Lula manda recados em entrevistas

De um lado, espantar as especulações em torno da substituição do ministro da Fazenda. De outro, cobrar mudanças rápidas na direção do PT, para facilitar a composição do governo com uma coalizão mais sólida. Os dois movimentos indicados pelo presidente Lul

No recado para o mercado financeiro, o presidente não foi muito convincente sobre a futura permanência de Guido Mantega no Ministério da Fazenda no segundo mandato. Mas a mensagem era outra: reafirmar que quem manda na condução da economia é ele e que o rumo será o mesmo que já havia definido desde o ano passado, soltar as amarras do crescimento mais acelerado até o limite que não comprometa a estabilidade. Esta ressalva, o “mercado” já entendeu, e trabalha com ela na estratégia de chantagear o governo permanentemente para manter a alta lucratividade da rolagem da dívida pública.

Foi o que aconteceu nesta segunda-feira (30), quando, depois de meses de calmaria durante a campanha eleitoral, houve um movimento especulativo por conta de uma declaração do ministro das Relações Institucionais, Tarso Genro, considerada infeliz ou, no mínimo, extemporânea, por alguns integrantes do governo e pelo próprio presidente. Declarar o fim da “Era Palocci” pode ser pretexto para especulação do mercado e assustar quem está seriamente comprometido com a estabilidade, mas é uma demarcação de terreno importante para renovar as esperanças do eleitorado de esquerda. É nesse sentido que o movimento se confunde com a sucessão antecipada do presidente.

Tarso deu vazão a um sentimento compartilhado por grande parte do governo. O de que a “Era Palocci” foi a continuidade de um governo subserviente aos interesses do mercado financeiro e detrimento dos interesses mais gerais da sociedade. Percebendo que está em campo uma nova disputa no interior do governo entre moderados e progressistas, o ministro saiu delimitando seu campo. Que é também o campo da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, do próprio ministro da Fazenda, Guido Mantega, e do ministro do Trabalho, Luiz Marinho, entre outros. Portanto, foi uma defesa da permanência de Mantega no Ministério da Fazenda e precisou ser feita porque os saudosos da “Era Palocci” já estão em campo para tentar substituí-lo por alguém mais dócil ao mercado.

Esse é o jogo que está sendo jogado, no momento, e talvez seja o mais importante deste período de reformação do governo Lula. Aparentemente, todos falam a mesma língua quando se referem aos grandes objetivos do segundo mandato, que o presidente interino do PT e coordenador-geral da parte final da campanha de reeleição, Marco Aurélio Garcia, sintetizou na entrevista concedida à imprensa de Brasília nesta segunda-feira (30) como: iniciar um ciclo de crescimento mais acelerado e fazer uma reforma política para fortalecer a democracia. No entanto, a forma de condução desses objetivos e as pessoas escolhidas para orientá-los farão a diferença no cenário de sucessão.

No recado para o mercado político, o presidente também não foi muito claro, mas dá para entender o que pretende com a ajuda de Marco Aurélio. O presidente interino do PT disse que está sendo negociada a antecipação do congresso nacional do partido do segundo para o primeiro semestre do ano que vem. De acordo com ele, a idéia é fazer uma reflexão mais profunda sobre três questões: 1) qual deverá ser a agenda do partido para o período pós-reeleição do presidente Lula; 2) qual deverá ser a relação entre o partido e o governo no segundo mandato; 3) qual o significado de ser um partido de esquerda neste momento e como deverá ser a relação do PT com outros partidos de esquerda no mundo.

No terceiro segmento da pauta de discussão, Marco Aurélio inclui a reflexão sobre as mazelas internas que abateram o partido desde o escândalo do Mensalão. Ele pretende propor também a formação de uma frente de atuação política mais ampla para dar sustentação ao governo Lula. Seria a construção de mecanismos mais sólidos e duradouros de aliança com partidos com os quais o PT tem mais afinidade. Um primeiro esboço teria como referência os partidos que formaram a aliança para a reeleição do presidente. De acordo com Marco Aurélio, essa Frente poderia ter uma “geometria variável”. “Uma Frente de Esquerda poderia se articular com uma Frente mais ampla”, explicou.

O que está subentendido nessa proposta de pauta para o congresso do PT é uma grande disputa para dar à direção da legenda uma feição mais próxima ao resultado da eleição. O partido ganhou mais peso político nas Regiões Norte e Nordeste, mas continua com força em outras regiões. No entanto, ainda está muito impregnado por uma burocracia de dirigentes sem votos ou com pouca expressão nacional ou regional. A intenção é reforçar a direção nacional com quadros fortes. Governadores, ex-governadores, prefeitos e ex-prefeitos de capitais e cidades importantes. “A direção do PT deve refletir a situação geográfica mais ampla. Isso é normal e desejável”, disse Marco Aurélio, reforçando o que o presidente Lula definiu como ter uma “direção forte para o PT”.

É nessa reformulação que o partido esboçará uma proposta para apresentar à sociedade, passando sua imagem a limpo e colocando em evidência seus melhores quadros, delimitando o campo sucessório no PT e estabelecendo o padrão de entrosamento com os demais partidos da aliança governista. Deixar em aberto a disputa interna no PT por muito tempo aumenta a dificuldade de composição da aliança governista, pois pode criar embaraços para a partilha do governo com os partidos aliados. A demora nas definições também pode fragilizar o partido, deixando-o vulnerável em um momento que precisa de comando e perspectiva de poder.