“Acordo generoso” encerra polêmica do gás entre Brasil e Bolívia

Os presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Evo Morales concluiram nesta quinta-feira (15) um acordo sobre o preço do gás boliviano vendido ao Brasil. O acordo permite uma majoração de US$ 100 milhões na soma recebida pela Bolívia, sem afetar os termos do

O acordo recorreu a um estratagema para atender ao reclamo boliviano de um aumento no preço do gás — descrito por Evo como “um subsídio” da pequena Bolívia ao grande Brasil — sem mexer no acordo assinado em 1999 entre os dois países, com validade de 20 anos. A fórmula encontrada foi a Petrobras pagar um adicional caso o gás fornecido pela Bolívia tenha um excedente de poder calorífico.



Aumento não será repassado



“Isso fará justiça ao valor do gás boliviano e atenderá ao pleito do presidente Morales. Paralelamente acordamos que o governo boliviano tomará as providências necessárias para que os novos contratos em operação entrem em vigor nos próximos dias”, disse Lula, que falou à imprensa tendo Evo ao seu lado.



O ministro dos Hidrocarbonetos da Bolívia, Carlos Villegas, disse que o acordo vai garantir um aumento de US$ 100 milhões nos valores pagos pela Petrobras ao país vizinho neste ano. Já o ministro brasileiro Silas Rondeau (Minas e Energia) avaliou um aumento mais modesto, de 3%, 4% ou 6% nos preços finais. Em 2006, a Bolívia recebeu US$ 1,260 bilhão pelo gás vendido à Petrobras — 27 milhões de metros cúbicos diários. Silas informou que a diferença de preço não será repassada às indústrias que compram o gás.



Já na véspera (14) as autoridades brasileiras tinham concordado em aumentar o preço do gás — 1,5 milhão de metros cúbicos-dia — vendido para alimentar a usina termoelétrica Mário Covas, em Cuiabá. O preço, que era de US$ 1,09 por milhão de BTUs (medida inglesa de energia), ficará equiparado ao pago pela Petrobras, US$ 4,32. Lula sublinhou que a mudança se fará até 15 de abril.



Gás é “fator decisivo de integração”



O acordo sobre o gás vendido à Petrobras, que chega pelo gasoduto entre os dois países e abastece a indústria de São Paulo, foi mais difícil por encontrar resistências na estatal brasileira. Evo Morales teve que adiar por um dia o seu retorno — a duração inicial da viagem seria de oito horas. As conversações entre os dois presidentes antraram pela noite até chegar à fórmula do poder calorífico.



Lula caracterizou o acordo do gás como “fator decisivo de integração” e “carro-chefe” da associação Brasil-Bolívia.  afirmou que o Brasil vai estudar novos investimentos conjuntos. Os dois países estudam a construção de uma usina hidrelétrica binacional no Rio Mamoré, entre os municípios de Abunã (Bolívia) e Guajaramirim (Brasil), e teria potência de cerca de 3.000 MW. Também está em estudos  a instalação de um pólo gás-químico na fronteira com os dois países e a construção de uma usina de biodiesel no país vizinho pela Petrobras. Boa parte da fala de Lula foi para enaltecer as potencialidades do biocombustível, bandeira energética do seu governo.
“Estamos presidentes, somos trabalhadores”



O presidente brasileiro foi caloroso na parte política do seu pronunciamento. Disse que “a eleição do companheiro Evo constitui-se num marco histórico para a Bolívia. Um país com o desafio de usar suas riquezas naturais para a prosperidade de seu povo. Um país que está reconstruindo suas instituições com ampla participação popular.”



“Bolívia e Brasil avançam juntos na busca de um modelo de desenvolvimento com mais democracia, justiça, igualdade e progresso para todos, sobretudo para os excluídos. Nessa caminhada, o povo boliviano tem, e sempre terá do Brasil, a solidariedade e o apoio para que encontre seu próprio destino”, afirmou.



O presidente brasileiro referiu-se também à identidade de classe com Evo. “Eu não esqueço que somos chefes de Estado de países soberanos, que precisamos agir como chefes de Estado, cada um em defesa do seu país, mas antes de ser presidente da República, você na Bolívia e eu aqui no Brasil, nós éramos companheiros do movimento sindical. Não podemos permitir que essa nossa primeira relação seja diminuída porque hoje somos presidentes, porque nós estamos presidentes, o que nós somos mesmo é trabalhadores”, afirmou.



A adesão da Bolívia ao Mercosul



Para o presidente brasileiro, as diferenças que se manifestaram “são pequenas se compararmos com aquilo que nos une”. E a visita de Evo “permitiu dar continuidade a nosso diálogo franco, aberto e construtivo, sem condicionantes, sem imposições, sem ameaças ou rupturas. É assim que se relacionam países amigos e soberanos”, frisou.



A questão do gás era premente para o governo Evo Morales, que vive fortes turbulências devido à oposição conservadora interna. Esta ameaça inclusive com um movimento separatista no Ocidente, a parte mais rica do país. Mas o encontro serviu também para avançar na integração da Bolívia como membro pleno do Mercosul, ao lado do Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela.



“O Brasil vai propor, no âmbito do Mercosul, a eliminação total das tarifas aos produtos bolivianos, abrindo o caminho para o ingresso da Bolívia como membro pleno do bloco do Mercosul. Tomamos a decisão de eliminar todos os entraves para que o Brasil possa absorver as exportações bolivianas ameaçadas pelo corte das preferências comerciais hoje oferecidas pelos países desenvolvidos”, anunciou Lula, referindo-se ao principal entrave para que a decisão política de ingressar no Mercosul se efetive.



Da redação, com agências