Crise da Mídia: Alternativa está na TV e Rádio Públicas
O pesquisador do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da UnB (Universidade de Brasília), Venício de Lima, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim, que a saída para a crise da mídia no Brasil passa pela construção de emissoras públicas de r
Publicado 14/12/2006 17:36 | Editado 04/03/2020 17:12
“É fundamental que se crie um sistema público que possa oferecer uma comunicação de qualidade como alternativa ao sistema comercial privado”, explica o autor do livro “Mídia: crise política e poder no Brasil” (editora Perseu Abramo).
Para Lima, “uma das alternativas, que, aliás, está prevista na Constituição de 1988, é um equilíbrio entre os diferentes sistemas – sobretudo de rádio difusão –, um equilíbrio entre o sistema privado, público e estatal”. “Não há muita esperança com relação à mídia privada comercial que se consolidou no Brasil”, resume o pesquisador.
Venício de Lima disse também estar “convencido” da importância da internet como alternativa às emissoras comerciais. No entanto, ele prefere “não supervalorizar essa importância” da internet no Brasil porque não há muitos computadores com acesso à rede.
Venício de Lima criticou ainda o papel dos jornais impressos no país. “A mídia impressa no Brasil é uma mídia de elite porque a elite é a fonte, o protagonista e o leitor dessas notícias, então isso exclui do espaço público uma parcela enorme”, afirmou Lima.
Leia a íntegra da entrevista com o sociólogo Venício de Lima:
Paulo Henrique Amorim: Eu vou conversar agora com o professor Venício de Lima, que é sociólogo e pesquisador de mídia e comunicação na Universidade de Brasília, UnB. Ele acaba de lançar pela editora Perseu Abramo o livro “Mídia: crise política e poder no Brasil”. Professor, o senhor vai bem?
Venício de Lima: Tudo bom, Paulo.
Paulo Henrique Amorim: Professor, acabei de ler sua entrevista na Carta Capital, essa nossa entrevista aqui no site Conversa Afiada terá um link, uma ligação com o texto da Carta Capital, portanto, eu gostaria de ir além dessa entrevista muito bem feita pela Ana Paula Sousa. A minha pergunta básica seria o seguinte, professor, diante desse quadro da mídia que o senhor descreve tão bem nessa entrevista, e acredito que também no livro, qual é o desdobramento, qual é a alternativa, o que se pode esperar para o futuro da mídia no Brasil?
Venício de Lima: Pois é, veja só, já há algum tempo eu tenho insistido de que não há muita esperança com relação à mídia privada comercial que historicamente se consolidou no Brasil. Eu acho que uma das alternativas, que, aliás, está prevista na Constituição de 1988, é um equilíbrio entre os diferentes sistemas – sobretudo de rádio difusão –, um equilíbrio entre o sistema privado, público e estatal. Nesse sentido, me parece absolutamente fundamental que se crie um sistema público que possa oferecer uma comunicação de qualidade como alternativa ao sistema comercial privado. Eu acho que a saída é na construção de alternativa, sabe. Alternativa pública.
Paulo Henrique Amorim: O senhor fala de rádio e televisão, dos dois, ou mais o rádio e televisão?
Venício de Lima: Eu falo dos dois. Porque a Constituição estabelece como princípio essa complementariedade dos sistemas em relação à radiodifusão. Estou pensando nos dois.
Paulo Henrique Amorim: Há uma série de obstáculos para isso, evidentemente, isso sem falar no obstáculo financeiro. Eu trabalhei na TV Cultura aqui de São Paulo, a fundação Padre Anchieta, e os equipamentos estavam e talvez estejam em situação lastimável, enfim, decadentes e canibalizados e tal. Antes disso, eu falo da questão política: o senhor acredita que o governo Lula, o presidente Lula, o ministro Hélio Costa, tenham condições de chegar para a sociedade e dizer: “olha, nós não estamos satisfeitos com essa distribuição de poder e nós vamos criar uma alternativa. E para isso vamos mandar para o Congresso uma lei estabelecendo uma dotação orçamentária de tanto para criar uma rede educativa forte”. O senhor imagina isso?
Venício de Lima: Em relação ao ministro, claro que eu não imagino. Mas em relação ao presidente Lula…
Paulo Henrique Amorim: O que o senhor não acredita em relação ao ministro?
Venício de Lima: Olha, não imagino porque, aliás, como eu digo na entrevista, eu tenho a impressão de que o ministro Hélio Costa chegou ao ministério – claro, ele é senador licenciado, de um Estado importante, de um partido importante –, mas eu não tenho dúvida de que pesou na escolha dele o fato de ele ser e não esconder o fato de ser um representante dos interesses dos grupos dominantes na área de radiodifusão. Todo mundo sabe, você sabe melhor do que eu, ele é um ex-funcionário das Organizações Globo…
Paulo Henrique Amorim: Mas eu também sou e falo mal da Globo, professor.
Venício de Lima: Por isso que você é diferente dele! Mas ele tem, enfim, eu não estou falando nenhuma novidade, ele tem se expressado inúmeras vezes, defendendo posições coincidentes com os interesses desse grupo, isso não é segredo para ninguém. Então, por parte dele, eu não acredito que isso vá acontecer, mas eu também não sei se ele vai continuar ministro. Agora, por parte do presidente, o presidente tem dado indicações. No debate da Band, você deve se lembrar, ele respondeu a uma pergunta do Bob Fernandes, que agora está no Terra Magazine, e nessa resposta, pela primeira vez, até onde eu sei, ele deu mostras de estar preocupado com, enfim, com a situação, sobretudo que existe em várias regiões brasileiras, decorrentes da possibilidade propriedade cruzada, quer dizer, o mesmo grupo controla praticamente todas as formas de comunicação pública. E as indicações que eu obtenho de pessoas próximas ao Palácio do Planalto é de que o presidente da República estaria interessado em colocar a força do governo a favor da consolidação de um sistema alternativo de mídia pública. Eu tomo inclusive como um indicador disso a iniciativa do Ministério da Cultura, que está em andamento de realização desse primeiro Fórum Nacional de Tvs Pública, isso o ministro Gil anunciou em setembro, num encontro aí em São Paulo, já se produziu um documento, que é um documento, até onde eu sei, inédito sobre as TVs públicas e agora, essa semana, está começando a funcionar aqui em Brasília, estão começando a funcionar vários GPs por setoriais, que vão discutir em preparação a esse fórum que deverá discutir vários temas em preparação ao fórum, que deve se realizar em fevereiro. Então eu tomo isso como uma indicação de que daí poderá se tirar alguma coisa que encaminhe no sentido dessa consolidação de um sistema público.
Paulo Henrique Amorim: O senhor não acredita – eu vi pela entrevista que o senhor deu a Ana Paula –, o senhor não tem muita esperança, pelo menos no curto prazo, na disseminação de informação, de informação não-homogênea, através da internet, da massificação do computador, da banda larga?
Venício de Lima: Veja só, eu estou convencido da importância disso. Estou absolutamente convencido. Até já falei publicamente, já inclusive escrevi no Observatório da Imprensa, que nessas últimas eleições, em alguns momentos-chave, eu acredito que a internet, os sites, os blogs, tiveram um papel muito importante. A observação que eu faço é que a gente não deve, eu acho que muitas vezes se corre o risco – e eu não quero correr esse risco pessoalmente – de supervalorizar essa importância. Por que? Por que quando você analisa os dados que estão disponíveis sobre domicílios com computador, domicílios que têm computador com acesso a internet, os números ainda são muito acanhados para o conjunto da população brasileira. Isso não significa – e em alguns casos acho que isso aconteceu – que mesmo sendo, tendo um alcance reduzido do número de domicílios e de pessoas, comparado ao total da população, esse efeito não possa se reproduzir, se espalhar inclusive de outras formas, como eu acredito que tenha acontecido. A observação que eu faço, eu uso até uma comparação com uma observação que eu acho absolutamente apropriada, que o Bernardo kucinski faz com relação à mídia impressa, porque ele fala e eu acho com propriedade que a mídia impressa no Brasil é uma mídia de elite porque a elite é a fonte, é o protagonista e é o leitor dessas notícias, então isso exclui do espaço público, da dimensão escrita do espaço público uma parcela enorme. E eu acho que isso ocorre também com a internet. Essa é a observação que eu faço.
Paulo Henrique Amorim: Eu gostaria de continuar a discutir esse assunto com o senhor e vou recomendar que o senhor dê uma olhada aí no nosso site, no Conversa Afiada. No sábado, eu e o Caio Túlio Costa participamos de um seminário muito interessante lá na Casper Líbero, aqui em São Paulo, em que discutimos a questão da internet e eu, por exemplo, defendo a tese – e gostaria que depois o senhor comentasse comigo, evidentemente uma provocação jornalística – que a democratização da mídia vai ser feita nas Casas Bahia.
Venício de Lima: Eu vou ver!
Paulo Henrique Amorim: E eu imaginei cobrir um evento luddista no auditório nobre da Fiesp, debaixo do busto do conde Matarazzo, em que o Otávio Frias Filho, o João Roberto Marinho, o Rui Mesquita e o Roberto Civita vão fazer uma enorme fogueira para queimar o computador de US$ 100 do Nicholas Negroponte.
Venício de Lima: Ainda é um laptop!
Paulo Henrique Amorim: É um laptop. Podemos mais tarde conversar sobre isso.
Venício de Lima: Vou dar uma olhada.
Paulo Henrique Amorim: Eu, de meu lado, a minha experiência pessoal, eu já conversei sobre isso com o meu amigo Eugênio Bucci, a minha experiência na TV Cultura aqui de São Paulo, a mais equipada das TVs públicas até onde eu sei, é uma experiência dura, professor.
Venício de Lima: Eu sei disso… Eu sei disso e espero que o dinheiro público que tem sido historicamente canalizado para a mídia privada possa ser também canalizado para apoiar a mídia pública, não só em termos de publicidade, mas em termos de financiamento, isenção fiscal. Os vários tipos que historicamente têm até mantido mesmo a mídia privada.
Paulo Henrique Amorim: E fora o aspecto político que é o controle que os governadores de Estado têm sobre a TV pública.
Venício de Lima: É isso é uma questão importante. Você deve ter discutido isso, eu vi a notícia da sua entrevista com o Eugênio (Bucci), mas eu não li a entrevista. Tenho certeza que isso foi discutido.
Paulo Henrique Amorim: Professor, foi um grande prazer. O seu livro será lido hoje à noite.
Venício de Lima: O prazer foi meu. Muito obrigado.