Beviláqua decidiu sair do BC um dia após divulgação do PIB

Pode ser só coincidência, mas um dia depois de o país ser informado que 2006 foi mais um ano de crescimento frustrante da economia, o Banco Central (BC), tido por muitos como culpado pela decepção, anunciou uma mudança na diretoria. E a troca atinge aquel

Ele deixa o posto, que ocupava há quatro anos, dizendo ter tomado uma decisão própria baseada em motivos pessoais. O presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, também afirmou que houve uma opção individual do subordinado, e não resposta a pressões políticas.



Apesar das afirmações de que se trata de uma decisão individual e das negativas de que houve pressão política, a saída de Beviláqua já estava certa, por um desejo do presidente Lula. O presidente está decidido a fazer mudanças no BC desde a eleição. Meirelles admitiu que pode haver novas mudanças.



Uma pista de que influências políticas podem ter pesado na saída pode ser encontrada numa segunda possível coincidência. Beviláqua decidiu sair apenas seis dias antes de a diretoria do BC se reunir, como faz a cada a cada seis ou sete semanas, para rediscutir a taxa de juro. E fez isso apesar de Meirelles ter dito à imprensa que pediu aos subordinados para só tomar uma decisão sobre ficar ou sair do BC, quando o governo finalizasse a reforma ministerial.



O anúncio sobre uma eventual nova taxa de juros está marcado para a próxima quarta-feira (7). Meirelles e Beviláqua disseram que o diretor pode ou não participar dela. Depende do ritmo com que a substituição será feita. O substituto precisa de tempo para se inteirar das atribuições do demissionário. Para a vaga, irá outro diretor do BC, Mário Mesquita, da área de Estudos Especiais. Ele acumulará as funções por tempo indeterminado, segundo Meirelles.



Seis por meia dúzia?
Caso Mesquita seja efetivado na diretoria de Política Econômica, é pouco provável que haja algum abandono do “excesso de conservadorismo” Esta é opinião da economista Maryse Farhi, especialista em política monetária que prepara um estudo comparando a atuação do Banco Central brasileiro com o de outros países emergentes.



Para a professora da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Mesquita tem o mesmo perfil conservador de Beviláqua. Algumas credenciais do diretor apontam nesta direção. Ele foi economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) entre 1997 e 2000 e diretor da Federação Brasileira dos Bancos (Febraban) de 2005 a 2006, quando foi para o BC.



Outra evidência da harmonia com Beviláqua pode ser encontrada, segundo Maryse, em um texto produzido em conjunto pelos dois e que foi divulgado recentemente na página do BC na internet. Escrito em inglês, o trabalho faz apologia da política de juros adotada pelo BC no primeiro governo Lula. “O texto reafirma a opção de desinflação rápida, mesmo que sacrifique o crescimento. Por isso, se o Mesquita for efetivado, será uma troca de seis por meia dúzia”, afirmou a professora.



A Central Única dos Trabalhadores (CUT) tem preocupação semelhante com o risco de “seis por meia dúzia”. Inclusive, porque encara o conservadorismo do BC como uma característica da instituição que independe dos nomes assentados na diretoria. Mas a entidade mostrou certo otimismo, pois a troca atinge o coração da ortodoxia. “A mudança tem conteúdo simbólico forte, porque se trata de um dirigente com perfil conservador. Se representar efetivamente mudança de política econômica, será positivo”, disse o presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos.



Explicações oficiais
A saída de Beviláqua foi explicada à imprensa em uma entrevista dada por ele e Meirelles na noite desta quinta-feira (01). O banqueiro afirmou ter sido procurado durante o dia pelo subordinado, que lhe comunicou o desejo de sair imediatamente. O presidente Lula e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, foram avisados em seguida.



Na entrevista, Beviláqua disse que quer passar mais tempo com a família, que mora no Rio – ele fez carreira acadêmica na Pontifícia Universidade Católica do estado (PUC-RJ), tida como berço intelectual do conservadorismo brasileiro. E insistiu não ter precipitado a saída, ao contrário do que o chefe lhe pedira, por qualquer pressão política. Nem mesmo a saraivada de críticas disparada na véspera contra o BC, por causa de mais um crescimento baixo. “Foi motivação pessoal mesmo”, disse, lembrando que sofre críticas há quatro anos.



As críticas ao BC são antigas, como o diretor demissionário salientou, mas aumentaram nos últimos tempos. Especialmente depois da última reunião do BC sobre juros. A redução na taxa foi menor que a esperada pelos “desenvolvimentistas”. Depois disso, houve quem pedisse a demissão de Meirelles – caso do ex-ministro José Dirceu. Com a divulgação do crescimento econômico em 2006, nesta quarta-feira (28) a Força Sindical reforçou o pedido.



Ao divulgar o resultado da geração de emprego no ano passado, que ficou abaixo da expectativa, o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também atacou o BC. Ele culpou a política de juros pelo resultado. Chegou a dizer que o resultado deveria “servir de alerta” para a equipe econômica do governo, em particular, para o BC.



Alvo do tiroteio, Meirelles afirmou que a saída de Beviláqua é normal, porque o diretor era um dos mais antigos do BC e entrara para trabalhar nos quatro anos do governo anterior. O presidente do BC aproveitou para, ao menos na retórica, jogar uma ducha de água fria nos críticos que poderiam se animar com a troca. “A política do BC não é dependente de um ou outro diretor. É uma decisão colegiada”, disse. O Comitê de Política Monetária (Copom), que define a taxa de juros, é formado por todos os diretores do banco.