Governo não admite, mas foi negligente no acidente do Metrô

Responsabilizar só o consórcio contratado para executar a obra, como querem alguns representantes do governo paulista, é negligenciar a atribuição do poder público de fiscalizar, diz em artigo o engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvim

Leia o artigo abaixo.


 


A responsabilidade do fiscal



 


No início da tarde de 12 de janeiro deste ano – uma sexta-feira quase 13 –, a sofrida população da cidade de São Paulo viveu outra experiência dantesca com o desmoronamento ocorrido nas obras de construção da Estação Pinheiros do Metrô paulistano, que ceifou a vida de sete pessoas, inocentes vítimas da provável irresponsabilidade de alguns profissionais.
 


Logo após a tragédia tornar-se uma nova atração televisiva, e no desesperado afã de isentar o órgão estatal estadual – e seus prepostos técnicos – das penalidades decorrentes do fatal acontecimento, ocupantes temporários de cargos públicos declararam à imprensa em uníssono que, como decorrência da modalidade escolhida para a contratação das obras (“turn key”), a responsabilidade pelo letal desabamento recaia integralmente sobre o consórcio construtor.
 


Pode-se entender que na afoita prestação de satisfação à opinião pública, autoridades mal assessoradas possam cometer arbitrariedades, todavia, nunca podemos olvidar do estado de direito tão penosamente restabelecido em nossa Pátria após um longo período de cruel autoritarismo.
 


Com a devida vênia, a afirmação dessas autoridades é insustentável por contrariar o arcabouço legal vigente, além da doutrina e jurisprudência, pois em seu artigo 67 a Lei de Licitações e Contratos Administrativos (n° 8.666/93) explicitamente regra que:
 


“A execução do contrato deverá ser acompanhada e fiscalizada por um representante da Administração especialmente designado, permitida a contratação de terceiros para assisti-lo e subsidiá-lo de informações pertinentes a essa atribuição”.
 


Portanto, a atividade de fiscalizar obra pública é atribuição indelegável do administrador público nomeado como gestor do contrato, cuja designação obedece à lei administrativa correspondente ao Decreto Federal nº 2.271/97 que, em seu artigo 6º, determina:
 


“A administração indicará um gestor do contrato, que será responsável pelo acompanhamento e fiscalização da sua execução, procedendo ao registro das ocorrências e adotando as providências necessárias ao seu fiel cumprimento, tendo por parâmetro os resultados previstos no contrato”.
 


Na impensável hipótese de o Metrô paulistano ter delegado ao construtor a função de fiscalizar a si próprio, estaria caracterizada a violação dos ditames legais supramencionados tornando nulo de pleno direito o contrato celebrado entre as partes.
 


A jurisprudência pátria afastou a possibilidade de qualquer outra interpretação divergente da norma ao se manifestar que:
 


“Responsabilidade do Engenheiro Civil – Construção – Responsabilidade do engenheiro civil, projetista e fiscal da obra – Responde solidariamente pelos danos causados em razão de falhas da construção o engenheiro fiscal que negligencia em suas atividades profissionais”. (RT,584,92).
 


O prestigiado doutrinador Marçal Justen Filho assim prelecionou sobre o tema:
 


“A Administração tem o poder-dever de acompanhar atentamente a atuação do particular. O interesse público não se coaduna com uma atuação passiva da Administração (…) A atividade permanente de fiscalização permite à Administração detectar, de antemão, práticas irregulares ou defeituosas (…) As regras contratuais destinam-se a disciplinar atividade de fiscalização. Visam evitar que a fiscalização seja desenvolvida de modo inconstante ou não sistemático”.(em ‘Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos’).
 


Por fim, em seu artigo 9o – “f” – III, o Código de Ética Profissional da Engenharia, Arquitetura e Agronomia (de 6/11/2002) regula que:
 


“No exercício da profissão são deveres do profissional: (…) alertar sobre os riscos e responsabilidades relativos às prescrições técnicas e às conseqüências presumíveis de sua inobservância”.
 


Resta, assim, sucintamente demonstrada a incontestável co-responsabilidade do fiscal nas ações e omissões praticadas pelo construtor no transcurso de uma obra pública, e a sociedade espera que os eventuais desvios de conduta de cúmplices que contribuíram para o mortal desastre sejam exemplarmente punidos a bem do interesse público.
 


*Osvaldo Martins Rizzo é engenheiro e ex-conselheiro do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).


 


Fonte: Congresso em Foco