Ceará: relatos do Século XIX

“Diário de Viagem de Francisco Freire Alemão” traz relatos da missão científica que percorreu as principais cidades do Ceará no Século XIX.

O diário escrito por Francisco Freire Alemão faz observações reveladoras sobre o comportamento social, a paisagem, a alimentação, o vestuário, a fauna, a flora e as efemérides políticas das principais cidades cearenses, no século XIX. Seus relatos são de uma época em que Aracati era uma “cidade muito farta, principalmente de peixe e ovos”, em que “os carnaubais chegavam até a fralda do Apodi”, em que “as meninas, moças e senhoras do Icó se davam pouco ao trabalho”, em que o caminho de Juazeiro ao Crato era “bordado de grande vegetação, havendo à beira do caminho 13 engenhos, às vezes quase juntos”.


 


É uma viagem no tempo. O diário dá conta das inúmeras movimentações havidas no transcurso das cidades, vilas, povoados, serras e vales. “Estende-se em considerações que abordam tanto a variedade das espécies vegetais quanto a índole das gentes do sertão. Prosaico, dedica-se a enumerar e discorrer sobre ambientes de saraus, a sageza dos pobres, a graça e a desenvoltura das moças, a presença cotidiana dos escravos, conversas crepusculares embaladas pela fresca nas calçadas, o desembaraço das crianças, a sonora propriedade da fala popular, a prestimosidade oblíqua e interessada de certos anfitriões”, explica o historiador Antonio Luiz Macêdo Filho, na apresentação do livro.


 


No diário, conforme Macêdo, figuram imagens que, por vezes, induzem a formação de contrastes: a precariedade das estradas, a natureza agreste, a desolação dos povoados, a indigência e indolência das populações, o sol abrasador do meio-dia, a brutalidade dos crimes de sangue; mas também passagens pontilhadas de vazantes propícias ao cultivo, matas copadas e guarnecidas de madeiras valiosas, o frescor do vcnto soprando à noitinha, o gracejo com as moças de família, o alento dos cânticos religiosos e a alegria dos folguedos populares.


 


“Texto cujo impulso decisivo reside na visita a terras pouco conhecidas da ‘intelligentsia’ nacional e, a partir de então perscrutadas com maior sistemática, o diário de viagem de Freire Alemão pode, quando articulado a outras tipologias documentais, subsidiar novos estudos em diversificados campos de investigação, incluindo aqueles aparentemente distantes, como a historiografia literária”, avalia Macêdo. A coleção de manuscritos de Alemão, atualmente pertencente à Biblioteca Nacional, foi adquirida em momentos distintos e, somente em 1913, obteve-se, junto à sua viúva, o material relativo a esta importante expedição científica do tempo do Império.


 


O autor do diário


O médico e naturalista fluminense Francisco Freire Alemão (1797 – 1874) foi incumbido dos trabalhos botânicos. A ele também foi confiada a presidência da comissão, conforme nomeação imperial de março de 1857. Filiado ao IHGB desde 1839 (ano seguinte a sua fundação), ele se notabilizaria por extensa produção escrita, em especial aquela dedicada ao exame, descrição e classificação de novos gêneros e espécies da fauna brasileira.