La Jornada: A Coréia do Norte e a ambigüidade da ONU

O Conselho de Segurança da ONU aprovou no último sábado (14/10) a Resolução 1718/2006, que impõe duras sanções econômicas, comerciais e militares à República Popular Democrática da Coréia (RPDC), por causa de seu suposto teste nuclear realizado na segunda

O castigo imposto pelas potências nucleares, nações que monopolizaram a tecnologia atómica para fins bélicos e ocupam os postos de maior importância no conselho, põe em evidência a hipocrisia que prevaleceu nesta crise.


 


Não é gratuito que o embaixador norte-coreano nas Nações Unidas, Pak Gil Yon, acuse o Conselho de Segurança de ter “duas caras”: por um lado, “não é capaz de mencionar uma palavra de inquietação em relação aos Estados Unidos”, por outro, permite que este país ameace “com ataques nucleares preventivos e agrave as tensões reforçando as tropas armadas e realizando exercícios militares conjuntos em grande escala próximo à península coreana”.


 


O diplomata norte-coreano tem argumentos de sobra para acusar de hipocrisia os membros do conselho: os Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido juntos realizaram no mínimo 2 mil detonações nucleares, na superfície ou subterrâneas, com o silêncio e inclusive com a cumplicidade da ONU.


 


Outros países foram tolerados por razões geoestratégicas, como a Índia, o Paquistão e Israel. Diante desse panorama, que nação tem qualidade moral para decidir quem tem direito a possuir ou não esta tecnologia?


 


Basta assinalar os Estados Unidos e o Reino Unido, cuja moralidade e civilidade supostamente garantem um bom uso dessas armas. A guerra contra o terrorismo empreendida por Washington há pouco menos de cinco anos deixou uma longa esteira de violações dos direitos humanos. E o Conselho de Segurança não atuou de forma conseqüente, indo no sentido contrário da própria Carta da ONU, que reprova invasões unilaterais como a do Iraque. Tem Washington o direito de decidir quem usa ou não a energia atômica?


 


Entretanto, os representantes estadunidenses nas Nações Unidas parecem atuar como se assim acreditassem. A resolução contra a RPDC não só contempla as sanções típicas: prevê também restrições derivadas da legislação anti-terrorista impulsionada por George W. Bush desde os ataque de 2001. A iniciativa Proliferação Segura, aprovada em 2003, estimula os países a proibir a compra e venda de armas à Coreia do Norte, Irã e outros países considerados perigosos pela Casa Branca, e inspirou uma disposição de que todos os países inspecionem a mercadoria que sai ou entra naquele país asiático.


 


Apesar da China ter dito ao conselho que permitiria que a disposição fosse adotada, mas que não a aprovava, esta manobra mostra o desplante estadunidense nesta crise. Por um lado, promove as sanções mais duras à Coreia do Norte, propondo inclusive o uso da força. Por outro, limita a margem de manobra para eventuais aproximações. Felizmente a China e a Rússia impediram ou suavizaram diferentes aspectos da sanção, como a menção de uma possível utilização da força para solucionar esta crise. “A China exorta firmemente os países interessados a adoptar uma atitude prudente e responsável a respeito, e a abster-se de tomar medidas provocatórias que possam intensificar as tensões”, disse o embaixador de Pequim na ONU, Wang Guangya.


 


Contudo, o caminho seguido pela comunidade internacional, encabeçada por Washington, está longe da prudência e da moral. Por um lado é incapaz de medir com a mesma vara situações semelhantes: o que é mais perigoso, os Estados Unidos com centenas de ogivas nucleares, ou a RPDC? Por outro, e capaz de condenar milhões de pessoas à miséria mais espantosa só para castigar um país que assume o seu direito à tecnologia de ponta.