A luta pelo socialismo é atual porque o capitalismo apodreceu, diz secretário do PCdoB
Por Priscila Lobregatte
Na última reunião do Comitê Central do PCdoB, realizada em São Paulo de 9 a 11 de março, o secretário de Relações Internacionais, José Reinaldo Carvalho, apresentou um amplo informe sobre a conjuntur
Publicado 16/03/2007 16:37
Como membro do grupo de trabalho responsável pela realização do evento, José Reinaldo explicou que o partido apresentou sua candidatura para promover o encontro, proposta recebida de maneira positiva pelos demais partidos organizadores. Neste ano, o evento acontece em novembro e terá como mote central os 90 anos da Revolução de Outubro de 1917. “Esta será uma oportunidade para os partidos comunistas defenderem os ideais da revolução, que seguem vigentes”, disse. A seguir, você acompanha os principais trechos de uma entrevista que o secretário do PCdoB concedeu ao Vermelho analisando o cenário mundial.
Instabilidade e incerteza
“O mundo está vivendo um momento em que a marca principal é a instabilidade e a incerteza. As quedas das Bolsas de Valores registradas nas últimas semanas demonstram isso. Pouco a pouco se instala entre os investidores o pânico sobre a rentabilidade de seus investimentos. Primeiramente, tentou-se jogar uma cortina de fumaça e dizer que era uma crise chinesa, já que a primeira manifestação dessa onda foi na Bolsa de Xangai. Logo se viu que a causa não está na economia chinesa mas, principalmente, na economia norte-americana, com seus desequilíbrios estruturais e seus déficits colossais. Os EUA somam mais de US$ 3 trilhões as obrigações externas, decorrentes da acumulação de déficits no comércio exterior, uma posição insustentável no longo prazo.
O jornal da grande burguesia paulista, Folha de S. Paulo”, insuspeito de catastrofismo e anti-americanismo, chega a afirmar em editorial do dia 13 de março: Dos maiores credores do planeta – condição na qual emergiram da Primeira Guerra Mundial – os EUA se tornaram os maiores devedores. E em outro trecho: Se, por alguma razão, cidadãos, empresas e governos estrangeiros vendessem em massa títulos públicos, ações, imóveis e outros ativos que mantêm nos EUA, o efeito seria cataclísmico. Por ora não há, porém, sinais firmes de que o casamento de conveniência entre o mundo e os EUA vá terminar logo – e em divórcio litigioso. O frenesi nas Bolsas não foi capaz de abalar a confiança no dólar, na qual se assenta o sistema financeiro global. Mas não está escrito em nenhuma lei natural que o atual padrão vá permanecer indefinidamente. Seria até mesmo desejável que o mundo se afastasse desse modelo unipolar, dessa dependência excessiva do dólar`. (grifo nosso).
Portanto, os abalos nas Bolsas nas últimas semanas lançam dúvidas sobre o que vai acontecer. Revelam as bases frágeis e os enormes desequilíbrios do crescimento da economia observado em termos mundiais nos últimos anos, que podem resultar em situações dramáticas. Cada vez mais se evidencia como um mito a opinião de que a economia global está em expansão, teria encontrado um ponto de equilíbrio e crescimento sustentável e estaria vivendo um momento virtuoso”.
Ciclos limitados de crescimento
“O fato de nos últimos cinco anos terem sido registrados índices de crescimento na economia mundial e de não terem ocorrido crises financeiras tem levado alguns setores a fazer a apologia das capacidades de expansão da economia capitalista e, numa recidiva revisionista, a acusar de “marxismo vulgar e dogmático” o ponto de vista de que o capitalismo tende à estagnação e às crises. Não acredito que essas opiniões sejam ingênuas. Cândido existiu apenas na fecunda pena de Voltaire. Acho que são visões interessadas em embelezar o capitalismo, em confundir o ambiente político, em fazer com que os trabalhadores não percebam o caráter estrutural da crise do capitalismo. É uma forma de retirar partidos revolucionários e trabalhadores do campo da luta para o campo da conciliação de classes”.
Ofensiva brutal do imperialismo
“No campo político, é preciso ressaltar que continua vigente a política unilateral, belicista e militarista do imperialismo norte-americano. E a conjuntura internacional é fortemente marcada por essa ofensiva brutal imposta pelos Estados Unidos para exercer pela força a sua hegemonia no mundo. Os discursos mais recentes de Mr.Bush e Miss Condoleezza Rice, numa jogada política, procuram dar a impressão de que seu governo estaria saindo do unilateralismo para o multilateralismo, o que não é verdade. Isso pode ser evidenciado através de fatos políticos recentes”.
“No Iraque, os EUA aumentaram a aposta, ampliando os gastos militares e o número de soldados, o que significa que não está em cogitação a retirada a curto prazo das tropas de ocupação. O mesmo acontece com o Afeganistão, onde aumentou a presença militar imperialista, através da OTAN. Outro sinal é a crescente ofensiva norte-americana contra o governo legitimamente eleito da Autoridade Nacional Palestina, fomentando, inclusive, a guerra civil e fratricida entre as forças palestinas. Também podemos lembrar o recente bombardeio dos EUA na Somália , sob o pretexto de que estariam caçando dirigentes de redes terroristas internacionais, além de uma desenfreada militarização do continente africano. No Líbano, o governo Bush vem apoiando as correntes pró-israelenses incrustadas no governo e fomentando um ambiente propício para reiniciar uma campanha de cerco e aniquilamento das forças da Resistência. Ao mesmo tempo, os EUA prosseguem a ofensiva política, contra o Irã, a Síria e a Coréia do Norte, incluindo nessa ofensiva ameaças de agressão. Outro indicador da política unilateral e militarista é a retomada do programa de construção de escudo antimísseis, desta vez a partir dos territórios da Polônia e da República Tcheca, numa aberta provocação à Rússia”.
“Recentemente houve um incremento das posições antichinesas dos EUA a partir de uma reação dura do Departamento de Estado Norte-Americano e do Pentágono ao anúncio de que a China aumentou a dotação orçamentária para gastos militares. Ao mesmo tempo, o governo Bush está tentando fomentar uma suposta transição em Cuba. Para isso chegou a elaborar um plano de contingência, com o objetivo de instituir um protetorado americano em Cuba”.
Política dos EUA para a América Latina
“As expressões mais recentes dos interesses norte-americanos na América Latina estão evidenciadas na proclamação do chamado ‘ano do engajamento na América Latina’, cuja primeira ação foi a visita de George Bush a cinco países (Brasil, Uruguai, Colômbia, México e Guatemala). O objetivo dessa visita era reverter um processo objetivamente antiimperialista que está em curso no continente e que consiste no repúdio dos povos à Alca, aos tratados de livre-comércio, à existência de bases militares norte-americanas e nas vitórias eleitorais de forças progressistas. O fator mais saliente desse movimento objetivamente antiimperialista é a consolidação da Revolução Bolivariana na Venezuela, que vai aprofundando seu caráter popular e antiimperialista, ao mesmo tempo em que proclama seus objetivos socialistas.
Repúdio das massas
“A vinda de Bush à América Latina não resultou em nenhum êxito para o chefete imperialista. Ele foi repudiado pelas massas em todos os países pelos quais passou. No caso do Brasil, Bush queria jogar o governo brasileiro contra o venezuelano, através de lisonjas e migalhas, anunciando o reconhecimento do presidente brasileiro como o grande líder da América Latina e o papel destacado do Brasil nas relações hemisféricas. Mas, o governo brasileiro reafirmou que não iria aceitar desempenhar o papel de força de contenção do presidente venezuelano.
Bush queria também cativar a produção brasileira de etanol, no quadro da crise energética que os EUA enfrentam, sem fazer nenhuma concessão em relação às sobretaxas que os Estados Unidos impõem ao etanol produzido no Brasil. Na verdade quer fazer do Brasil uma grande “plantation” para seu abastecimento. Nesse aspecto o resultado da visita também foi pífio. No Uruguai, Bush queria que o governo assinasse o tratado de livre-comércio e o país preferiu se manter nos marcos do Mercosul. O imperialismo norte-americano tem colecionado derrotas políticas e militares na aplicação de sua política unilateral e belicista, o que o tem levado a tentar atrair aliados e a utilizar o recurso de instrumentalizar o Conselho de Segurança da ONU na aprovação de resoluções que lhe sejam favoráveis. A cena política revela, porém, um isolamento crescente dos Estados Unidos e a existência de melhores condições para o desenvolvimento das lutas dos povos pela paz, a soberania nacional, a democracia e o progresso social”.
O Brasil na luta antiimperialista
“Acho que o Brasil e as forças de esquerda precisam se colocar mais à altura desse ambiente antiimperialista que se desenvolve no mundo de hoje. É preciso elevar o nível da luta contra a política de guerra, contra o intervencionismo econômico e o protecionismo. É possível fazer uma política que leve em conta, de maneira mais frontal, os anseios democráticos e antiimperialistas do povo brasileiro. O desafio de sermos mais audaciosos, que o partido lançou como uma importante atualização de sua tática política, pode ser enfrentado também no terreno da política externa do governo, da ação internacionalista do PCdoB e dos demais partidos de esquerda. O governo precisa se constituir como um governo transformador, que vise a mudanças sociais mais profundas porque apesar das políticas sociais positivas, o país vive uma tremenda crise social que só será vencida se enfrentarmos os problemas estruturais, se comprarmos briga com o capital financeiro, se promovermos reformas agrária e urbana, se elevarmos o nível educacional e cultural do povo brasileiro e se aplicarmos políticas econômicas mais consentâneas com o objetivo de desconcentrar e redistribuir a renda no país”.
A perspectiva do socialismo
“O próximo Encontro Internacional dos Partidos Comunistas e Operários, que se realiza em novembro, terá como tema os 90 anos da Revolução de Outubro, a atualidade de seus ideais e as perspectivas da luta pelo socialismo na atualidade. O evento acontecerá dias 4 e 5 de novembro em Minsk, na Bielorússia. Em seguida, nos dias 6 e 7, acontecerão em Moscou os festejos do 90º aniversário da Grande Revolução Socialista de Outubro, promovidos pelo Partido Comunista da Federação Russa. É muito importante que o Partido dedique o conjunto das suas atividades durante o ano de 2007 a duas grandes datas – o 90º aniversário da Revolução de Outubro e o 85º aniversário do Partido Comunista do Brasil. Um partido como o nosso, que faz uma luta política intensa no seu cotidiano, que faz, com acerto, alianças políticas amplas, que aceita todos os desafios da luta de massas, assumindo lutas sociais, econômicas, políticas e culturais de variados níveis, deve enfrentar com o mesmo vigor a luta ideológica e reafirmar, em cada embate, os ideais socialistas das lutas dos trabalhadores, o Programa Socialista do Partido e a sua identidade comunista.
Vocação emancipadora
Hoje em dia, para nos levar à defensiva nesse terreno, para nos conduzir ao dilema de ter de renunciar aos princípios para sobreviver como força política, tentam estigmatizar os comunistas como uma força que atua mirando o retrovisor ou que é portadora do “marxismo vulgar” e do dogmatismo. Os princípios e a teoria revolucionária se atualizam no calor da luta – “cinzenta é a teoria, verde é a árvore da vida”, dizia o poeta. Mas atualizá-los não significa abrir mão dos objetivos socialistas, da identidade comunista, da luta de classes e da luta antiimperialista.
As circunstâncias, as formas, os atores da Grande Revolução Socialista de Outubro não se repetirão jamais em qualquer outro país, mas seus ideais estão presentes nas lutas atuais dos trabalhadores e dos povos do mundo. Ela é irrepetível como acontecimento datado historicamente, mas segue vigente em seus ideais, porque as contradições sociais e políticas que motivaram esta e outras revoluções, são ainda mais lancinantes e não se resolverão por geração espontânea. A luta pelo socialismo é atual porque o capitalismo apodreceu, não tem perspectiva. A humanidade está diante da disjuntiva entre o socialismo e a barbárie”. Os comunistas apostam na sua vocação emancipadora.