Artigo: O Maranhão e o Etanol

“Se os pequenos comeram os grandes, bastará um grande para muitos pequenos; mas como os grandes comem os pequenos, não bastam cem pequenos, nem mil, para um só grande.” – Padre Antonio Vieira, Sermão aos peixes, São Luis, 1654.

Todos os dias, em São Luís, dezenas de supergraneleiros entram e saem da baía de São Marcos, transportando as riquezas do ferro e do alumínio. Daqui eles partem gerando bilhões de dólares em mercadorias que vão abastecer os mercados mundiais. Quando foram implantados, na década de setenta, esses grandes projetos prometiam a redenção do Estado. Não se cuidou, à época, de garantir que essa riqueza gerasse cadeias produtivas em benefício da população local. O Maranhão, mercê de uma política entreguista e subserviente, tornou-se simples hospedeiro de empreendimentos nacionais e multinacionais, com impacto quase nulo na economia local.
Agora, assistimos uma grandiloqüente ópera na mídia nacional em torno do etanol. Não seria hora de rediscutir o seu libreto? O Maranhão tem interesse estratégico nessa questão, pois reúne condições excepcionais para protagonizar a nova política de biocombustíveis do país. Estudo realizado ano passado pelo Pólo Nacional de Biocombustíveis, Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz e USP, apontou que o Estado conta com 1.167.604 hectares de áreas de alta aptidão para a cultura da cana-de-açúcar, já descontadas as áreas protegidas e de reserva legal.
Vale lembrar que o Maranhão é o único Estado nordestino que não vive o drama da seca, sendo, ao contrário, abençoado com abundância de águas e solos férteis. Outra vantagem comparativa deve-se à infra-estrutura e integração de modais de transporte que favorecem a logística do escoamento dos produtos, além da integração com as ferrovias do Estado, importantes rodovias estaduais e federais que dão acesso ao Porto de Itaqui, administrado por empresa estatal, o segundo porto de maior movimento de cargas do Brasil em 2005.
É um porto natural, de fácil acesso, que possui localização privilegiada com relação aos mercados norte-americano, europeu e asiático, importadores atuais do álcool brasileiro e maiores mercados potenciais para a expansão da demanda no mercado internacional. A maior parte das áreas aptas à produção de cana-de-açúcar é favorecida pela proximidade com a malha ferroviária do Maranhão, especialmente a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e a Ferrovia Norte-Sul (FNS), que cortam a região Oeste do Estado e possibilitam o acesso da produção até o Porto de Itaqui.
Atualmente, o Maranhão responde por apenas 8% da produção de álcool no Norte-Nordeste, resultado do desmonte do setor agrícola efetuado por governos passados. Em pouco menos de dez anos, no período de 1994 a 2002, quase um milhão de maranhenses deixaram suas famílias para trás e foram tentar a vida em outros Estados, muitos deles nas plantações de cana no interior de São Paulo. Apenas recentemente o Maranhão vem mostrando recuperação, com aumento de 41% na safra 2005/06, de acordo com dados do IBGE. A área colhida passou de 31,7 para 39,4 mil hectares, o que é apenas uma ínfima fração do potencial do Estado.
É inegável que o biocombustível terá um papel crucial no futuro próximo e o Maranhão está se preparando para esse cenário. Mas é hora de rediscutirmos os parâmetros do agronegócio para estabelecermos regras e normas socioambientais claras, de modo a não perdermos essa janela de oportunidades. Um primeiro ponto é reavaliar as condições degradantes dos trabalhadores rurais. Segundo a Embrapa, a vida útil de um cortador de cana é hoje de 15 anos, apenas 5 anos mais que a de um escravo no Brasil Colônia. Além disso, sua remuneração por produtividade vai na contramão dos avanços trabalhistas que ocorrem no país. Há registros de mortes por exaustão na região de Ribeirão Preto, fruto desse modelo perverso. Dados oficiais mostram que o IDH de cidades nordestinas canavieiras é dos mais baixos do país, média de 0,500 nos pólos de Pernambuco e Alagoas. Algumas cidades canavieiras de Alagoas estão entre as mais pobres do país. É esse o desenvolvimento que está se propondo para o Brasil?
Nos Estados Unidos, que produzem praticamente a mesma quantidade de etanol que o Brasil, essa indústria nasceu a partir de ideais de independência energética, incremento da economia rural e melhoria das condições de vida. Onde o etanol é produzido, a economia cresce junto e seus dividendos são espalhados para toda a região. Aqui, ao invés de nos inspirarmos nesses ideais, projetamos uma ampliação gigantesca do modelo concentrador de renda, neocolonial e socialmente perverso secundada por alguns setores da opinião pública que parecem ver no presidente Bush um filantropo à procura de parceiros para suas boas ações.
Não podemos perder a chance de demarcar, com o etanol, uma posição política altaneira e altiva. Com a autoridade de quem criou o Proálcool, o professor Bautista Vidal afirma que será possível “criar dezenas de milhões de novos postos de trabalho permanentes em regiões estratégicas vulneráveis, hoje submetidas ao perigo da ocupação estrangeira, direta ou indireta, por meios econômicos, especialmente pela compra descontrolada de terras. O modo inteligente de evitar tais ocupações estrangeiras é promover o aproveitamento dessas regiões, agora estratégicas do ponto de vista energético, com empreendimentos em mãos de nacionais – trabalhadores e produtores” . Essa é a discussão que o Brasil precisa fazer. A mudança de matriz energética nos coloca numa esquina civilizatória a partir da qual seremos protagonistas ou coadjuvantes, dependendo das decisões que tomarmos agora. O Maranhão não é um território à espera do seu destino. Somos quase seis milhões de pessoas ávidas por conjugar um projeto de futuro cooperativo, inclusivo e justo.


Jackson Lago – PDT


Governador do Maranhão