Até quando a impunidade reinará no Pará?

Nas primeiras horas do dia 12 de fevereiro de 2005, nossa irmã, a irmã Dorothy Stang, voltava de uma reunião ocorrida na noite anterior quando foi abordada por seu assassino, Rayfran das Neves Sales, e seu comparsa, Clodoaldo Carlos Batista, em uma estrad

Rayfran, com a conivência de Clodoaldo, disparou seis tiros à queima-roupa em uma freira de 73 anos de idade, cidadã norte-americana naturalizada brasileira. A única defesa da vítima era a Bíblia que carregava. Dot morreu com a face virada ao chão. Seu sangue se misturou com a terra que ela tentou proteger para os trabalhadores rurais aos quais dedicou a vida.



A violência e a brutalidade com que nossa irmã foi assassinada ainda está presente na minha vida e na dos meus sete irmãos. Moro nas montanhas do Colorado, nos Estados Unidos, bem longe da floresta que Dot chamou de casa por quase 30 anos.
Lembro-me perfeitamente da ligação que recebi naquele dia: “David, sua irmã foi assassinada”. Imediatamente pensei: “Como alguém pode planejar ou assassinar uma freira que amava e trabalhava com os pobres por mais de 35 anos, construindo escolas, igrejas e cooperativas alimentícias? Como alguém poderia odiá-la por tanta demonstração de amor?”.



Nos últimos dois anos, eu e meus irmãos viajamos para o Brasil sete vezes procurando respostas para nossas indagações e justiça para Dot. A impunidade de que gozam os mandantes do crime está longe de acabar. Em recente relatório, a Human Rights Watch afirma que, somente em 2005, pelo menos 37 trabalhadores rurais ou seus defensores foram assassinados, 166 foram seriamente feridos e 261 foram presos em conflitos rurais no Brasil.



Ademais, os números oficiais mostram que mais de 2.000 trabalhadores rurais e seus defensores foram assassinados nos últimos 20 anos no Brasil. Sendo que, com relação a esses crimes, existem poucas investigações -ou nenhuma.



A então senadora e hoje governadora do Pará, Ana Júlia Carepa, que presidiu a comissão do Senado para acompanhar as investigações do caso, concluiu que Vitalmiro Bastos de Moura (Bida) e outros fazendeiros participaram do planejamento do crime. Exceto pela prisão de Regivaldo Pereira Galvão, não há indícios de que as polícias estadual ou federal estejam investigando os outros acusados.



Todavia, houve sinais de avanço no caso de Dot. Rayfran e Clodoaldo foram julgados e condenados por homicídio doloso em dezembro de 2005. Amair Feijoli da Cunha, o intermediário, foi condenado em abril de 2006. Seu testemunho foi vital para assegurar a relação entre os assassinos e os dois fazendeiros mandantes do crime. Por fim, Bida aguarda seu julgamento em prisão. Momentaneamente nos entusiasmamos com esses progressos em um Estado notório por sua conivência com a impunidade e por sua incapacidade de realizar a reforma agrária de maneira sustentável.



Atualmente, demonstrações de que a impunidade é norma são evidentes, aumentando nossos receios de que a Justiça não vingará. O relaxamento da prisão preventiva de Regivaldo em julho de 2006 foi motivo de preocupação. Vários advogados nos alertaram de que Regivaldo usaria artimanhas para atrasar seu julgamento e argumentaria que o relaxamento da prisão fora justo. Não obstante, três dos cinco ministros do STF aceitaram suas razões, decretando a soltura.



Em 2006, voltei a Belém pela sétima vez em agosto para pedir às autoridades que os mandantes fossem a julgamento antes de dezembro. Todavia esses julgamentos ainda estão sem data marcada. Ultimamente, existem rumores de que Rayfran possa ir a novo julgamento antes que Regivaldo e Bida tenham tido seus primeiros julgamentos, aumentando assim a preocupação da família Stang de que o Estado do Pará tenha pouco interesse em que justiça seja feita nesse caso.



Mesmo estando longe da Amazônia, a família de Dot não ignora os efeitos da violência que destrói as vidas de várias famílias pobres da zona rural brasileira. Qual a esperança que essa população pode ter por Justiça, se o Estado não faz justiça no caso da Dot? Após dois anos do assassinato, o Pará ainda não conseguiu responder a essa pergunta, colocando os mandantes no banco dos réus. Enquanto isso não ocorrer, a família Stang promete voltar para Belém quantas vezes forem necessárias -até que o Estado do Pará responda a essa pergunta.



* Escreve em nome da família Stang, com o apoio dos advogados Jeffrey T. Hsu e Brent N. Rushforth e do Robert F. Kennedy Memorial Center for Human Rights (Washington, EUA).