Para especialista, plano de Lula está muito aquém dos “PACs chineses”

“Entre 1998 e 2004 os chineses investiram cerca de US$ 800 bilhões em infra-estruturas”, informa Elias Jabbour, referindo-se ao penúltimo dos “PACs chineses”, que se sucedem desde 1952. Doutorado pela USP, com uma tese sobre China: infra-estruturas e cres

Desta vez Elias acompanhou uma missão do Parlamento Brasileiro,* na qualidade de assessor da presidência da Câmara Federal. O objetivo foi “conhecer as estratégias adotadas pelos ministérios relacionados às infra-estruturas, desde a concepção de uma obra até o financiamento”, um tema que entrou na ordem do dia no Brasil com o lançamento por Lula do Plano de Aceleração do Crescimento 2007-2010. Desmentindo o lugar-comum que enxerga o crescimento da China como um fruto do capitalismo, o geógrafo recorda que o país tem planejamento econômico há “cerca de 2 mil anos”.
Elias foi entrevistado em Brasília pelo Vermelho.



Vermelho: O que a missão do Parlamento brasileiro foi fazer na China?



Elias Jabbour: Nosso objetivo foi acumular experiências que nos permitissem compreender – por exemplo – as transformações institucionais que permitem uma cidade como Shenzen, que há 25 anos atrás era uma vila de pescadores, se transformar no motor econômico do sul da China, pari passu com Hong-Kong. Ou como a criação da Zona Econômica Especial de Shenzen foi essencial para a criar uma zona de convergência econômica que possibilitou a absorção de Hong-Kong ao território econômico chinês.



Isso sem falar de Chongqing (meio-oeste), que entre 2001 e 2010 recebe anualmente do governo chinês cerca de US$ 20 bilhões, para transformar esta outrora decrépita cidade no centro dinâmico da “expansão a oeste” na China. Daí ter se tornado convencional nomear Chongqing de a “Chicago Chinesa”, dado o papel de Chicago na expansão ao oeste e consequente unificação territorial norte-americana na segunda metade do século 19.



Vermelho: O Governo Lula acaba de apresentar o PAC. Este tipo de plano existe na China?



Elias: É preciso destacar que são formas muito diferentes de abordagem entre os dois países. O governo Lula está dando um passo gigantesco no processo de planificação econômica, que havia sido literalmente abandonado pelas chamadas “políticas estabilizadoras” implantadas a partir da década de 1980. Já os chineses convivem com a planificação econômica a cerca de 2 mil anos. Por exemplo, a primeira planificação urbana de Pequim data de 700 anos atrás, por ocasião da ocupação mongol (Kublai Khan). Isso sem falar das imensas obras hidráulicas, com milênios de existência.



No sentido atual, a planificação econômica na China, juntamente com a propriedade social dos meios estratégicos de produção, serve ao domínio humano sobre a ação das leis econômicas objetivas. Daí a China crescer ininterruptamente, a mais de duas décadas, independente das crises.



Os atuais Planos Quinquenais tiveram início em 1952 e no ano passado iniciou-se o 11º Plano Quinquenal (2006-2010). O processo de elaboração passa necessariamente pelas comissões anexas ao Comitê Central do Partido Comunista da China. Depois é apreciado pelo Conselho de Estado, até ser sancionado na reunião anual da Assembléia Nacional Popular que ocorre todo o mês de março.



Aliás é bom que se diga que o planejamento é método de governo na China.



Vermelho: O PAC propõe-se a investir pesado em infra-estrutura. Como estão estes níveis de investimento na China de hoje?



Elias: Entre 1998 e 2004 os chineses investiram cerca de US$ 800 bilhões em infra-estruturas, enquanto o Brasil somente investiu US$ 18 bilhões. No 11º Plano Quinquenal a China irá investir US$ 128 bilhões só em novas ferrovias. Ou seja, o PAC recém-anunciado pelo nosso governo ainda está muito aquém dos números chineses.



Todos os níveis de investimento em infra-estruturas na China perseguen os seguintes objetivos: unificação econômica nacional, diminuir o déficit energético, diminuir a utilização de de energéticos poluentes (carvão), unificar mercados locais, regionais e consequentemente o nacional, e agredir o menos possível a natureza. Por exemplo, 37% da Zona Econômica de Pudong (Xangai) é coberta de áreas verdes.



A construção de metrôs nas grandes cidades segue ainda o acertado esquema soviético, ou seja, primeiro leva-se o metrô para depois levar as habitações, as indústrias, etc. (e tem gente que fala que acabou o planejamento na China). Esta formatação de expansão urbana tem duas vantagens: primeiro, as transformações radicais não afetam negativamente os centros das cidades e sim, de forma positiva, as suas periferias; e segundo, este tipo de planejamento previne a ação da chamada – por Marx – renda diferencial, obtida por exemplo pela especulação imobiliária. É bom lembrar que o solo urbano na China ainda é propriedade social.



Vermelho: Qual o sentimento que você percebeu no povo chinês?



Elias:
Os chineses comuns não são muito dados a discutir política. E não vejo mal sinal nisso: como todo povo trabalhador, o chinês está muito mais preocupado em viver do que outra coisa. E se ele estiver vivendo – como está hoje – melhor para o status quo reinante. Mas pude sentir o clima que se respira nas cidades chinesas, onde uma sociedade pulsa com vistas ao futuro.


 


* A delegação foi composta pelos deputados federais Francisco Rodrigues (PFL-RR) e José Rocha (PFL-BA), e o economista Eduardo Fernandez representando a Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados.