A esfinge pensa – Mariano Freitas
Há algumas décadas discute-se a ideologia de Lula. Operário revolucionário, infiltrado no movimento sindical pelas centrais dos sindicatos das grandes empresas americanas, são as hipóteses mais opostas e contraditórias que se lançam sobre a figura dest
Publicado 02/01/2007 19:58 | Editado 04/03/2020 16:37
Poderiam os mais “conspiradores” achar que Lula em 89 cumpriu o papel de afastar Brizola do jogo, indo ele mesmo disputar o segundo tempo. Se verdadeira esta astúcia, não já era tempo de indícios reveladores destas manobras de altíssimos riscos virem á tona?* O que objetivamente se registra é que Brizola em 98 aceitou a vice e disputaram juntos a eleição contra fhc. Nos últimos dias, agora que o homem é presidente reeleito, alcançou repercussão inesperada uma fala em que o ator em cena numa reunião de empresários diz que o esperado é que na juventude as pessoas sejam rebeldes, revolucionárias e que depois de 60 anos tornem-se conservadoras.
Aliás, estas palavras são amplamente comprováveis dentro do meio em que convivemos, a grande maioria dos nossos companheiros de juventude desgarram-se do campo socialista, tornam-se “Gran-senhores” serviçais de governos, até mesmo conservadores de Direita ou empregados de empresas capitalistas muito bem sucedidas, quando não montam os seus próprios negócios para também explorar o próximo nosso irmão e ou degradarem os recursos naturais do meio que nos envolve.
Lula ao chegar à militância sindical dispensou as influências dos comunistas, socialistas e trabalhistas orgânicos. Pelo contrário, alardeou sua independência quanto a estes que lutavam com muita dificuldade para se organizarem no espaço dos sindicatos, controlados ostensivamente pela pelegagem oportunista, fortalecida pela repressão truculenta da ditadura e com o conluio dos patrões, obviamente. Renegou tudo o que se fez antes nesta atividade sindical-trabalhista, o que agradou a massa operária das grandes empresas automobilísticas, manipulada contra o sentimento comunista/trabalhista predominante no meio operário antes do golpe. Já aí Lula traduziu em sua representação o pensamento dominante de sua base social. Escolheu como parceiro a Igreja com sua inserção profunda nas comunidades do ABCD paulista e esta se abraçou àquele jovem líder sem ideologia definida e deu-se um enlace perfeito. Lula então assumiu a posição daquela massa que majoritariamente não era de Esquerda, pelo contrário, a Igreja Católica abominava as teses marxistas ou a ideologia laica dos trabalhistas e a ditadura e empresas reprimiam barbaramente estas concepções. O mote principal do líder dos trabalhadores resumia-se a aumento salarial e melhores condições de trabalho. A luta por liberdades democráticas resulta do fato de que sem estas o haveria forma de pressionar os patrões por aquelas reinvidicações. Quem conhece São Paulo sabe que esta concepção política alcança adesão das mais amplas camadas sociais, inclusive nos meios intelectuais universitários que ansiavam por um estandarte não comunista/trabalhista para combaterem os militares… o resto da história é conhecida.
Dois pontos clamam por discussão mais aprofundada: A revolta da mídia porque Lula revela que não tem compromissos com o socialismo e o destempero de alguns esquerdistas com o fato do Presidente não se carimbar como homem de Esquerda.
Uma variante importante para ser colocada dentro do debate são os avanços das concepções anti-neoliberais registradas nos últimos pleitos da América Ibérica, não se excluindo do contexto que o Brasil foi o primeiro país que começou a despeiar-se do cipoal privatizante que sufocava nossos povos e que nos submetia a uma única tutela ideológica. E mais o Governo Brasileiro conduz junto com Argentina e Venezuela a construção de um mercado comum latino-americano, cada dia mais viável para nossas forças produtivas, sem se falar no avanço de políticas sociais desenvolvimentistas. È necessário maior prova de identidade? Esta a razão que exaspera os donos das grandes empresas de comunicação que defendem exatamente o oposto. “Este sacana tá fazendo jogo duplo, pau nele”. É este o berro dentro das redações.
Paulinho da Viola entre tantas composições preciosas que perpetrou diz intrepidamente numa delas: “Pescador não me navega quem me navega é o mar”. É isto.
Em 1989 apertou-se o gatilho da liberdade do voto e depois de quase vinte pleitos, entre eles cinco presidenciais, a cultura do mandonismo, do chefismo dos agenciadores profissionalizados na caça ao eleitor, começa a decair abruptamente (os exemplos são inúmeros em vários os Estados). Some-se o crescimento das possibilidades de organização popular nestes últimos trinta anos e a própria capacidade da Justiça Eleitoral controlar os pleitos, concluímos que pelo menos já atingimos um espaço muito próximo do que se deseja que seja uma democracia política em nosso meio. E na democracia o povo se manifesta, destampa-se o caldeirão das demandas reprimidas, aumenta-se e exarceba-se os direitos pela participação e todos estes córregos, riachos e rios terminam num mar de aspirações que, sabe-se, só serão atendidas dentro de um sistema econômico mais aberto, menos concentrador.
É este mar que navega Lula. Nos próximos meses o oceano deverá ficar muito revolto. O que obrigará a esfinge a tomar decisões mais arriscadas ou não e aí vamos ver como se comporta o mar. Espera-se que a onda democrática que banha todo continente mantenha seu curso vitorioso.
* O tiro no pé do Carlos Lacerda, as mortes de Juscelino e Tancredo nunca foram suficientemente investigadas e tiveram importância decisiva para manterem o curso recente da nossa história.
Fonte: http://marianoaraujofreitas.blog.terra.com.br