Começa jornada de lutas contra a transposição do São Francisco

A inclusão do projeto de transposição do rio São Francisco no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) somada a declarações de ministros sobre o caráter irremediável da obra fizeram o frei Luiz Flávio Cappio, bispo da Diocese de Barra (BA), romper um s

Em outubro de 2005, o religioso realizou uma greve de fome contra o, à época, iminente início da transposição. O gesto angariou apoio de diversos movimentos sociais e o acordo para interromper a manifestação, condicionado à suspensão do projeto e ao início de um amplo diálogo sobre o desenvolvimento do semi-árido, representou uma das maiores vitórias da esquerda no primeiro mandato o governo Luiz Inácio Lula da Silva.


 


Em carta protocolada, no dia 22, frei Luiz faz um apelo: “senhor presidente, sempre vestimos sua camisa. Ainda estamos vestidos nela. Nossa contribuição de fiel militante da causa do povo é para que o senhor seja verdadeiramente aquilo a que se propôs, o de ser o presidente de todo o povo brasileiro, especialmente dos pobres deste país, por serem os que mais necessitam de sua atenção”.


 


 


Jornada de lutas


 


 


No entanto, os movimentos sociais e organizações não-governamentais contrários à transposição não pretendem esperar passivamente por uma resposta do governo. Mais de 50 entidades – entre elas a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Conselho Pastoral dos Pescadores (CPP), a Pastoral dos Reassentados, a Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP) e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) – anunciaram, também no dia 22, o início de uma grande jornada de lutas.
Dentre as principais mobilizações já anunciadas estão acampamentos nos locais previstos para a captação das águas do Velho Chico e um outro em Brasília (DF), para onde se dirigirão seis ônibus no dia 12 de março. Durante os protestos na capital federal, que não possuem prazo para terminar, será realizada uma série de ações nos órgãos responsáveis pela liberação da obra, como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) e o Supremo Tribunal Federal (STF). Além de superar a pressão popular, para começar, o projeto precisa da licença ambiental de instalação. Já o licenciamento prévio, concluído em 2005, permanece sendo julgado no STF.


 


A primeira manifestação da jornada de lutas já aconteceu. Foi no lançamento de Belo Horizonte (MG) da Campanha da Fraternidade 2007, cujo tema é a defesa da Amazônia. No evento, cerca de 2 mil pessoas participaram do lançamento de um manifesto no qual alertam: “aqui estamos, na Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco, tão ou mais ameaçada que a amazônica. Então, vamos salvar o São Francisco, para ajudar a salvar a Amazônia. As ameaças sobre ambos têm o mesmo endereço: a ampliação dos negócios e a concentração de riquezas”.


 


Protestos como o de Belo Horizonte estão previstos para acontecer, nos próximos dias, em Ibotirama e Juazeiro (ambos na Bahia). Também está sendo planejada uma articulação com movimentos feministas para incorporar o veto à transposição na pauta do Dia Internacional da Mulher, em 8 de março.


 


 


Brios


 


 


Ruben Siqueira, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), conta que as tentativa de impor o início das obras mexeram com o brio da militância. Desde o início do ano, o governo tomou diversas posturas  nesse sentido. No dia 22 de janeiro, a inclusão da obra – ignorada durante a campanha eleitoral – no PAC foi oficializada; durante as comemorações dos 27 anos do Partido dos Trabalhadores em Salvador (BA), nos dias 9 e 10 de fevereiro, a ministra-chefe da Casa Civil Dilma Rousseff declarou ao Correio da Bahia que o diálogo acerca do projeto tinha sido “levado até o seu limite”; e o ministro Pedro Britto, da Integração Nacional (principal empreendedor do projeto), além de lançar edital para licitar os projetos executivos da transposição, já anunciou várias vezes que as obras poderiam começar ainda em fevereiro, tendo à frente o Exército.


 


“Estamos na mesma linha do frei Luiz, esperando uma resposta do governo no sentido de retomar o diálogo. Porém, não dava para ficar calado diante das manifestações do Ministério da Integração. Acredito que o governo vai tentar tratorar os movimentos. Tem muita pressão do outro lado: o lobby da transposição (oligarquia cearense e latifundiários do semi-árido que receberiam a água da obra para utilizar em siderurgias e na irrigação em larga escala) e barganhas políticas visando as eleições do ano que vem. Mas estamos deixando claro nossa vontade de dialogar. Se o governo ignorar, então tomaremos medidas mais contundentes”, garante Siqueira.


 


 


Diálogo


 


 


A carta de frei Luiz, a qual se assume como “amiga e fraterna”, está toda construída na tentativa de manter as conversas com o governo. Quase a metade dos parágrafos começam com a frase “retomo o diálogo…”. Neles o bispo justifica os motivos porque escreve.


 


Lembrou da menina que morreu, no início de fevereiro, em Petrolina (PE), às margens do rio São Francisco, ao cair quando tentava “roubar” água em um canal de irrigação. O assentamento onde ela morava não tinha água nem para beber. “Uma menina sem água que morreu afogada”, na descrição de Roberto Malvezzi, também da CPT.
Frei Luiz também destaca o fato da transposição consumir R$ 6,6 bilhões (2,1 bilhões a mais do que estava planejado), ou seja, mais de 50% dos recursos do PAC para recursos hídricos. Ele reforça relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) divulgado, em novembro de 2006, revelando que o os números de famílias e municípios beneficiados pelo projeto foram inflaconados pelo governo.


 


 


O bispo lembra também que, em dezembro de 2006, a Agência Nacional de Águas (ANA) publicou o seu Atlas do Nordeste. O estudo diagnostica as necessidades de água até 2025 dos 1,3 mil municípios da região (todos aqueles que possuem mais de 5 mil habitantes) e propõe 530 ações para solucionar os problemas futuros. A transposição, no entanto, não é uma dessas obras.


 


 


“Não faltam alternativas. Falta uma decisão política mais lúcida”, completa frei Luiz.