Movimentos sociais querem mais acesso à cidade

Para que a integração das políticas de transporte, habitação e uso do solo traga os resultados esperados, será preciso democratizar efetivamente o acesso à cidade, enfrentando a exclusão e buscando construir uma cidade fraterna e solidária. Por Antonio Bi

A exclusão nos transportes e no acesso à cidade é uma questão fundamental a ser enfrentada pelos atuais gestores brasileiros, especialmente nas regiões metropolitanas. Segundo dados da Pesquisa Origem e Destino 1997 e Aferição da Pesquisa O/D 2002 do Metrô a participação das viagens a pé na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) passou de 34% para 37% do total de viagens diárias entre 1997 e 2002, praticamente retomando a participação de 1987, que era de 36%. As viagens a pé passaram de 10,8 milhões em 1997 para 14,2 milhões em 2002. Boa parte desses deslocamentos tem uma explicação comum: a falta de recursos da população.


 


Apesar do quadro, o subsídio dedicado pela capital paulista ao transporte coletivo é ainda baixo se comparado a outras cidades da América Latina ou Europa. O secretário municipal de Transportes, Frederico Bussinger, afirma que a Prefeitura “faz um esforço tremendo para subsidiar”, tendo dedicado R$ 320 milhões a esse item no Orçamento de 2007. Para o secretário, a cidade “pode subsidiar mais, mas vai tirar de outros setores. É uma decisão da sociedade”. Ele também argumenta que em São Paulo “você compra duas horas de transporte, que podem garantir uma viagem de ida e volta, de modo que se torna uma das passagens mais baratas do país”.


 


Para Monique Sélix, do Movimento Passe Livre (MPL), houve uma piora no transporte coletivo na atual gestão, por exemplo pelas restrições no Bilhete Único, que, entre outras medidas, limitou a quatro o número de integrações durante as duas horas. “As modificações de Serra e Kassab, contudo, já estavam previstas no plano de transportes da gestão Marta”, ressalta. Monique defende que o transporte precisa ser visto como um direito de todos e não como mercadoria, inclusive por ser um direito que colabora para a garantia de todos os outros. “É algo central para o acesso à cidade”. Ela questiona as mudanças promovidas nas linhas pela atual gestão, de forma repentina e sem diálogo com a população – com mudanças de itinerário, exclusão de linhas e criação de outras.


 


Para o secretário de Transportes, a modificação em determinada localidade pode não ter sido boa. “Se não foi, pode-se corrigir. Tem que ser comunicado à Prefeitura. Em outros casos, foi muito positivo. Qualquer decisão pode ser revista. Mas ela deve ser revista?”, indaga.


 


Em diálogo com Bussinger, o urbanista Marco Aurélio Lagonegro aponta que os ônibus da capital funcionam hoje essencialmente para as pessoas irem e voltarem do trabalho. “Para a cultura, lazer, transportes na noite-madrugada, etc., não há apoio ao passageiro”. O secretário Bussinger relativiza: “São Paulo é uma cidade carente, mas não ausente, temos algumas linhas”. Ele acrescenta que a Prefeitura pretende criar duas sub-redes entre os ônibus locais: a destinada às pessoas com deficiência e a noturna. “Mas este ano priorizaremos segurança e qualidade”.


 


Causas e conseqüências


 


A força do transporte individual e as dificuldades de mobilidade dos mais pobres na RMSP possui explicações conhecidas, que vão da força da indústria automobilística e empreiteiras à especulação imobiliária e ao descaso de muitos governantes com o transporte público, especialmente o ferroviário. Fatores que se influenciam e dialogam reiteradamente, gerando graves conseqüências.


 


Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) na pós-graduação em Economia, relata que em São Paulo, na área da subprefeitura de Cidade Tiradentes (extremo Leste), vivem cerca de 190 mil pessoas, 124 mil delas economicamente ativas, e existem somente 2,4 mil empregos. “Quanto mais longe do Centro, mais barato o terreno, e Cidade Tiradentes vem crescendo demograficamente a uma taxa de 5% a 7%, o que vem gerar uma pressão imensa sobre os transportes”. A situação, explica, se repete nos demais extremos da cidade.


 


Para Nabil Bonduki, professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU-USP), e diretor da ONG Casa da Cidade, não se resolverá a situação “simplesmente colocando mais transporte. É preciso reverter essa situação de ‘cidade pendular’”. Para tanto, as políticas na RMSP devem convergir para que haja estrutura e oportunidades onde as pessoas moram, e trazê-las para morar onde tais condições já estão postas.


 


Neste sentido, a re-valorização de espaços centrais até pouco tempo abandonados pelas classes média e alta, como nos casos da Barra Funda, Santa Cecília e do próprio Centro da capital, trazem novos desafios ao poder público. Um dos mais importantes, assumir que tais regiões, dotadas de estrutura, devem oferecer situações de moradia a todas as classes, e não somente às mais abastadas – situação demonstrada exemplarmente nos embates em torno da ocupação Prestes Maia, no Centro da cidade.