Organização e criatividade impulsionam Levante do Busão em SP

Por André Cintra


Dois mil estudantes devem participar do Levante do Busão, que seguirá do vão livre do Masp até a Prefeitura de São Paulo, na manhã nesta terça-feira (28/11). A manifestação, chamada pelas principais entidades estudantis, tem po

Sua principal razão é evitar uma ''alta conjunta'' nas tarifas do transporte coletivo de São Paulo. Gilberto Kassab, prefeito paulistano, elevou a tarifa de ônibus de R$ 2 para R$ 2,30. De forma quase simultânea, o governador do estado, Cláudio Lembo, aumentou as passagens do trem da CPTM e do metrô – que passam de R$ 2,10 para R$ 2,30 também.


 


As duas medidas devem entrar na próxima quinta-feira. Todos os reajustes excedem, inexplicavelmente, a inflação acumulada desde os aumentos anterior, como revela a tabela abaixo.


 



Tabela elaborada pela CUT-SP; Fonte: IPCA
** Último reajuste do Metrô: janeiro de 2005
*** Último reajuste do Ônibus: março de 2005


 


Os próximos passos
Já em sua concepção, o Levante do Busão apresenta um trunfo: a participação associada das entidades estudantis (UNE, Ubes, Upes e UEE-SP). O movimento também conseguiu a adesão do Sindicato dos Metroviários e da CUT-SP, que vão participar do apitaço em frente à sede da Prefeitura – ato mais emblemático do levante.


 


O que as entidades reivindicam, para esta terça-feira, é uma audiência com o próprio Kassab. Em 23 de novembro – primeiro dia de grande mobilização estudantil contra os reajustes -, os estudantes organizaram uma comissão com esse mesmo propósito. Mas o prefeito, além de ter enviado apenas um assessor à porta da Prefeitura, liberou a repressão policial, à base de cassetetes e gás de pimenta.


 


Também haverá medidas jurídicas contra o aumento das tarifas. As entidades vão recorrer a uma representação junto ao Ministério Público e a uma Ação Civil Pública no Tribunal de Justiça. O objetivo da ação é obter uma liminar que suspenda os reajustes. Tanto a Prefeitura quanto o governo tentam omitir as planilhas que justifiquem aumentos acima da inflação. A única coisa que as duas administrações já conseguiram foi ratificar o descaso da direita com o transporte coletivo – e, por extensão, com o povo.


 


Esquerda e direita, modelos opostos
Cabe uma rápida comparação entre modelos para a área de Transportes. A ex-prefeita Marta Suplicy (2001-2004) renovou mais da metade (quase 9 mil ônibus) da frota municipal, criou o Bilhete Único e construiu mais de 100 quilômetros de corredores exclusivos para ônibus.


O Bilhete Único permitia que todo cidadão pagasse apenas uma tarifa de ônibus num período de duas horas, independentemente de quantas viagens fizesse. A medida diminuiu a despesa dos passageiros e ainda atraiu mais gente para o transporte coletivo. Segundo o jornalista Elio Gaspari, ''em 2003, 100 mil pessoas faziam a pé, todos os dias, percursos de mais de uma hora de duração''.


 


Com os tucanos José Serra na Prefeitura e Geraldo Alckmin no governo, a missão foi tirar o máximo de descontos e vantagens da população. No começo de 2005, para estender o Bilhete Único ao metrô, Serra aumentou a tarifa de ônibus de R$ 1,70 para R$ 2. Semanas antes, a passagem do metrô já havia chegado a R$ 2,10. Os reajustes limitaram ao máximo o desconto que o Bilhete Único proporcionaria aos usuários. Por causa de Serra, os portadores do bilhete só podem fazer quatro viagens de ônibus em duas horas – o uso era ilimitado na gestão Marta.


 


Menos benefícios
Alckmin também suspendeu o bilhete para duas viagens de metrô, que dava desconto de R$ 0,10. E diminuiu – de R$ 2 para R$ 1 – a vantagem de quem comparava bilhete para dez viagens. Mais do que criar impostos, taxas e tarifas, os partidos conservadores se especializaram em cortar vantagens no transporte público de São Paulo.


 


O passageiro que chegasse de ônibus a um terminal poderia pegar, de graça, outra condução. Serra simplesmente cortou o benefício. Marta taxou a classe média e a burguesia para beneficiar a população mais carente. Já tucanos e pefelistas inventaram uma fórmula: dar aos pobres tirando… dos pobres. É preciso ter claro que PSDB e PFL deixaram a área de Transporte a serviço da fúria arrecadatória.


 


Para dobrar esse modelo impopular de gestão, as entidades precisam sensibilizar a população de São Paulo. O desafio não é só deter as administrações de PSDB e PFL. Diversos setores da sociedade estão sendo contaminados com uma profusão de informações desencontradas. A mídia e uma certa Frente de Luta contra o Aumento tentam dividir o movimento com discursos falaciosos.


 


Quem é quem?
Parte do noticiário ''informa'' que a frente é uma articulação apartidária. Não é verdade. Um pouco mais sincera foi a definição que o grupo se deu: ''coalizão convocada pelo Movimento Passe Livre de São Paulo (MPL-SP) composta por organizações estudantis, grupos de jovens e movimentos sociais''. Quem acompanha de perto o movimento estudantil sabe que, por trás da frente e da MPL, estão militantes do PSTU e do PSOL.


 


No último dia 24, cerca de 300 integrantes da tal frente invadiram o Terminal Parque Dom Pedro 2º e arrombaram nove ônibus. Vinte estudantes se deitaram à saída do terminal, impedindo o fluxo de veículos. Em pouco tempo, instalou-se o confronto: a frente munida de paus e pedras; a Polícia Militar com gás lacrimogêneo, bombas de efeito moral e armas de bala de borracha. Dois manifestantes foram presos, e inúmeras pessoas saíram feridas.


 


O Levante do Busão rejeita essa tática, procurando atuar de forma pacífica e criativa. Na passeata desta terça-feira, por exemplo, os estudantes levarão spray de espuma para responder a um eventual gás de pimenta. Se os policias derem tiros de borracha, as entidades soltarão confetes.


 


Cuidados com a mídia
Mesmo que haja diferenças entre a mobilização da frente e o levante, a mídia dá a entender que o movimento é um só. Muitas vezes, a informação enganosa e generalista prevalece – ''uma manifestação estudantil terminou em confusão''. A falta de precisão dificulta as negociações com a Prefeitura e o governo, e arepercussão dos incidentes no Terminal Parque Dom Pedro 2º é um alerta contra a da mídia.


 


A Folha de S.Paulo divulgou que ''nem os radicais PSTU e PSOL estavam representados na passeata e invasão do terminal de ônibus''. Se militantes desses partidos integram a frente, a representação existe. Outro veículo a confundir seus leitores foi o Estadão, ontem, quando noticiou o Levante do Busão: “Depois do confronto (…) no Terminal D. Pedro II, no Centro de São Paulo, os estudantes prometem outra manifestação na terça-feira”.


 


Mais abaixo, ao narrar a reunião que deliberou o levante, a matéria expõe sua ingenuidade: “A manifestação (…) no Parque Dom Pedro II (…) não foi comentada durante a assembléia”. Os autores do texto não pararam para desconfiar que os eventos estavam dissociados. É de estranhar que Folha e Estadão tenham dado a barriga de forma tão grosseira. No primeiro minuto do dia 25, a Frente de Luta Contra o Aumento já tinha divulgado até matéria sobre o ato no site da CMI Brasil.


 


A frente tem clara identidade. Seu engajamento, por sinal, não é contra o aumento – o grupo defende o fim da tarifa no transporte público. Ao omitir tudo isso da população, a mídia inviabiliza a justa compreensão dos fatos. Além de organização e criatividade, o Levante do Busão precisa deixar claras suas formas de atuação. A passeata do Masp à Prefeitura é uma boa oportunidade de se fazer entender essa luta.


 


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