Comunidades tradicionais protestam contra ampliação do CLA
Trabalhalhadores rurais de áreas quilombolas no município de Alcântara protestam contra a ampliação do Centro de Lançamento. Eles querem assegurar a permanência em seus territórios. Há mais de vinte anos é grande a insegurança na área marc
Publicado 01/02/2007 10:03 | Editado 04/03/2020 16:48
(Alcântara/MA) Mesmo diante de acordo judicial que obriga o INCRA (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) a regularizar o território quilombola no entorno do CLA (Centro de Lançamento de Alcântara), no Maranhão, empresas de engenharia contratadas para a ampliação da base militar começam a abrir estradas e a demarcar pontos estratégicos nos povoados de Mamuna, Baracatatiua e Brito, localidades onde residem e cultivam lavouras mais de 100 famílias de trabalhadores rurais maranhenses.
De acordo com estudo antropológico entregue ao Ministério Público Federal, desenvolvido por pesquisadores do Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, da UFMA (Universidade Federal do Maranhão), o ambiente nas comunidades quilombolas é de insegurança.
“A situação é bastante grave. O fechamento do litoral alcantarense significará a fome não somente para os povoados litorâneos, como para todas as localidades que integram o território étnico de Alcântara, já que essas famílias utilizam a terra (agricultura) e o mar (pesca) para a sua reprodução e sobrevivência”, afirma a antropóloga e professora da UFMA, Maristela de Paula Andrade.
A ACS (Alcântara Cyclone Space), binacional brasileira-ucraniana — e outras empresas por ela contratadas ou sub-contratadas — estão trabalhando nos povoados de Baracatatiua e Mamuna, no litoral de Alcântara, desde o final do ano passado. Eles estão demarcando pontos estratégicos com GPS e abrindo estradas entre os povoados, localizados onde se pretende construir mais uma plataforma de lançamento de foguete.
Segundo a antropóloga, há mais de vinte anos (desde a instalação do CLA) esses trabalhadores vivem um clima hostil, sujeitos a deslocamentos e a mudanças de vida.
“Primeiramente, foram deixados à margem pelo Estado por mais de 20 anos: sem estradas, sem escolas, sem telefone, sem eletrificação. Agora, tudo isto é acenado pela ACS como “compensação” ou como parte de uma suposta “negociação””, afirma Andrade.
OUTRO LADO – A reportagem entrou em contato com a ACS pelos telefones publicados em seu site, na internet, mas ninguém atendeu às ligações desde segunda-feira, dia 21 de janeiro de 2008.
Vinculada ao Ministério da Ciência e Tecnologia, a empresa responsável pela operação do Sistema de Lançamento do Cyclone-4 presta serviços comerciais de lançamento de satélites para o mercado mundial e atende aos interesses dos programas espaciais do Brasil e da Ucrânia no CLA. O investimento inicial de cada país no convênio Brasil-Ucrânia é de US$ 4,5 milhões. O acordo estabelece ainda que os dois países devem integralizar o capital da empresa até um total de US$ 105 milhões.
A Empresa Binacional Alcântara Cyclone Space é responsável pela operação do Sistema de Lançamento do Cyclone-4, pela comercialização global de serviços de lançamento via Cyclone-4 e pela criação de demandas para os lançadores Cyclone-4 e de seus centros de serviço. O Projeto foi estabelecido para o desenvolvimento de um Veículo Lançador avançado e de um Sistema de Lançamento Espacial a partir do Sítio de Alcântara, no Maranhão.
Lideranças comunitárias tentam barrar ação das empresas
Segundo a trabalhadora rural M. L. P., 34 anos, moradora do povoado de Mamuna, no município de Alcântara, algumas pessoas dos povoados está sendo “cooptada” por profissionais contratados pelas empresas de engenharia que estão abrindo estradas e preparando a sondagem e fundação de uma nova plataforma de lançamento de foguete.
“Eles (técnicos e engenheiros) conversam com a gente como se a gente não soubesse dos nossos direitos de terra quilombola e dizem que se a gente não ficar do lado deles, tudo será pior”.
Ela contou que as empresas estão contratando mão-de-obra dos povoados para serviços de vigia dos equipamentos, para abrir picadas na mata e também para lavar e cozinhar. Em geral, o serviço é pago por diárias, que variam de R$ 20 a R$ 30.
“Ninguém aqui é contra o progresso. O que não queremos é que ele tire a nossa liberdade. Mas o que eles querem (CLA) é somente um “ar” especial para lançar o foguete”, comentou.
Já para o trabalhador rural J.S, 38 anos, apesar da pressão das empresas, os moradores dos 3 povoados ainda estão resistentes à ampliação do CLA. “Nós moramos aqui desde que nascemos. Nossos pais e avós já viviam aqui. Nós plantamos, pescamos e extraímos o coco babaçu para fazer óleo, carvão e sabão. Eles estão passando por cima de babaçuais sem ter idéia do quanto aquilo tem valor pra gente”.
Família tem roçado destruído por trator
O trabalhador rural A.S.C., 35 anos, teve parte de sua roça destruída por um trator que trabalhava na abertura de uma estrada que já chega a aproximadamente 7 km, tem 5 metros de largura e faz ligação entre os povoados e a beira do mar.
“Eles passaram com o trator em cima de parte da nossa roça e, mais tarde, veio aqui em casa o representante da empresa perguntando quanto a gente pedia pelo prejuízo. Disse o preço e eles ficaram de voltar para pagar, mas isso já aconteceu em dezembro e até agora ainda não voltou ninguém”, explicou.
“Nós estamos é cercados, mas ao mesmo tempo que eles estão avançando, não temos para onde ir”, disse a esposa do trabalhador, que tentou barrar a ação do trator na sua terra, que estava sendo preparada para plantar mandioca e milho.