Bernardo Kucinski: Especulações em torno da lógica do PAC

A lógica do Programa de Aceleração do Crescimento contraria economistas clássicos como Michael Kalecki e John Keynes. Um PAC que não contém uma política monetária expansionista não é um PAC, é um anti-PAC, como, aliás, deixou claro a última ata do Copom.

A economia brasileira pode até crescer cinco por cento este ano, ou mais. Mas não por causa do Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC. Enquanto o juro real básico da economia se mantiver no patamar anômalo de 10% ao ano, não há discurso de crescimento que faça o país crescer. Qualquer economista sabe disso. Não depende de sua escola de pensamento, se é marxista, monetarista, keynesiano ou neokeynesiano.



Depois da lei das vantagens comparativas de David Ricardo, e do capital de Marx, foi a descoberta da relação fundamental entre crescimento e taxa de juros, feita simultaneamente por Michael Kalecki e John Keynes, que mais contribuiu para instituir o pensamento econômico em saber científico.



Ricardo havia mostrado que, ao contrário do que reis e governantes acreditaram durante 300 anos, quanto mais uma economia se concentra na produção de bens em que é mais eficiente, trocando seus excedentes por mercadoria que outros países produzem melhor, mais ela progride, mais valor ela produz com o mesmo uso de fatores de produção. É por isso que podemos dizer que o comércio internacional cria valor.



Durante 300 anos, os reis só viam a aparência do comércio exterior: quanto mais o país tinha que importar, menos ouro sobrava em seus cofres, portanto eles tinham menos meios para financiar suas guerras de conquistas. Durante 300 anos eles acreditaram que o ouro era o próprio valor, sem perceber que usavam cada vez mais terras e trabalho para conseguir uma mesma quantidade de valor.



Kalecki, um marxista, e Keynes, um antimarxista, demonstraram por métodos totalmente diferentes que a intensidade da atividade de uma economia é diretamente proporcional à renda das pessoas e inversamente proporcional à taxa de juros. Quanto maior a taxa de juros, menor a propensão ao investimento por parte dos capitalistas e menor a propensão ao consumo por parte dos trabalhadores, maior o desemprego e a ociosidade nas fábricas.



Se o Banco Central está pagando juros tão altos para quem investe nos seus papéis, muito melhor agüentar mais um pouco o carro usado e deixar o dinheiro no banco. Ou pagar aluguel com a renda da caderneta de poupança do que construir sua casinha. As empresas pensam da mesma forma. Para que assumir o risco de expandir a produção, construir mais um galpão, se o dinheiro está rendendo muito mais parado no banco?



O PAC é uma tentativa de fazer o capitalismo crescer mexendo em tudo menos no principal, que é o juro básico. Para compensar, o governo adotou uma subpolítica monetária, oposta à política principal, de estimular o consumo através de empréstimos com garantia de salário, os empréstimos consignados. Mas mesmo esses cobram juro de usura, da ordem de 25% ao ano.



Não deve dar certo. Mesmo porque, no caso brasileiro, o altíssimo juro básico pago pelo Banco Central também (a) derruba a cotação do dólar, estimulando a substituição de produção nacional por produção importada, o que estimula o crescimento em outros países, não no nosso, e (b) eleva muito o custo da dívida pública impedindo o governo de investir.



A lógica do PAC contraria os economistas clássicos. Um PAC que não contém uma política monetária expansionista não é um PAC, é um anti-PAC, como, aliás, deixou muito claro a última ata do Copom. Se a lógica do PAC não é a dos economistas clássicos, qual a sua lógica? Ou o PAC nasce de um conhecimento do mundo real diferente do manejado pelos economistas clássicos, ou tem origem em interesses de classe ou de grupos que se sobrepõem a essa lógica.



Lembro que era comum, nos tempos das grandes greves do ABC, os dirigentes sindicais argumentarem nas assembléias dos metalúrgicos que as montadoras de veículos podiam dar aumento maior de salário sem elevar os preços dos carros, porque o salário era apenas 10% do custo de um carro.Viam o aparente, o peso do salário na matriz de custos das montadoras, e não a essência, de que em todas as peças e componentes também estava embutido ou agregado um custo de salário. Tudo isso também aumentaria com um aumento de salários dos metalúrgicos. E isso era muito mais do que 10% do custo total de um automóvel.



O mais provável é que nossa elite dirigente de origem sindicalista entende e explica a economia segundo uma visão pragmática que (a) se deixe levar muito mais pelas aparências da economia do que pelos mecanismos não visíveis dos processos econômico e (b) tenta pragmaticamente o máximo de ganhos para seu próprio eleitorado, os brasileiros mais pobres e especificamente os trabalhadores organizados, com o mínimo de enfretamentos aos interesses dominantes. É a mesma lógica da negociação em tempo de greve. O PAC tenta o caminho da menor resistência. Crescer sem enfrentar o domínio dos banqueiros sobre nossa política monetária.



Ficar apenas no conhecimento aparente, sem questionar se esse conhecimento é verdadeiro ou falso, é típico do saber popular e o oposto do saber científico. É como dizer que o Sol gira em torno da Terra porque é isso que nós vemos todos os dias. No entanto, a ciência nos disse, e provou, que é a Terra que gira em torno do Sol. Galileu quase foi queimado na fogueira por causa disso. A mesma ilusão pelo aparente parece inspirar declarações de alguns líderes do PT de que foi graças a essa política econômica que Lula se reelegeu. É o que parece. Mas isso é apenas o aparente. A queda nos preços de alimentos teria sido conseguida da mesma forma, sem uma política contracionista e com a vantagem de criar muito mais empregos.



É possível contra-argumentar alegando que a economia não é uma ciência da natureza, no sentido de explicar de modo unívoco como a natureza funciona e sim uma ética que postula como a economia deveria funcionar para bem atender às necessidades humanas. Por isso, seus preceitos diferem quando se pula de uma escola de economia para outra. Mas, mesmo assim, nenhuma escola de economia discorda das teses de Keynes e Kalecki de que quanto maior a taxa de juros, menor o crescimento econômico para uma mesma renda. Trata-se, portanto, de uma relação fundamental entre duas variáveis econômicas. Por isso, o PAC não é um projeto nacional de desenvolvimento. Apenas um conjunto de medidas que tenta estimular o crescimento sem mexer com o grande capital.



O PAC desconhece também o que o crescimento é cíclico. Ele começa, se expande e eventualmente se exaure. Os ciclos de expansão duram, em geral, de cinco a sete anos. Eles são oscilações dentro de um período maior, de 25 anos, as famosas ondas longas de Kondratief. E, dentro do ciclo de expansão, há oscilações menores, que não alteram o seu sentido expansionista. Ou seja, o capitalismo pode ser tudo, menos um sistema bem comportado, no qual você diz que vai crescer 0,5% e cresce 0,5%. Não por acaso, a China cresce a dez por cento, desembestada, e a Argentina a 8 ou 9 %, também desembestada. É quase como um “ou tudo ou nada”. Ou você cresce ou você fica patinando, no chamado “stop and go”, como nós estamos há quase três décadas.



Quem discute se dá para crescer 4,5% ou 5%, ou quem sabe 4,75%, é porque não quer o crescimento econômico. É raciocinar pela mesma lógica dos meninos do Copom, que, como sabemos e foi comprovado pela sua última ata, não querem o crescimento econômico. O crescimento se dá quando são liberados os fatores de produção ociosos e alguns deles entram em sinergia. Quando a fome se junta com a vontade de comer. E aí ninguém segura. Nós temos vários fatores de produção ociosos: mão-de-obra qualificada e não qualificada louca por um emprego; capital estourando nos cofres dos bancos e das empresas; capacidade ociosa de cerca de 23% nas indústrias; terras agriculturáveis a perder de vista; energia ainda a custos acessíveis. Quando há fatores de produção ociosos, basta soltar os freios. O freio é o Copom.



Bernardo Kucinski é jornalista e professor da Universidade de São Paulo