário do saudoso político Miguel Arraes, três vezes governador de Pernambuco, sobre a Argélia

A MENSAGEM


 



Caro Zanin, espero que você esteja bem.


 


Hoje fiquei lendo o que apareceu na internet sobre A Batalha de Argel, pois gosto muito do filme e queria saber mais sobre seu diretor.


 


Encontrei seus textos e lembrei-me de uma conversa com o saudoso Dr. Miguel Arraes, com quem tive a honra de trabalhar por pouco mais de dois anos… Dr. Arraes adorava a Argélia e a história da Argélia…


 


Conversávamos sempre sobre o período em que ele esteve exilado em Argel. Durante uma dessas conversas, Dr. Arraes contou-me que estava em Argel quando da filmagem de A Batalha de Argel (1965) quando soube – ou presenciou? – o seguinte: Durante a filmagem (realista) da ação de repressão dos franceses à resistência, o diretor precisou que tanques de guerra cercassem o Palácio de Governo… o que foi feito. Concomitantemente à filmagem, ocorria um golpe de estado contra o famoso presidente argelino Ben Bella (1963-65).


 


O militar golpista – Cel. Houari Boumédienne (ex) aliado de Bella na FLN – entrou no Palácio e, aproveitando ''mobilização de tropas – tanques'' decorrentes da filmagem ameaçou a guarda presidencial: ''o Palácio está cercado, podem ver pela janela os tanques nas ruas, rendam-se para não haver derramamento de sangue''. Os tanques ''cenográficos'' realmente estavam nas ruas e parecem ter tido um efeito político-militar imediato. O Golpe de Estado foi um sucesso,o presidente Bella foi deposto e esta ficção cinematográfica quase documental parece ter se misturado à realidade também de outra maneira…


 


Infelizmente, não tive oportunidade de voltar a esse assunto com Dr. Arraes,mas sempre que tenho oportunidade procuro verificar quanto desta história tão interessante e contada com tanta inteligência guarda de realidade Histórica…


 


COMENTÁRIO DE LUIZ ZANIN


 



Como diziam meus ancestrais italianos, ''si non è vero é ben trovato''. Mesmo se não for verdadeira, a história é ótima. E um filme também se faz da mitologia que se cria em torno dele.


 


Há outras histórias, estas documentadas, sobre Batalha de Argel. Uma delas: o realismo do trabalho de combate aos guerrilheiros (inclusive as torturas mostradas) era tanto que a CIA usava o filme em suas aulas para instruir os agentes sobre a melhor maneira de lutar contra subversivos. A vida imita a arte. E vice-versa.