Netos de Chaplin se destacam nos palcos franceses

Ela é encantadoramente delicada. Ele, o mais sedutor dos sedutores. Ela é Aurélia Clementine Oona Moorine Hannah Madeleine Thiérrée, nascida em Paris no dia 24/9/71. Ele é James Spencer Henry Edmond Marcel Thiérrée, nascido em Lausanne no dia 2/5/74. Dois

Aurélia é atriz, contorcionista, bailarina e acrobata. James é ator, diretor, acrobata, bailarino, trapezista e violonista. Ambos são possuidores de uma graça única, verdadeira mistura de carisma e inteligência. Superdotados, jovens, bonitos e talentosos, eles despontam como duas das maiores revelações das artes cênicas na França nesse começo de século XXI.



Aurélia Thiérrée apresenta seu Oratório em Paris de 22 de fevereiro a 3 de março, no Théâtre des Abesses, em Montmartre. James Thiérrée, após a consagração com direito a quatro prêmios Molière em 2006, entre os quais melhor diretor e revelação masculina, apresenta sua mais recente criação, Au revoir parapluie (Adeus guarda-chuva), de 16 a 30 de maio no Théâtre de la Ville, no coração de Paris.



Ser revelação em Paris, primeira métropole do espetáculo mundial, com seus 259 teatros do setor público – sem contar as salas de concertos – e seus 156 teatros do setor privado, deixando para trás Londres e Nova Iorque, não é para qualquer um, e por isso, também, Aurélia e James Thiérrée despertam muito mais do que simples curiosidade.



No café-da-manhã, em vez de corns-flakes, pó de pirlimpimpim…
É verdade que eles não foram duas crianças quaisquer. Aurélia e James são frutos de uma bela história de amor, que dura até hoje, diga-se de passagem, entre Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thiérrée.



Victoria é a quarta dos oito filhos de Charles Chaplin com Oona O'Neill. Logo, acrescente-se à àrvore genealógica dos meninos o nome de Eugene O'Neill, pai da dramaturgia americana e Prêmio Nobel de Literatura em 1936, bisavô de Aurélia e James.



Mas eles proíbem e recusam a exploração comercial do seu pedigree. Diz Aurélia: “É realmente mágico ser neta de Charlie Chaplin, mas é também abstrato. Eu tinha quatro anos quando ele morreu. Não tenho muitas lembranças. É por respeito que meu irmão e eu não falamos dele: nossos espetáculos são muito diferentes do que ele fazia. Eu me sentiria mal se usasse seu nome para atrair as pessoas. Ser neta de Carlitos é um belo presente da vida. Eu me contento com isso”.



Criada na Suíça, Victoria Chaplin alimentava o sonho de viver num circo. Seu sonho se tornaria realidade em 1970, quando seu destino cruzou o de Jean-Baptiste Thiérrée. Filho de um torneiro mecânico das usinas Renault, Jean-Baptiste começa como “ponto” (a pessoa que, escondida sob o tablado, soprava as falas dos atores) no teatro da Porte de Saint Martin, em Paris. Como ator ele trabalha ao lado de Federico Fellini, Alain Resnais, Roger Planchon e Peter Brook.



O encontro dos dois marca a criação do Cirque Bonjour, mais tarde Cirque Invisible. Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thiérrée sonham em criar seus filhos no picadeiro e dividir o amor que os une com todos os públicos. Para os precursores do Novo Circo francês, imitado em todo o mundo, o sonho não terminou, afinal, o Cirque Invisible é célebre de Nova Iorque a Pequim, e Aurélia e James, seguindo o caminho traçado pelos pais e pelos avós, estão espalhando sonho e magia pelos palcos do mundo.



Entre 17 de abril e 6 de maio, Victoria Chaplin e Jean-Baptiste Thiérrée instalarão o Cirque Invisible pela primeira vez nos Champs Elysées, no célebre teatro du Rond Point, antigo rinque de patinação que durante anos abrigou a mítica companhia de Jean-Louis Barrault e Madeleine Renaud.



Aurélia Thiérrée: “sinto falta do cheiro dos teatros”
Aurélia Thiérrée aos quatro anos participava como contorcionista de um número de mágica de seu pai e trabalhou com a família até a idade de 14 anos. Depois rebelou-se. Cansou de viver em caravanas, decidiu que queria ir à escola e conviver com gente de sua idade. Casou-se e foi morar sete anos nos Estados Unidos. Sem jamais abandonar o mundo do espetáculo, filma com Milos Forman e, de retorno à Europa, estabelece-se em Londres como assistente de direção dos espetáculos do grupo cult inglês The Tiger Lillies. Mas ela confessa sentir “falta do cheiro dos teatros”, e, para marcar sua volta aos palcos, contará com a ajuda da mãe, que assinará a direção e os figurinos do espetáculo, O Oratório de Aurélia. Oratório? A quem Aurélia dedica suas orações? A resposta é clara: ao mágico mundo do espetáculo, do qual ela é preciosa pérola.


Verdadeira ode de uma mãe à sua filha, inspirado na magia do music-hall e do circo, na exata fronteira do mistério teatral e da fantasia cênica, Oratório apresenta uma Aurélia que brinca com a dança, música, magia, acrobacia e marionetes. Verdadeira lenda tecida de sonhos, a siderar adultos e crianças, O Oratório de Aurélia é um espetáculo poético em que fantasia e imaginação não têm limites.



James Thiérrée: as pessoas têm necessidade de sonhar
James, o caçula da família, trabalhou com os pais de 1978 a 1994. Anos e anos de tournês mundiais, sem esquecer sua formação de ator: Piccolo Teatro de Milano, Harvard Theatre School e CNSAD (Conservatório Nacional Superior de Arte Dramática) de Paris. Em 1989, inicia sua trajetória no cinema – ele confessa sua vontade de dirigir um longa-metragem – e filma com Peter Greenaway, Coline Serreau, Raúl Ruiz, Phillipe Broca e Jean-Pierre Limosin. Seu filme mais recente intitula-se Bye, bye blackbird, dirigido por Robinson Savary, ele também um “enfant de la balle” pois é filho de Jerôme Savary, diretor de teatro franco-argentino.



Em 1998, ele cria sua companhia, La Compagnie du Hanneton (Companhia do Besouro), e com ela os dois espetáculos que o consagram em Paris e Nova Iorque: La symphonie du hanneton (no qual trabalhava o acrobata e capoeirista brasileiro Thiago Martins. Disponível em DVD na FNAC e imperdível, dos três aos 90 anos!) e La Veillée des abysses.



Em 2005, James Thiérréee recebe o primeiro prêmio. Ele chega via ADAMI (Sociedade de gestão dos direitos dos artistas-intérpretes na França), 50.000 euros (cerca de R$ 150 mil reais), uma dotação destinada a favorecer o desenvolvimento e a criação dos novos espetáculos da companhia.



Mas é na noite de entrega do prêmio Molière, o mais importante do teatro francês, em 24 abril de 2006, no teatro Mogador, em Paris, que James Thiérrée será reconhecido por seus pares como a maior promessa das artes cênicas na França. La Symphonie du Hanetton indicado em quatro categorias – melhor espetáculo, direção, revelação masculina e figurinos (assinados por Victoria Chaplin) -, abocanha as quatro estatuetas. Sem graça, quase tímido, ao subir ao palco pela quarta vez, James conquista a platéia e o público que assiste à transmissão ao vivo da festa, pois ao discurso de praxe ele preferiu criar um sketch sobre o indizível, num raro momento de jogo burlesco na linha direta de um Carlitos universal e que, segundo a crítica francesa, foi um “momento de graça que ficará nos anais da história do prêmio Molière”.



Les Thiérrée-Chaplin são conhecidos na França como “la famille des enchanteurs” (“a família dos encantadores”, ou mágicos, feiticeiros) e não por acaso acredito, desde que vi Aurélia e James no palco, que, quando eles eram crianças, no café da manhã, ao invés de cereais, eles comiam pó de pirlimpipim.