Após 30 anos, comandante do Doi-Codi vai a julgamento por tortura
Será julgado pelo crime de tortura, nesta quarta-feira (8) em São Paulo, o coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, conhecido como comandante Tibiriçá, que comandou o Doi-Codi de 1970 a 1974. É a primeira vez que um acusado de tortura no Brasil é levado
Publicado 08/11/2006 17:03
No período em que ele esteve no Doi-Codi – órgão ligado ao Exército, que congregava naquela época membros das polícias civis federais e estaduais, das polícias militares e do Exército- foram relatados 502 casos de tortura.
Ele será levado a julgamento por um processo movido pela família Teles, que teve pai, mãe, duas crianças (de 4 e 5 anos) e uma tia torturados no órgão. Ustra escreveu um livro, “A verdade Sufocada”, no qual se defende e nega acusações de tortura.
Em maio passado, depois de o livro ter sido comentado em coluna do jornal Folha de S.Paulo pela jornalista Mônica Bergamo, Edson Teles enviou uma carta, publicada pelo Observatório da Imprensa, onde fez o seguinte relato:
“Fui preso, aos 4 anos de idade, em minha casa.
Assistia ao Vila Sésamo, programa infantil de qualidade rara se comparado aos dias atuais. Fui interrompido pelos agentes do Sr. Ustra, diga-se do Doi-Codi, que à nossa casa invadiram com suas metralhadoras e palavras ofensivas.
Estávamos eu, minha irmã de 5 anos e minha tia, grávida de 8 meses. Colocaram-nos no camburão e nos levaram ao “escritório” deste cidadão que hoje tem endereço, salário do Estado e dá-se ao ato provocativo de escrever livros versando sobre parte das mais horríveis na história do Brasil.
Lembro-me, ainda no camburão, de ter brincado com uma daquelas armas que, por pura incompetência, haviam deixado ao meu lado e eles “caindo em cima” para tentar arrancá-la de mim, como se eu fosse O Terrorista.
Nas dependências deste então órgão público/estatal pude ver minha mãe e meu pai em tortura.
Após ser assim recebido pelo Ustra (ele em pessoa, não é uma entidade, uma alucinação, é este homem que hoje se diz vítima), fui levado a um lugar onde, através de uma janelinha, a voz materna, que meus ouvidos estavam acostumados a escutar, me chamava. Porém, quando eu olhava, não podia reconhecer aquele rosto verde/arroxeado/ensangüentado pelas torturas que o oficial do Exército brasileiro, Carlos Alberto Brilhante Ustra, havia infligido à minha mãe. Era ela, mas eu não a reconhecia.
Esta cena eu não esqueço, não porque arquiteto uma vingança imaginária contra o Ustra. Ela não é uma informação da qual disponho, mas uma marca que talvez só por meio da terapia de meu depoimento público possa acalmar, deslocar para espaços periféricos de minha memória.
Reitero meu desejo de vê-lo, o torturador Ustra, no banco dos réus respondendo por seus crimes. Se assim for permitido, serei a primeira testemunha de acusação”.
Fonte: Gazeta do Povo Online