SP abre mostra do Museu da Solidariedade Salvador Allende

Existe no Chile um conjunto de obras internacionais que, apesar de formado meio desordenadamente, tem muita história para contar. A coleção do Museu da Solidariedade Salvador Allende foi inteiramente composta por doações de artistas americanos e europeus.

Esses artistas se solidarizaram com o governo de Allende (1970-73), interrompido pelo golpe militar. Um recorte com as principais obras da coleção pode ser visto a partir desta semana na galeria do Sesi, em São Paulo, em exposição com curadoria de Emanoel Araujo.


 


A falta de uma coesão curatorial é notável, mas tem explicação bastante óbvia: as peças não foram reunidas a partir de um centro, segundo o pensamento de um colecionador, de um curador ou de uma instituição: qualquer obra de arte doada era bem-vinda, não importava a origem, o suporte, a representação formal, o país.


 


Uma comissão encabeçada pelo brasileiro Mário Pedrosa e pelo espanhol José Maria Moreno Galván espalhava o convite. Aos artistas cabia aceitá-los ou não e enviar suas doações. As primeiras levas a se juntarem aos artistas chilenos (na coleção, Gracia Barrios é a principal deles), aportadas no Chile em 1971, são de espanhóis (Miró, Picasso, Alemany) e argentinos (Manuel Espinosa, León Ferrari).


 


Depois chegam obras de venezuelanos (Jesús Soto), brasileiros (Flávio Shiró, Antonio Henrique Amaral, Lygia Clark), uruguaios (José Gamarra), americanos (Calder, Frank Stella) e franceses (Francis Bernard), entre outros.


 


Didatismo


 


Das 2 mil obras que hoje compõem o conjunto e que ocupam um palacete já usado pelos militares durante a ditadura de Pinochet, as 130 mais importantes – que permanecem expostas em Santiago – vieram para a mostra. Araujo organizou a coleção de modo didático, dividindo-a por questões formais, com destaque para as obras surrealistas, depois as de figuração com discurso político e, finalmente, as de abstração construtivista.


 


O grupo espanhol Equipo Crónica (com um belíssimo óleo sobre tela sem título, em que três soldados se avolumam às costas de uma presença humana meio borrada), o francês Gerard Fromanger (com a tela Martine, em que uma mulher tenta apanhar algo dentro de um amontoado de galhos espinhosos) e uma serigrafia do brasileiro Cláudio Tozzi (Multidão, retratando o grito de um manifestante anônimo) exemplificam a força com que a figuração – às vezes sob influência da pop arte – se reafirma por uma posição política estratégica nos anos 60 e 70 e é mais eficaz do que a abstração.


 


Essas obras traçaram caminhos muitas vezes desconhecidos. Algumas até hoje estão sem identificação. Segundo o curador, existe na relação de obras guardadas pelo museu uma lista de 40 peças desaparecidas, doadas por brasileiros. É possível que tenham ficado no MAM do Rio, conta Araujo. Podem, portanto, ter desaparecido em um incêndio que destruiu quase 90% da reserva do museu, em julho de 1978.


 


O museu


 


Ainda no poder, antes do golpe militar do ditador Augusto Pinochet, em 1973, Allende pôde dar início ao projeto de um museu que teria uma coleção formada pelas obras doadas por artistas de todo o mundo – idéia concebida em 1971 por um grupo de intelectuais, entre eles, Pedrosa.


 


“É uma coleção feita em três tempos: primeiro, pela solidariedade ao Chile; em segundo, pela solidariedade da resistência; e, por fim, pela volta do museu”, diz Araújo, curador da mostra.


 


Entre 1971 e 1973 (ano da morte de Allende, deposto pelo golpe), o museu que nasceu político recebeu 400 obras. Mas, durante a ditadura, pode-se dizer que a instituição enfraqueceu, apesar de ainda continuar recebendo doações – ao mesmo tempo, as obras foram distribuídas por outras instituições museológicas chilenas.


 


Tempos depois, num Chile democrático, o museu teve um processo de reformulação e revitalização, do qual Araújo foi convidado a participar por intermédio da presidente da Fundação Salvador Allende e da diretora do museu, a socióloga e também deputada socialista Isabel Allende (não é a escritora), filha do político.