Deputados que apuram Linha 4 receberam doação de empreiteiras
OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht contribuíram com as campanhas de pelo menos oito membros da comissão de investigação da Assembléia Legislativa de São Paulo. Empresas integram consórcio responsável pela Linha 4 do metrô.
Por Maurí
Publicado 05/02/2007 18:08
A Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp) está investigando os detalhes da contratação das empreiteiras que compõem o Consórcio Via Amarela, responsável pelo desastre na Linha 4 do metrô paulistano. Uma curiosidade salta à vista: vários deputados da comissão responsável pelos trabalhos receberam doações financeiras daquelas construtoras na última campanha eleitoral.
São todas doações legais – e os dados estão disponíveis nas prestações de contas junto ao TSE. Pelo menos oito dos 21 parlamentares da comissão foram beneficiados com um total de R$ 810 mil das empresas do Consórcio. Trata-se da OAS, Camargo Corrêa e Odebrecht.
Dos oito, quatro integram a base governista: Orlando Morando (PSDB), vice-presidente da Comissão de Obras e Serviços Públicos, Arnaldo Jardim (PPS, agora eleito deputado federal), vice-presidente da Comissão de Transportes e Comunicações, Roberto Morais (PPS) e Jorge Caruso (PMDB).
A oposição tem também quatro representantes que receberam dinheiro: Sebastião Arcanjo (PT, não reeleito), presidente da Comissão de Obras e Serviços Públicos, José Zico Prado (PT), Simão Pedro (PT) e Adriano Diogo (PT).
Situação e oposição
Apesar da coloração partidária indicar um possível equilíbrio político, quem mais arrecadou foram os governistas. O deputado que recebeu a contribuição mais expressiva foi Jorge Caruso (PMDB), da Comissão de Transportes e Comunicações. Ele arrecadou R$ 200 mil das empreiteiras. O valor representa 57% do total recebido pelo parlamentar, que teve R$ 349,89 mil como receita bruta de campanha.
Orlando Morando (PSDB) recebeu R$ 150 mil da OAS. Arnaldo Jardim (PPS) arrecadou R$ 50 mil da Camargo e R$ 100 mil da OAS. Por último, Roberto Morais (PPS) obteve R$ 40 mil da Camargo Corrêa. No total, a bancada ligada ao palácio dos Bandeirantes recebeu R$ 540 mil.
A ala petista arrecadou R$ 270 mil no total, assim divididos: Adriano Diogo R$ 140 mil (R$ 90 mil da Camargo Corrêa e R$ 50 mil da OAS), José Zico Prado R$ 90 mil da Camargo Corrêa, Simão Pedro, R$ 20 mil da Braskem (Odebrecht) e Sebastião Arcanjo R$ 20 mil da Braskem (Odebrecht).
Criada para apurar o motivo dos sucessivos acidentes na Linha 4 do Metrô paulista, a comissão de representação é organizada em torno dos sete membros efetivos das comissões permanentes de Serviços e Obras Públicas e nove originários da Transportes e Comunicações.
Além dos 16 deputados, completam o bloco cinco representantes das bancadas não contempladas: PV, PDT, PSC, PRB e PP, que têm um grau de influência reduzido sobre os rumos das investigações.
Sem CPI
A criação da comissão especial foi resultado de uma recusa. O presidente da Assembléia, Rodrigo Garcia (PFL), se negou a atender um pedido do PT, que reivindicava a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) na Alesp.
Pelo acordo de líderes, as CPIs são criadas pela ordem cronológica, e o pedido teria que passar à frente de todos os 69 requerimentos protocolados na Casa, herança da relação do Legislativo com o Executivo no período Alckmin.
A Mesa Diretora, que venceu a queda de braço pela não-instalação da CPI, ostenta três membros que receberam doações das empreiteiras do Consórcio Via Amarela. O presidente Garcia (PFL) recebeu R$ 12 mil, Fausto Figueira (PT), 1º Secretário, R$ 20 mil e Geraldo Vinholi (PDT), 2º Secretário, R$ 50 mil.
Quem contribuiu
A principal fonte financeira dos deputados que integram a comissão foi a OAS, que doou quase metade do total. Na operação, o conglomerado baiano gastou R$ 400 mil reais. Procurada pela Carta Maior, a empresa não quis comentar sua estratégia política ou seus interesses na Assembléia. A OAS também não divulgou nenhuma nota oficial sobre o tema.
Já Ana Paiva, assessora de imprensa do grupo Camargo Corrêa, esclarece que “a empresa parte do pressuposto de que todas as doações foram feitas estritamente de acordo com os princípios que a legislação permite”. A Camargo Corrêa foi o segundo braço do Consórcio que mais investiu, com R$ 370 mil em doações eleitorais aos membros da comissão.
A Obebrecht fecha a planilha, com R$ 40 mil aplicados naqueles parlamentares. Já a Queiroz Galvão e a Andrade Gutierrez, as outras duas sócias no Via Amarela, não fizeram contribuições financeiras a nenhum dos deputados que agora fiscalizam as empresas.
O grupo Andrade Gutierrez, em nota oficial enviada à Carta Maior, defende o atual modelo de financiamento. “Acreditamos que doações às campanhas políticas feitas dentro das regras institucionais são parte integrante do processo democrático. O grupo AG sempre se relacionou com as diferentes esferas de governo de forma transparente”, afirma a nota.
Tipos de doações
As listas divulgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral não revelam todas as empresas doadoras da campanha eleitoral. Além de pulverizar as doações entre as diversas subsidiárias, como é o caso da Braskem, holding petroquímico da Odebrecht, algumas empresas não deixam evidentes suas contribuições.
Há duas formas legais de doar recursos sem ser totalmente transparente. A empresa pode fazer a doação para o partido do candidato, e orientar o repasse do valor para o seu preferido. A outra possibilidade é financiar uma instituição que represente determinado setor para fazer as doações recomendadas.
Agora, a comissão tem até o dia 14 de março, quando se encerra a atual legislatura, para concluir o relatório. Embora não tenha status de CPI, a comissão pode pedir documentos e convidar autoridades, mas não pode solicitar a quebra de sigilos bancário e telefônico.
Falam os deputados
Carta Maior buscou ouvir alguns dos deputados que receberam doações das empreiteiras. A reportagem indagou se haveria algum conflito ético por suas campanhas terem sido parcialmente financiadas por empresas a quem devem investigar. As respostas seguem abaixo.
Deputado Orlando Morando (PSDB):
“Não existe conflito ético de forma alguma. A OAS é a construtora que mais ergue supermercados no Brasil. Sou vice-presidente da Associação Paulista de Supermercados (APAS) e tenho vínculos com o setor. Sou dono de um estabelecimento. A doação foi intermediada por Sussumu Honda, que pertence à Diretoria Executiva da Associação Brasileira de Supermercados (ABRAS). Sinto-me à vontade no campo ético. Fui o primeiro deputado a aparecer no local do acidente e questiono o modelo do contrato com as empreiteiras. A doação não influencia nada no aprofundamento dos trabalhos. Temos procedimentos que podem oferecer uma boa investigação, sem necessidade de uma CPI”.
Adriano Diogo (PT):
“Quando recebi esse dinheiro, não tinha feito nenhuma troca de favores com as empresas do Consórcio Via Amarela. Quem tem de dar satisfação é o governo do Estado. Acho errado chamar empreiteira para depor. Sou contra. Deputado tem que se relacionar com o governo. O Consórcio só faz o que o contratante manda. Essas empresas contribuíram comigo porque era uma doação para o PT. Fazendo uma analogia, é como se, a partir de um determinado dia, quando entrasse em vigor o financiamento público de campanhas, os deputados não tivessem mais condições de investigar o poder público. Agora, talvez eu seja um cara honesto e isso seja interessante para o nome delas (Camargo Corrêa e OAS) não ficar sujo”.
Carta Maior entrou em contato várias vezes com a assessoria de Jorge Caruso, o parlamentar que mais arrecadou entre os citados. Uma entrevista foi prometida. Até o fechamento desta edição (3/02), ele não retornou as ligações.