Zé Celso comparece hoje à ocupação Prestes Maia em SP

Nesta terça de Carnaval (20/2), o teatrólogo José Celso Martinez Corrêa, encarnando o profeta Antônio Conselheiro, dará seu apoio às famílias que habitam a Ocupação Prestes Maia, em São Paulo, ameaçadas de despejo pela Justiça, às 20h. Nesta entrevista, q

O acampamento de sem-teto montado diante da prefeitura de São Paulo recebeu uma visita inusitada na terça-feira passada (13/2). O diretor do Teatro Oficina, José Celso Martinez Corrêa foi conhecer alguns dos acampados. São todos cidadãos em risco de despejo, que há três semanas lutam para pressionar o prefeito Gilberto Kassab (PFL-SP) a interceder em favor das famílias que habitam a ocupação Prestes Maia, a maior ocupação vertical da América Latina. Hoje, dia 20 de fevereiro, terça de Carnaval, às 20h, Zé Celso manifestará no local seu apoio às 468 famílias que ocupam o edifício.



Iniciada em 2002, a ocupação corre o risco de ser despejada no próximo domingo (25/2). O edifício, localizado na avenida Prestes Maia, no centro de São Paulo, tem 22 andares e abriga um total de 1.630 pessoas.



“Eu fiquei apaixonado [pela ocupação Prestes Maia], porque a base, o combustível, a dinâmica desta ocupação é uma biblioteca. Tem um significado absurdo”, diz Zé Celso. Ele afirma haver semelhanças entre o edifício dos sem-teto e o Teatro Oficina, já que “os dois prédios estão ameaçados pelo poder instituído”.



Para o diretor, a ocupação Prestes Maia também se parece com Canudos, por retratar um povo massacrado, que resiste aos ataques dos homens da classe alta, homens que sequer sabem o que havia naquele lugar. Recentemente, um abaixo-assinado em defesa da ocupação Prestes Maia foi colocado na internet. Quem desejar assiná-lo, pode fazê-lo no seguinte endereço: http://www.petitiononline.com/pmaia911/.



Há uma agenda de ações em defesa da ocupação Prestes Maia, preparada pelos militantes que dão apoio aos sem-teto. Nesta terça-feira (20), às 17h30, houve a exibição do filme Canudos e um debate com o professor Aziz Ab'Sáber no prédio da ocupação. Às 20h, os atores do Teatro Oficina e o próprio Zé Celso farão uma performance, intitulada Canudos é Aqui.


Na quinta-feira (22/2) à noite, um cordão de carnaval sairá da ocupação Prestes Maia até a prefeitura, em protesto. No sábado, véspera do despejo, haverá um ato ecumênico e uma vigília contra o desalojamento das famílias que dura o dia todo.



Biografia militante



Zé Celso fundou o Teatro Oficina em 1958. Sua carreira é marcada pelo estilo libertário e pelo flerte que mantém com a contracultura. Ele dirigiu espetáculos memoráveis durante as décadas de 1960 e 1970, como O Rei da Vela e Na Selva das Cidades.



Por sua atitude contestadora, aliás, Zé Celso foi um dos intelectuais mais perseguidos pelo regime militar. Ele foi preso em 1974, e acabou sendo exilado em Portugal, onde permaneceu até 1979.



O Teatro Oficina atingiu o ápice da contracultura em 1967, com a montagem de O Rei da Vela, em que o próprio Zé Celso eleva sua montagem à categoria de manifesto, e assume uma postura de liderança teatral no movimento Tropicalista.



O espetáculo Os Sertões, montagem mais recente do Teatro Oficina, consumiu seis anos até que fosse completamente terminado. São mais de 60 pessoas envolvidas desde 2003 na produção da peça. Ela recria o monumental livro de Euclides da Cunha sobre uma ótica “antropofágica”, como define o próprio Zé Celso.



Leia abaixo os melhores trechos da conversa com Zé Celso sobre a ocupação Prestes Maia:



A ocupação Prestes Maia tem o apoio do Teatro Oficina?


Com certeza. Vamos tentar evitar este despejo. Acho importante dizer que o personagem Francisco Prestes Maia [considerado o maior urbanista de São Paulo] foi um grande homem, casado com uma atriz de teatro de revista maravilhosa, a atriz portuguesa Maria [Manuela].



Você chegou a conhecer a ocupação? O que achou dela?


Fui lá, ver como é a [ocupação] Prestes Maia. Eu fiquei apaixonado, porque a base, a infra-estrutura, o combustível, a dinâmica desta ocupação é uma biblioteca. Tem um significado absurdo. É esta a grande resposta que pode vencer [o despejo].



Vejo uma semelhança com o Teatro Oficina, onde a força é a árvore, que cresce no meio do teatro e se espalha pelo terreno vizinho. Acho que, nesta ocupação, a maior chave é a cultura, é a biblioteca, são os grafites, as imagens de Jimi Hendrix ao lado de Che Guevara… Acho que [a ocupação] é uma inovação, e o prefeito tem que interceder a favor dela.



Que mais há de relação entre a Prestes Maia e o Teatro Oficina?



A relação é total. Os dois prédios estão ameaçados pelo poder instituído, seja o público ou o privado, e a ocupação dos sem-teto tem muito a ver com Canudos. O próprio Aziz Ab’Saber fez uma conferência na Prestes Maia e estabeleceu esta relação com Canudos, com os povos massacrados.



Na terça-feira (20), possivelmente às 20h, vou levar os atores do Teatro Oficina para ocupação Prestes Maia, e vou vestido de Antônio Conselheiro, com uma batina e tudo.



Você vai tentar falar com o prefeito Gilberto Kassab (PFL-SP)?


 


Vou sim, mas acho que ele não vai me receber. Temos uma entrevista marcada sobre o Teatro Oficina, eu quero que ele realize o projeto Paulo Mendes da Rocha para o Minhocão e que ele apóie a revisão do tombamento do entorno do Teatro Oficina pelo Conselho de Proteção ao Patrimônio Histórico (Concresp).



Eu confio que este prefeito, que outro dia se desculpou por haver ofendido uma pessoa [de vagabundo], pode ser um prefeito legal. Ele fez alguma coisa boa para a cidade, contrariou os interesses da classe média-alta ao propor uma lei que proíbe os outdoors, então não podemos ter só uma visão das coisas, ir contra ele sem pensar.



Mas Kassab precisa conhecer a ocupação Prestes Maia, ele não pode fazer como foi feito Canudos, uma cidade que foi massacrada sem que os homens públicos soubessem o que havia por lá.



Eu fui até a ocupação Prestes Maia, é maravilhoso, é sui generis. Esse povo de classe alta, os empresários e políticos, eles vivem fechados em ar condicionados, vivem em suas salas, eles não conhecem as coisas que estão destruindo.