João Ananias: “Integração é fundamental para racionalizar recursos”

Nos últimos quatro anos, o ex-prefeito de Santana do Acaraú, João Ananias Vasconcelos Neto, foi médico do Programa Saúde da Família (PSF) em uma comunidade carente de Paracuru. Eleito deputado estadual, pelo PCdoB, no último pleito, ele assume agora a Sec

Como o senhor avalia a situação atual da saúde no Estado de uma forma geral?


 



A saúde no Ceará tem problemas cruciais e crônicos que se arrastam há muito tempo, decorrentes da pressão das desigualdades sociais, da falta de saneamento, emprego e renda. O êxodo rural para os grandes centros gerou uma ocupação do território com precárias condições de moradia, saneamento, fatores presentes e permanentes de agravos à saúde pública que não se pode desconsiderar.


 



Já que o senhor falou na questão infra-estrutural, como está sendo pensada, neste novo governo, a integração entre órgãos e poderes no sentido de buscar soluções?


 



O governador Cid Gomes, em nossa primeira audiência, deixou clara a importância da parceria, integração, atuação conjunta com os municípios. Os três entes – União, Estado e Município – são responsáveis pela saúde, pela educação, pela vida do povo e não podem estar separados porque são financiados com o dinheiro dos impostos que o povo paga. É dinheiro público, em divisões administrativas autônomas, o que não significa separação em políticas paralelas, em qualquer setor. A integração é fundamental para racionalizar recursos humanos e materiais. Como a Sesa vai prevenir ou eliminar a infestação do mosquito da dengue sem a participação dos entes municipais?


 



Qual a sua avaliação sobre a atenção primária (básica) de saúde?


 



Sem dúvida, avançou no momento em que se descentralizou para os municípios, a partir do Programa Saúde da Família, que fortaleceu a porta de entrada do serviço de saúde, que está lá no município, colocando mais perto do povo o acesso. É o nível mais importante, mas não pode existir sem o nível secundário e terciário; porque, quando um agravo acontece à saúde do trabalhador ou da trabalhadora, é preciso esse acesso, do qual muitas vezes depende a sua recuperação. Mas é no nível primário onde se pode fazer educação em saúde, a prevenção de determinadas doenças.


 



E a atenção terciária (alta complexidade)?


 



A falta de vaga em UTIs, as dificuldades da urgência e emergência dependem não apenas das deficiências na atenção primária. Dependem também de investimentos, temos um recurso per capita muito pequeno em relação mesmo a outros países da América do Sul; ao mesmo tempo em que a população vai crescendo e se deslocando, procurando oportunidades de emprego e renda que vão faltando no campo; e demandando mais dos setores secundário e terciário. O IJF, por exemplo, cresceu, mas não conseguiu dar conta da demanda por continuar sozinho com suas características.


 



Qual a estratégia pensada para equacionar esses problemas?


 



Primeiro reforçar e capacitar melhor as equipes da atenção primária e trabalhar mais e melhor alguns programas, como o do controle da hipertensão e diabetes, lembrando que a principal causa de morte no IJF, 25,17%, é por AVC (Acidente Vascular Cerebral), que pode ser evitado com essa prevenção. Também pretendemos desenvolver e ampliar de centros intermediários de especialidades médicas, pactuando com os entes federais e municipais, da mesma forma que vem sendo feita com a atenção primária, se aproximando do povo, descentralizando, evitando deslocamento desnecessário para Fortaleza. Também aproximar os centros de complexidade do povo; inclusive com a formação de consórcios para trabalhar a saúde integrada, hierarquizada e regionalizada, racionalizando recursos humanos e materiais e potencializando nossas ações. Um caminho para trabalhar não só urgência e emergência, mas todas as questões de saúde pública do Estado não pode ser departamentalizado. Não dá para trabalhar o dia D disso ou daquilo e depois baixar a guarda.


 



Na campanha, o governador Cid Gomes se comprometeu em construir dois hospitais de alta complexidade nas regiões Sul e Norte. Já está definido o nível de prioridade e investimento destas construções?


 



Em todos os momentos que o governador tem tido oportunidade de se expressar sobre isso, tem reafirmado a decisão e o compromisso de construir esses hospitais de alta complexidade. Ele já disse que a questão deve avançar e vai pessoalmente fazer o anúncio das providências. Esses hospitais serão extremamente importantes para dotar as macrorregiões Sul e Norte de hospitais do Estado, atualmente todos centralizados na Região Metropolitana de Fortaleza, garantindo às populações de regiões mais distantes o acesso a serviços complexos de grande resolutividade. São hospitais caros na construção e manutenção, mas profundamente importantes, necessários. Por outro lado, nós temos que aproveitar a rede pública de hospitais de pequeno e médio porte instalada nos municípios, através de consórcios para também ajudar a melhorar a resolutividade. A primeira ação é fazer funcionar muito bem, de forma integrada, os hospitais existentes em Fortaleza e municípios vizinhos.


 



Também remetendo às promessas de campanha, como a saúde está pensando a questão dos terceirizados e a realização de concursos públicos?


 



Em todos os hospitais públicos do Estado a terceirização está acima de 50%, em função de 14 anos sem concurso público. Os funcionários vão se aposentando, as demandas vão crescendo, e vem sendo utilizado esse artifício da contratação via firmas, via cooperativas. Eu, particularmente, sempre fui contra. O governador aponta para a resolução via concurso público. Claro que não se faz isso num estalar de dedos. O governador está promovendo algumas reformas, reduções de gastos para poder aumentar a capacidade de investimento e, num segundo momento, realizar concursos públicos, que dependem de prazos e uma série de pré-requisitos. Mas o governador já deixou claro que carreira de Estado tem que ter vínculo, e o vínculo só se dá pelo concurso público. Na saúde, um concurso público foi realizado recentemente, algo em torno de 4.600 servidores que representariam 70% da nossa necessidade, ou seja, 30% ainda continuariam terceirizados.


 



Quais doenças a Sesa está elegendo para trabalhar de forma estratégica neste primeiro momento e como?


 



A primeira e a mais próxima é a dengue, que completou 20 anos no Estado. Um desafio crônico que ronda, maltrata, mata e para o qual temos previsão de trabalho em todos os níveis de atenção à saúde. Estamos convidando todas as pessoas que entendam do assunto para dar opinião, propor, criticar, se envolver com essa tarefa, através de um fórum permanente, com reuniões mensais bastante democráticas, abertas. Só não participa quem não quer. Outro problema é a tuberculose, uma doença que prevalece nas classes sociais menos favorecidas, doença da fome, do alcoolismo, que não podemos fazer de conta que não existe e precisamos diagnosticar mais. Também temos estacionária a mortalidade materna, para a qual vamos instituir um grupo de trabalho para diagnosticar causas e discutir o que fazer para diminuir os indicadores.


 



Está sendo pensada alguma mudança na secretaria, considerando a reformulação pela qual passa o Estado?


 



Não vamos mexer na estrutura antes mesmo de tomar pé da situação. Vamos fazer uma mudança nos cargos comissionados, uma recomendação para todos os secretários, no sentido de reduzir gastos para investimento nas demandas da população. Vamos tentar compor uma equipe de forma conjunta com o governador. De antemão, é importante destacar a presença de bons técnicos, dedicadíssimos que, mesmo com baixos salários, permanecem lutando para mudar o perfil da saúde pública do Estado. Isso eu destaco pela própria convivência que tive quando estava lá do outro lado. No mais, vamos chamar a população a participar, através de mecanismos como o conselho, entidades de classe e sindicais dos profissionais da saúde e a sociedade civil organizada.


 



O senhor passou quatro anos lá na outra ponta, como médico do PSF no interior. Como essa experiência contribui para o novo desafio?


 



Ajuda muito por compreender mais os problemas, as dificuldades, de lá para cá. E é nesse sentido, da ponta para atenção secundária e terciária, que vão aumentando as dificuldades do povo em relação à saúde, como o acesso às especialidades médicas, laboratórios, exames mais complexos, uma saúde com mais tecnologia, ainda muito restrita. Essa experiência foi humanizante demais. Quem está na posição de gestor não pode deixar de ter essa compreensão da população. Eu vou carregar aqui, durante a minha permanência, valores e lembranças que o médico do interior enfrenta no dia-a-dia.



Fonte: DN