Wagner Gomes: “Emenda 3” é tentativa de burlar a legislação

Quando a “reforma” trabalhista começou a ser discutida no primeiro governo Lula, o então ministro do Trabalho, Jaques Wagner, disse que o assunto deveria ser tratado com “moderação”. “Nem a intocabilidade da CLT, nem a revogação da Lei Áurea”, afirmou ele

Ela é, a rigor, mais um capítulo da longa novela protagonizada pelo patronato com a finalidade de criar a lei da selva nas relações trabalhistas. Se a medida prosperar, as empresas ficam desobrigadas de respeitar a legislação que rege os encargos trabalhistas. A sua essência de classe foi bem definida pelo secretário da Receita Federal, Jorge Rachid. “Há uma área cinzenta. Essa emenda impede o Fisco de agir antes de uma decisão judicial”, disse ele. O assunto é tão greve que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta para a restrição ao combate ao trabalho escravo.



De acordo com a coordenadora nacional do Projeto de Combate ao Trabalho Escravo, Patrícia Audi, uma vez que os fiscais não poderão mais reconhecer o vínculo trabalhista, nós teremos um retrocesso da posição do país em relação ao combate ao trabalho escravo. “Podemos até mesmo falar de um retrocesso dos esforços que vêm sendo feitos há quatro anos e que elevaram o país à posição de destaque internacional”, afirmou ela. O ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, também afirmou que a emenda impede, na prática, a fiscalização dos auditores fiscais do trabalho e o combate ao trabalho escravo.



A arte da sonegação


A Receita Federal, na verdade, deveria ser mais rigorosa com o patronato. Estima-se que do total de contribuintes mais endinheirados a quantidade que declara sua renda deve representar entre 40% e 50%. Quando o ex- secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, depôs na CPI dos Bancos, ele revelou números estarrecedores. Das 530 maiores empresas do país, metade não paga Imposto de Renda (IR). O mesmo ocorre com os bancos. Das 66 maiores instituições financeiras, 42% não recolhem IR. A Receita Federal tinha, na ocasião, R$ 115 bilhões a receber em impostos devidos pelas empresas que não foram pagos por causa do que Maciel chamou de “indústria de liminares”. No sistema financeiro, 34% dos débitos reconhecidos com a Receita Federal estavam com o pagamento suspenso por causa de liminares.



Sonegar virou uma vantagem “competitiva” no Brasil. O assunto já rendeu até uma CPI, promovida pelo Senado em 1994. Uma pesquisa da Receita Federal na ocasião, feita com 214 mil empresas de todos os ramos de atividade, revelou que no setor de alimentos 98% do IPI devido não eram recolhidos pelas empresas. Em seguida vinham setores como químico (59%), têxtil (54%) e metalúrgico (51%). Essa evasão, segundo os técnicos da Receita Federal, tem como causas a sonegação pura e simples e a inadimplência (o contribuinte declara o imposto mas não paga). Há ainda a chamada elisão fiscal. Por esse nome está enquadrada toda a gama de recursos legais para o não pagamento de tributos.



Desenvolvimento econômico


Num momento em as centrais sindicais se unem em defesa de um projeto de desenvolvimento com valorização do trabalho, essa é uma batalha decisiva. No Brasil, a história também mostra que os trabalhadores sempre atuaram em estreita ligação com o desenvolvimento econômico e social. Isso explica porque chegamos ao século XXI, num país que está longe de ocupar posição de vanguarda na economia mundial, com uma legislação trabalhista avançada — e, por isso, alvo de ataques, apontada pelos porta-vozes do capital como a principal causa do desemprego.



A história das lutas dos trabalhadores brasileiros é um maná de ensinamentos e um rico patrimônio político das forças políticas progressistas. Boa parte dessas conquistas veio quando a revolução industrial brasileira dava seus primeiros passos e outras chegaram no leito das memoráveis lutas pelo fim da longa noite de terror que caiu sobre o país com o advento do golpe militar de 1964 — consagradas na Constituição de 1988. E graças a elas o capitalismo no Brasil foi obrigado a adotar uma lógica menos selvagem em alguns períodos da nossa história. O Estado brasileiro, profundamente contraditório devido aos contrastes sociais e às acirradas disputas de classes, ao longo desse tempo teve de abandonar sua postura de representar exclusivamente o capital — e uma pequena e poderosa elite — e absorver elementos democráticos para sua relação com o trabalho.



Mesmo com o retrocesso dos anos de neoliberalismo, que agiu agressivamente para golpear sua face democrática, o Estado manteve, no essencial e graças à resistência popular, a legislação trabalhista conquistada. O que caracteriza os dias de hoje é a grande contradição entre essas conquistas e a continuidade do antigo modelo econômico, concentrador de rendas, que achata salários, eleva o desemprego e avança sobre os direitos dos trabalhadores. A batalha em torno da defesa da legislação trabalhista, portanto, ganha contornos ideológicos de grande profundidade. E a resistência à “ Emenda 3” insere-se aí.



Wagner Gomes é vice-presidente da CUT