Para Jô Moraes, a mulher precisa se assumir como sujeito da história
Por Priscila Lobregatte
Em entrevista ao Vermelho, a deputada federal pelo PCdoB de Minas Gerais fala a respeito da 1ª Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher – que acontece em março, na capital federal – e do desafio de
Publicado 16/02/2007 16:41
Jô Moraes sabe bem o que é ser mulher, mãe e política. A recém-eleita deputada federal pelo PCdoB de Minas Gerais começou sua militância pelo movimento estudantil. Perseguida durante a ditadura, aos 25 anos teve de se afastar de sua família e cair na clandestinidade para proteger a própria vida. “A junção entre vida militante e vida pessoal era muito difícil porque as escolhas políticas me obrigaram a me separar inclusive das minhas relações afetivas”, lembra Jô.
A parlamentar, que se tornou uma das principais lideranças da luta pela igualdade de gêneros, esteve em São Paulo recentemente, participando da reunião da Comissão Política Nacional do PCdoB. Na ocasião, falou ao Vermelho sobre a importância da luta emancipacionista e da necessidade de mobilizar toda a estrutura partidária nas discussões que antecedem a 1ª Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher, marcada para março, em Brasília. “A questão da mulher deve envolver todo o partido porque esta bandeira faz parte de um objetivo mais geral, que é a luta emancipadora da classe operária”.
Como forma de estimular a militância para o debate, Jô ressaltou que a direção do partido em seu estado está propondo uma série de ações, tais como a leitura coletiva da tese em todas as instâncias partidárias, o incentivo à participação da Tribuna de Debates e a divulgação do evento por meio de cartazes e material impresso. Confira, a seguir, os principais trechos dessa conversa.
A questão da mulher, além das fileiras comunistas
“Uma de nossas preocupações no processo da Conferência Nacional sobre a Questão da Mulher é fazer com que a sociedade tome conhecimento de que o PCdoB está discutindo o assunto e saiba quais são as posições do partido a respeito. Acreditamos que a discussão sobre a luta emancipacionista não deve se restringir ao PCdoB, mas se estender ao conjunto da sociedade. O PCdoB fará a conferência para tentar compreender a etapa atual da luta da mulher, ou seja, saber que nova mulher é essa que surgiu nos últimos 25 anos, o porquê da manutenção dos preconceitos, os avanços já conquistados pela luta feminista e, sobretudo, como fazer com que o conjunto do partido compreenda o papel e a importância da luta transformadora que envolve a mulher. E essas tarefas somente serão alcançadas num nível elevado se a sociedade puder contribuir nessa elaboração”.
Desafios intrapartidários
“No começo deste, a Comissão Organizadora da conferência debruçou-se sobre como intensificar o debate em todas as instâncias partidárias e áreas de influência onde o partido atua. O grande desafio detectado foi como motivar toda a estrutura do partido a pelo menos estudar o documento, de maneira que os comunistas tomem conhecimento das idéias centrais que o PCdoB já acumulou sobre o tema. Um dos desafios que o evento pretende enfrentar é transformar a questão da mulher num debate que envolva todo o partido. Mas a gente precisa provar porque a questão da mulher é uma questão de todo o partido. Ainda não é, mas deve ser. E compreender isso passa por um esforço de formação teórica na base do partido onde, muitas vezes, o problema ainda não foi abordado”.
A mulher e a luta emancipacionista da classe operária
“A questão da mulher deve envolver todo o partido porque esta bandeira faz parte de um objetivo mais geral, que é a luta emancipadora da classe operária. O Partido Comunista existe para buscar a construção de uma sociedade nova, socialista. E para a construção dessa sociedade, é preciso, sobretudo, que os trabalhadores e trabalhadoras, que são a classe que produz a riqueza no país e no mundo, tenham liberdade para produzir, ganhem bons salários, adquiram a consciência de como o seu trabalho é importante – saindo daquela situação que a gente chama de alienação – e consigam se libertar das relações de opressão. Numa sociedade capitalista, isso não é possível. Por enquanto, esse processo de libertação da classe trabalhadora ainda precisa ser construído. E essa libertação da classe trabalhadora tem de ser compreendida como a libertação da classe em seus dois sexos. A força agregadora que ajudará a avançar nessa luta transformadora tem de ser formada pelas forças masculina e feminina. A grande motivação para que a questão da mulher seja de todo o partido está exatamente nesta compreensão: de que a classe não se libertará se apenas um lado estiver libertado”.
Dificuldades para participação da mulher na vida política
“A participação da mulher na política não é simples porque sua vida tem limitações grandes. Eu aponto, em primeiro lugar, a falta de consciência que mulher tem sobre a sua própria força. Ele precisa perceber que o mundo não se transformará sem sua participação. Outra dificuldade é que muitas mulheres acreditam que política é uma coisa para os homens, enquanto a família e os filhos são responsabilidade apenas dela. E a mulher precisa se assumir como sujeito da história. A segunda dificuldade enfrentada é que a sociedade não tem mecanismos para preparar a mulher para uma maior participação na vida política. Então, muitas vezes há uma grande defasagem entre a experiência política da mulher e a do homem e por isso ela se sente insegura, tem medo de falar besteira, quando sua própria experiência já agrega muita coisa nova. Este aspecto exige uma atitude do conjunto da sociedade para formar as mulheres”.
“A terceira dificuldade da mulher diz respeito à sua própria vida. A maternidade acaba sendo de sua responsabilidade e a mulher muitas vezes não tem onde deixar seus filhos para participar de reuniões, encontros e debates. Não há creches ou equipamentos públicos de que resolvam isso. A mulher acaba tendo que se virar porque se existirem dois companheiros militantes, em geral é a mulher quem se sacrifica e deixa de participar de atividades importantes para ficar com os filhos. Se a mulher precisa faltar às atividades do partido por ter de cuidar de algo relacionado às crianças, esse absenteísmo dela acaba sendo visto como um descompromisso e não como uma contingência da vida cotidiana. A mulher vivencia uma militância muito mais sacrificada porque acumula responsabilidades políticas e domésticas. Discutir essas questões é uma forma de motivar os militantes a participarem da conferência”.
Maior ligação com as mulheres do povo
“As mulheres da periferia e as trabalhadoras têm uma grande participação na base do PCdoB. E isso acontece porque o debate gira em torno de pontos muito objetivos, que estão na ordem do dia. Já a dificuldade de se participar das formulações e dos movimentos feministas são parte de uma herança do movimento feminista que precisa ser superada. Qual é essa herança? Em primeiro lugar, os movimentos ficaram, em certa medida, dentro de um gueto, tratando apenas de questões específicas. Em segundo lugar, o movimento feminista fragmentou-se em sua ação. Havia grupos que discutiam só aborto; outros abordavam apenas a saúde e havia aqueles que só tratavam da violência, sem perceber a mulher em sua totalidade. Ao se tratar desses problemas de maneira fracionada, as mulheres acabaram também se dividindo. Outro problema é a forma acadêmica que o feminismo assumiu. Os movimentos feministas – inclusive o nosso movimento, das emancipacionistas – devem construir um novo discurso, que seja entendido pelas não-especialistas. E esse discurso deve tratar da libertação da mulher das dificuldades cotidianas e da diminuição de suas mazelas através de políticas públicas que consigam melhorar a sua vida. A superação desse discurso fechado, dessa linguagem de especialistas, é o grande desafio que temos hoje porque ele faz com que as mulheres se distanciem dos movimentos organizados”.
Iniciativa agregadora
Uma das grandes conquistas que as mulheres brasileiras tiveram foi, simbolicamente, o fato de 11º Congresso do PCdoB ter pautado essa questão nos seus estatutos e nas formulações e iniciativas organizativas. Isso contribuiu para que outras forças, além do PCdoB, participem dessa construção. No lançamento das teses no Espírito Santo, por exemplo, havia representantes da direção do PSB, PT, PSol. A força agregadora dessa iniciativa é muito grande. Por isso, as comunistas e os comunistas têm de ter, como compreensão central, que toda a discussão sobre preconceitos faz parte da luta pela liberdade humana, sendo a liberdade o caminho para a felicidade. E a felicidade só vai acontecer se homens e mulheres forem livres, conscientes e compreenderem suas limitações e suas capacidades transformadoras. Ao tratar deste assunto, podemos diminuir, no interior do partido e da sociedade, as distâncias subjetivas que separam homens e mulheres.
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