São legítimas as ações do MST e da CUT em São Paulo?

No artigo ''Capitalismo, corrupção e movimentos sociais'', o advogado e acadêmico Eduardo C. B. Bittar, secretário-executivo da Associação Nacional de Direitos Humanos, defende as recentes ações do MST e da CUT no estado de São Paulo. O texto foi publicad

Capitalismo, corrupção e movimentos sociais


 


Por Eduardo C. B. Bittar *


 


Pensar as questões que incomodam o Brasil em nosso atual e conturbado contexto caminhando para além da pressão do sensacionalismo e da opinião pública alarmista parece ser desafiador, especialmente quando o clima de violência aterroriza a população.


 


A hodierna realidade de contrastes torna mais evidente aos olhos que existem dois Brasis -um próspero ao lado de um outro injusto. O Brasil que produz e cresce independentemente de qualquer coisa é diferente daquele outro Brasil que padece de uma série de males sociais. Estes últimos estariam na dependência da própria força de uma política forte e estruturante para garantir a vitalidade das instituições públicas.


 


Reverter essa equação -a equação que tem produzido os episódios que vêm ocupando a atenção da mídia nos últimos meses- é tarefa de responsabilidade para toda uma nação, que deve aprender que a festa do Carnaval deve ser vista como uma exceção no calendário anual, e não uma regra na determinação da vida pública.


 


A corrupção é uma dessas questões que se costuma noticiar para, em seguida, esquecer. A corrupção é sintoma de mazelas na consciência da responsabilidade público-coletiva. Compreendida como um fenômeno da processualidade do quotidiano, a corrupção é esquecida como fator determinante da ineficiência das instituições sociais.


 


A justiça social como pauta


 


Se o capitalismo sobrevive apesar da corrupção, o que não sobrevive apesar dela é a justiça social. No entanto, se justiça social é um tema esquecido, ela continua pautando a atuação de organizações que agem paralelamente ao Estado. Por isso, as recentes ocupações do MST no Estado de São Paulo revelam a insatisfação com a morosidade das ações do governo na área, não importa se estadual ou se federal.


 


Ao contrário de serem formas ilegítimas de luta, são os modos de que se reveste o poder popular de reivindicar e solicitar a atenção dos governos e das políticas para temas emergentes da agenda social.


 


Os movimentos sociais são expressão da soberania que se concede àqueles que são os primeiros detentores de toda forma de poder social e a parte viva de toda ordem constitucional efetivamente democrática, sendo sua atuação independente do Estado sua grande virtude.


 


Os movimentos sociais são a expressão de que a esfera pública política se constitui de um grande conjunto de ações que formam a representação da luta por reconhecimento, na feliz expressão de Axel Honneth.


 


É da união dos atores dos movimentos sociais que se faz a força da política e da cidadania.


 


Independência e resistência


 


As negociações que se fazem com o Estado são a forma de entendimento que consente a complementaridade necessária para a construção de um espaço público sempre e constantemente vigiado contra os assaltos que são feitos contra a dimensão do que é coletivo e comum e, somente por isso, fundamental a todos.


 


Mais, os movimentos sociais possuem formas de liderança que são independentes de toda tentativa de burocratização interna de seu sentido. Os movimentos sociais não são um Estado paralelo. Por isso resistem a toda forma de aprisionamento, respeitando apenas lideranças naturais e espontâneas. A peculiaridade do poder comunicativo na esfera pública política decorre da oportunidade sempre constante de realização e aprimoramento da democracia, já que ela depende de um estado permanente de vigilância em torno da garantia da cidadania.


 


A responsabilidade com as gerações futuras, a antevisão da formação de um povo engajado com seus compromissos públicos comuns, a criação de condições para o desenvolvimento de um capitalismo com menos distorções e o reforço para a incrementação de mecanismos para a criação de condições de provocar igualização de oportunidades sociais devem ser os estímulos para uma preocupação que induza a mudanças nessa temática.


 


* Eduardo C. B. Bittar, advogado, professor associado do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP, é pesquisador sênior do Núcleo de Estudos da Violência (NEV-USP) e secretário-executivo da Associação Nacional de Direitos Humanos