Vídeo mostra decapitação de meio-irmão de Saddam após forca

Um vídeo oficial da execução de dois ex-assessores de Saddam Hussein, exibido pelo governo iraquiano a jornalistas nesta segunda-feira (15/11), mostra o meio-irmão de Saddam, Barzan Ibrahim al Tikriti, sendo decapitado durante a morte na forca. O incident

A gravação revela Al Tikriti na forca ao lado de Awad Hamed al Bandar, ex-chefe da Corte Revolucionária. Ambos vestiam uniformes vermelhos. Cinco homens mascarados os cercavam. Eles foram enforcados simultaneamente às 3 horas (22 horas de ontem de Brasília), um quartel militar em Jadimiya, bairro xiita de Bagdá. O local é o mesmo da morte de Saddam em 30 de dezembro.


 


Al Bandar pode ser visto pendurado na forca. Já o corpo de Al Tikriti, logo após cair do cadafalso, aparece no chão – enquanto sua cabeça foi atirada a vários metros de distância. Especula-se que o carrasco ajustou erroneamente o cumprimento da corda, que deveria ser longa o suficiente para apenas quebrar o pescoço do condenado.


 


Segundo o porta-voz do governo iraquiano, Ali al Dabbagh, o procedimento seguiu o padrão exigido pelas organizações de direitos humanos. O vídeo, porém, não será exibido publicamente. “Não divulgaremos a gravação, mas queremos mostrar a verdade”, afirmou. “O governo iraquiano agiu de maneira neutra.”


 


Segundo Al Dabbagh, as execuções dos dois ex-assessores ocorreram “de acordo com a constituição e a lei iraquiana”. Foi pedido aos presentes que “respeitassem as regras da aplicação da condenação e a disciplina”. O porta-voz afirmou que eles também foram obrigados a assinar compromissos que garantiam que não haveria “palavras de ordem, insultos ou violações da lei”.


 


Repercussão negativa
A Anistia Internacional (AI) condenou como uma “brutal violação do direito à vida” o enforcamento dos dois colaboradores. Segundo a AI, as autoridades iraquianas perderam a oportunidade de fazer com que os acusados pagassem devidamente por seus crimes.


 


“Saddam Hussein e seus colaboradores deveriam ter respondido aos horrorosos crimes contra os direitos humanos cometidos por seu governo, mas isto deveria ter sido feito através de um julgamento justo e sem recorrer à pena de morte”, afirma o responsável do Oriente Médio e do Norte da África da AI em comunicado.


 


“As informações de que a cabeça de Barzan Ibrahim al Tikriti foi decepada durante o enforcamento ressalta ainda mais a brutalidade desse castigo cruel, desumano e degradante”, acrescenta. A Anistia também está preocupada com a possível execução do ex-vice-presidente iraquiano, Taha Yassin Ramadhan, que foi condenado à prisão perpétua em 5 de novembro. A Corte de Apelação pediu que sua pena seja aumentada.


 


O julgamento de Ramadhan esteve cheio de irregularidades e interferências políticas, segundo a Anistia, que também lembra que o próprio Saddam Hussein só teve acesso à representação legal um ano após ter sido detido.


 


Em seu comunicado, a Anistia Internacional assegura que a aplicação da pena de morte aumentou consideravelmente no Iraque desde sua reintrodução, em agosto de 2004. Segundo dados da organização, em 2006 pelo menos 65 pessoas foram executadas, muitas delas após um julgamento injusto.


 


Vingança?
O desastroso enforcamento do meio-irmão de Saddam Hussein alimentou, ainda, suspeitas entre os árabes de que o carrasco agiu intencionalmente. O episódio afastou ainda mais o Iraque dos demais países árabes. Do Marrocos ao Iêmen, árabes comuns levantaram dúvidas sobre a explicação oficial. Alguns lembraram dos maus-tratos impostos a Saddam quando ele foi enforcado, no dia 30 de dezembro.


 


“Estou muito triste hoje, como estão outros árabes muçulmanos. Essa execução é parte de uma campanha de vingança que vem sendo realizada no Iraque”, afirmou Zaid al Boudani, um lojista de Sanaa, capital do Iêmen. “A forma como a cabeça dele foi arrancada é sinal de ódio e de vingança.”


 


Já o presidente do Centro de Direitos Humanos do Marrocos, Khaled Charkaoui, descreveu os enforcamentos como atos bárbaros e vingativos realizados sob pressão externa, provavelmente do Irã e dos Estados Unidos. “Nunca tínhamos ouvido falar que a cabeça de uma pessoa enforcada acabou sendo arrancada do corpo dela. Isso aconteceu apenas nesse caso – o que é uma manifestação de ódio e violência.”


 


Azzam Saleh Abdullah, cunhado de Al Tikriti, afirmou ao canal de TV Al Jazeera, por telefone, que as autoridades iraquianas não haviam, com antecedência, comunicado aos familiares dos condenados sobre a iminência da execução. “Ouvimos a notícia na TV e ficamos chocados. O governo iraquiano deveria ter informado a gente. Eles sabem bastante bem qual é a tradição nesses casos”, acrescentou.


 


“Sangue iraquiano”
“A respeito de a cabeça dele (Al Tikriti) ter sido arrancada, isso é parte do rancor safávida. Eles vieram para o Iraque apenas para levar adiante sua vingança e derramar sangue iraquiano. Eles não vieram para defender a democracia ou criar um Estado. Que Deus amaldiçoe essa democracia”, disse Abdullah.


 


“Safávida” é uma referência à dinastia que transformou o Islã xiita na religião oficial do Irã, a partir do século 16, e que, durante alguns períodos, controlou partes do Iraque. Os sunitas iraquianos de linha-dura começaram a usar o termo para sugerir que os xiitas não são os verdadeiros iraquianos.


 


A Associação Marroquina de Direitos Humanos, principal órgão independente de defesa dos direitos humanos nesse país do norte da África, afirmou que os enforcamentos eram “um assassinato político”. “O julgamento”, diz a entidade, por uma corte iraquiana pró-EUA não atendeu às prerrogativas de um julgamento justo, o que significa que o veredicto injusto e os enforcamentos são um assassinato político planejado pelo imperialismo norte-americano”, afirmou.


 


Mas alguns árabes da região do golfo Pérsico, onde Saddam não era popular, disseram ter ficado felizes com a morte de Al Tikriti. Ali al-Baghli, um importante analista do Kuweit e ex-ministro do Petróleo do país, disse: “Finalmente, fez-se justiça. Al Tikriti cometeu vários crimes contra a humanidade. Ele, pelo menos, foi submetido a um julgamento oficial.”


 


Sem dignidade
Saddam, Al Tikriti e Al Bandar foram condenados à morte em 5 de novembro de 2006, pelo massacre de 148 xiitas na aldeia de Dujail, ao norte de Bagdá. A ação – um fuzilamento em massa ocorrido em 1982 – teria sido uma represália do governo iraquiano contra uma tentativa frustrada de assassinato do ditador.


 


A execução de Saddam recebeu duras críticas de vários países, especialmente depois que um vídeo pirata divulgado na internet mostrou o ditador sunita sendo xingado em seus momentos finais, já com a corda no pescoço. O premiê iraquiano, Nouri al Maliki, ordenou que o Ministério do Interior investigue a gravação clandestina – e prendeu pessoas suspeitas de a realizarem.


 


Até mesmo a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, admitiu nesta segunda-feira, em Luxor, no Egito, que a execução de Saddam Hussein e de seus dois ex-colaboradores “poderia ter sido feita melhor, com mais dignidade”.