35 anos de histórias da Guerrilha do Araguaia

Neste dia 12 de abril em que comunistas, simpatizantes, progressistas e todos aqueles que procuram conhecer a história recente do Brasil celebram os 35 anos da batalha conhecida como Guerrilha do Araguaia, a jornalista Myrian Luiz Alves resgata al



Em memória dos irmãos mineiros-cariocas Ciro Flávio e Caio Márcio Salazar e Oliveira. Estudante de arquitetura, artista plástico e surfista, Flávio tombou com Juca e Gil no Araguaia, em 30 de setembro de 1972. Caio Márcio faleceu de câncer, em dezembro de 2006, no Rio de Janeiro. Seu grande orgulho, dizia, eram os 69 componentes da Guerrilha. Simpatizante da luta do movimento estudantil contra a ditadura, despediu-se de seu irmão em Campo Grande. Hoje, os filhos de Caio querem lutar pela história e obra do tio, autor do documento “Carta aos Meus Pais”, “vazado” pelo general Antonio Bandeira.


 


 


por Myrian Luiz Alves, jornalista, pesquisadora



 


Neste dia 12 de abril, comunistas, simpatizantes, progressistas e todos aqueles que procuram conhecer a história recente do Brasil relembram a batalha conhecida como Guerrilha do Araguaia.



Há 35 anos, a região sudeste do Pará, o norte do atual estado do Tocantins, o sul do Maranhão, áreas do Mato Grosso, grandes cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo viram cidadãos serem caçados a ferro e fogo porque ousaram enfrentar o poder de Estado. A audácia era o pensar.



É esse e não outro o motivo principal da ação desencadeada em 28 de março de 1972, e não no dia 12 de abril, por agentes da Marinha e do Exército. Haviam detectado, após pelo menos dois anos de procura, a presença de militantes do Partido Comunista do Brasil em área amazônica.



De uma noite para outra, milhares de militares transformaram a pacata realidade de pelo menos dez povoados e municípios da região, no cenário dantesco de uma vida entre o purgatório e o inferno. Isso duraria até janeiro de 1975 e também nos anos vindouros, porque a região se transformaria em palco de conflitos de terra e de garimpo.



Àquela área do Norte, o PCdoB enviara, desde 1966, vários militantes e dirigentes. Da mesma forma, outros militantes e dirigentes viveram por muitos anos clandestinamente em muitas cidades do interior dos estados do Ceará, Piauí e Rondônia. São muitas as histórias ainda não relatadas. Para a região do Araguaia, havia retaguardas e portas de entrada, por exemplo, no Maranhão, áreas também receptivas aos militantes da Ação Popular, Var-Palmares, Ação Libertadora Nacional, remanescentes de Trombas e Formosa (GO), além da antiga militância local, ligada ao PCdoB e ao Partido Comunista Brasileiro.



A primeira ação de fato militar na região sudeste do Pará seria a Operação Carajás, em Marabá (PA), hoje a terceira maior cidade do estado, ainda em 1970. Bombas napalm foram jogadas na praia de Tucunaré, bem em frente à parte pioneira da cidade dos antigos castanhais. Fundada no final do século 19 por remanescentes da ex- Boa Vista do Tocantins (então estado de Goiás), após uma guerra cujo motivo era a educação dos meninos e meninas, a partir de um barraco armado às margens do rio Tocantins, o nome Marabá é em homenagem a um poema de Gonçalves Dias. Nele, o maranhense lembra que “todos somos Marabá”, “filhos do pecado”, segundo a lenda entranhada por missionários nas matas do Maranhão. A história serviria para contrariar a crença dos primeiros “grimpeiros” (garimpeiros) na deusa Marabá, responsável pela defesa desses trabalhadores contra as flechas dos índios.


 


O direito de ir e vir em seu País


 


Quando, em 1966, Osvaldo Orlando da Costa pisou em terras paraenses sentiu-se em casa. Era região de minério, de ouro e diamantes. Estudara o tema na Tchecoslováquia e nas minas da Chapada Diamantina (BA). Paulo Mendes Rodrigues, economista, quadro gaúcho do partido, instalara-se na área de Conceição do Araguaia (PA). Um antigo militante, Zé Francisco é um dos seus contatos, em São Geraldo (PA). Logo, Paulo receberia o operário e jogador de futebol Daniel Ribeiro Callado, o Doca. Em 1967, Osvaldão e Manuel José Nurchis, quadro paulistano do PCdoB, garimpavam juntos nas minas do Itamirim (PA). Daniel trabalhava na loja de Paulo, que, além de possuir um barco, viveria sempre como patrão na área da futura guerrilha. Fazendeiro de meia, auxiliar das contas dos moradores, ajudou a formar, como se vê por lá, quadros atuais da política regional. Seria, posteriormente, o primeiro comandante do Destacamento C, mais próximo à São Geraldo (PA) e Xambioá (TO).  Entre Conceição, São Geraldo e Xambioá, Paulo é o nome mais conhecido da Guerrilha. Políticos da direita o procuravam para apoio político, o que “ele negava”, afirmam até hoje antigos sindicalistas rurais.



No natal de 1967, o município de São João do Araguaia (TO), onde as águas do tributário Araguaia se encontram com o rio Tocantins, recebeu o jovem ítalo-brasileiro Líbero Giancarlo Castiglia e a dirigente Elza Monerat. A tia Maria, do Joca. Logo, aportava também na localidade de Faveira, Maurício Grabois, o Mário.  Neste local, onde constituiriam um pequeno comércio, parte do comitê central do PCdoB, passaria a organizar a área que poderia ou não transformar-se em palco de  uma luta contra o Estado, e desta vez, realmente de farda, não mais como acontecera durante o Estado Novo, em delegacias policiais, a mando de Filinto Miller. Ex-integrante da Coluna Prestes, Miller era raivoso em sua perseguição, tortura e morte aos antigos companheiros, alguns, já na década de 1930, militantes comunistas.



Após a barbárie contra jovens e militantes experientes de esquerda nas cidades, entre o final da década de 1960 e o início da de 1970, militantes comunistas e da juventude católica são perseguidos em áreas rurais. O pouco desenvolvido interior do Maranhão era uma área fértil para o trabalho de base. Em 1971, a Operação Mesopotâmia é desencadeada em Porto Franco, Imperatriz e outras cidades do sul maranhense.



Franco, porque sempre permitiu a entrada de rebeldes rurais goianos, o  município de caráter político progressista, e também com influência da maçonaria, viu passar muitas lutas, desde aquela contra o padre João, na época do Império, que fechou as escolas criadas por maranhenses em Boa Vista, atual Tocantinópolis, cidade de frente a Porto Franco. Em 1967, João Carlos Haas Sobrinho, o futuro comandante Juca, fundaria o primeiro e único hospital de todos aqueles povoados e municípios do sul do Maranhão e norte de Goiás. Em frente à sua casa, na rua Rio Branco, moraram também Mário, Zé Carlos e Gilberto, vendedores de quinquilharias para cozinha, como fogões de duas bocas e panelas de alumínio. Entre 1967 e final de 1968, o ex-líder da bancada comunista na Assembléia Constituinte, Maurício Grabois, divertia-se, nas horas vagas, cortando o cabelo dos meninos de Porto Franco, tarefa que também desempenharia na Guerrilha, já como o comandante-geral Mário. Seu filho, Zé Carlos (André), treinava todo dia às 15h um futebol perto das margens do rio Tocantins com os jovens da cidade. No intervalo, atravessavam a nado até uma ilha e tiravam a seqüência da partida. Gilberto Olímpio Maria, o melhor no futebol, que às vezes contava com o doutor João Carlos, era o que menos permanecia na cidade. Tinha um Jeep e não disfarçava que era intensamente paquerado por algumas mulheres da região. Era um homem atraente, lembrava o Eder Jofre, famoso no boxe daqueles tempos.



A Mesopotâmia, porém, não registra a presença de nenhum desses quase ilustres moradores, que deixariam memória e amizade. O doutor João fez história, é reconhecido e admirado por gerações que nem o conheceram. Aquelas que com ele conviveram também não permitem esquecer. Seu nome será o Ponto de Cultura e o Centro Desportivo da cidade, que, há alguns anos, dedicou o centro cirúrgico do hospital municipal em sua homenagem. O hospital de São João do Paraíso, ex-distrito de Porto Franco, hoje município, recebeu também o nome do primeiro médico-cirurgião.



O gaúcho de São Leopoldo fez muito por merecer, no Maranhão e no Pará, além do Rio Grande do Sul, onde presidiu a União dos Estudantes Gaúcha em 1964, ano de sua formatura em medicina. Em Porto Franco, sua ex-auxiliar, dona Dejacir, disse a esta pesquisa que “O doutor João Carlos podia não acreditar em Deus, mas Deus acreditava nele”.



João Amazonas lembrou também a esta pesquisa, por telefone, em 2001, que os companheiros chamaram a atenção de Juca, por ele ter o hábito de não pensar duas vezes antes de socorrer alguém, mesmo que isso colocasse em perigo a situação dos companheiros, na região do Pará. Afinal, ao sair de Porto Franco, o doutor João Carlos adquirira fama num extensa área a apenas 150 quilômetros de São Geraldo, onde Juca moraria com o fazendeiro Paulo e, futuramente, com o ex-vice-presidente do Diretório Acadêmico da Universidade Federal do Ceará, Bérgson Gurjão Farias, o Jorge, futuro líder do grupo Esperancinha, do C. Sabendo que ele teria sempre a medicina em primeiro lugar, Juca recebeu a instrução para ser apenas “enfermeiro”. Poucos dias após sua chegada, porém, dizia Amazonas, o comandante médico-militar da guerrilha já era chamado de “doutor Juca”.



Logo, chegariam Dinalva Oliveira Teixeira, a Dina, e Antonio Carlos Monteiro Teixeira, na área do C, em São Geraldo, onde também moraraia posteriormente o casal Arildo Valadão e Áurea Elisa Pereira. Um grande amigo de Dina, ainda da Bahia, Rosalindo Souza, optou por montar base de apoio, o chamado PA, na área periférica daquele povoado. Entre 1969 e abril de 1972, muitos outros militantes passaram a compor os destacamento A, B e C.



O A baseava-se entre Marabá e São Domingos, interiorizando-se para São João e Brejo Grande, antes da Palestina, região do B. Por sua riqueza natural, embora com as mazelas das doenças tropicais, uma população razoável morava nas matas. O sudeste do Pará, com seus castanhais e água farta pelos igarapés e rios, passara, então, a ser refúgio e área de preparo contra a ação anticomunista e imperialista, responsável, pelo assassinato, prisão e tortura, durante as décadas de 1950 e 1960, de centenas de comunistas e socialistas no Caribe e na América Central. Em algum momento, sabiam os militantes, a repressão chegaria por lá.



Não havia, naquele momento, razão segura para seguir para os grandes centros. A tática imperialista, alicerçada na Operação Condor, na América do Sul, principalmente, era a de “eliminação” de comunistas, como afirma o relatório da Operação Marajoara, em março de 1974. A decisão incluía a morte do PCdoB e da AP. Em 1975, muitos militantes do Partido Comunista Brasileiro, que se posicionava contra a luta armada, também seriam perseguidos e mortos.


 


A perpetuação da História e seus personagens


 


Na belíssima região do Araguaia, os militantes do PCdoB, em sua maioria, moraram pelo menos um ano e meio antes do início dos conflitos. Alguns estavam ali há seis, cinco e quatro anos. Embora todos os 69 componentes do contingente guerrilheiro sejam ainda lembrados por onde moraram, alguns têm fama em toda a região dos combates e de bases militares, como em Xambioá e Marabá.



Ao lado de Osvaldo e Juca, a guerrilheira Dina é uma das histórias mais contadas. Mas, na área do C, Áurea, estudante de Física, como seu companheiro Ari, também é muito conhecida. Áurea reforçava a matemática em aulas para muitas crianças, hoje adultas. Dina, geóloga, foi “mãe de pegação” de paraenses que hoje procuram fotografias para conhecer o rosto de quem os ajudou a vir ao mundo.



Os relatórios militares, os oficiais, de 1972, dizem: a população se nega a prestar quaisquer informações que possam prejudicar Dina e Juca. O sentimento é de gratidão. Registram a disputa de comando do C entre Dina e Paulo. Dinalva, ainda militante do movimento estudantil, era considerada “atirada”, como lembram suas companheiras da Bahia. O casamento de Dina e do geólogo Antonio Carlos terminou logo que os dois chegaram à região. Ali, nascia uma paixão entre Dina e Gilberto Olímpio Maria, o Pedro, amor que se tornou público entre os componentes da guerrilha e familiares dos dois nas cidades. Os tempos ainda permitiam a comunicação.


Nos últimos seis anos, a Guerrilha do Araguaia despertou o interesse de pesquisadores, jornalistas e estudantes. Todos, de uma maneira geral, procuram personagens, fato normal para o estudo de episódios épicos realizados por indivíduos ou por um grupo, um coletivo. A Guerrilha do Araguaia é algo épico, diferente e inédito na história do Brasil. Pessoas, de diferentes classes sociais e de estados brasileiros, dirigiram-se a uma  área então inóspita para o tudo ou o nada. A grande maioria daqueles militantes, porém, acreditava que aquilo seria o tudo, pelo menos naquele momento, para lutar por um futuro melhor. Não havia oportunidades para a ação política nas cidades e ali seria possível, se assim acontecesse, provar que a perseguição imperialista ao pensamento de esquerda era algo real.



Foram quase três anos de guerra, e de operações de infiltração de agentes na região e no seu entorno. Na área da guerrilha, alguns dos agentes militares por ali permaneceriam, como o major Curió – Sebastião Rodrigues de Moura – que utilizaria por muitos anos sua fama no combate aos guerrilheiros para transformar-se no “rei” do sudeste do Pará. Foi o interventor do ouro em Serra Pelada (PA), comandou a expulsão de padres franceses na região, atuou em conflitos de terra, como em Encruzilhada Natalino (RS), no Grupo de Terras Araguaia-Tocantins (Getat), e por aí vai. Há pouco tempo, disse ao jornal New York Times que é conhecido, em Brasília, como o Kurtz do Amazonas (em alusão ao personagem Kurts, do livro Coração nas Trevas, de Joseph Conrad).



Tem o costume de contar o tiro que levou de Lucia Maria (Sonia) e  o combate do natal de 1973, quando teriam tombado Maurício e outros companheiros, mas nunca apontou seus túmulos. Também nunca foi chamado oficialmente a dizer como morreram e onde estariam seus corpos.



Arildo foi morto em outubro de 1973, no início da Operação Marajoara, como Sonia, André, Divino Ferreira de Souza, João Gualberto e Alfredo. Rosalindo foi morto “por forças de segurança”  em agosto de 1973, quando ainda estava em andamento a Operação Sucuri, comandada em campo por Curió, operação que antecedeu a Marajoara, de combate e execução. Essa afirmação está contida em relatório do Exercito entregue ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa, em 1993. Os três ministros militares daquele ano entregaram relatórios com datas de mortes e outras informações sobre os 144 “desaparecidos” no Brasil. Fica claro que, em 1993, não havia ocorrido a tal “queima de arquivos” porque são informações resumidas, obviamente copiadas de pastas individuais de militantes de esquerda. Então, quando teria ocorrido a queima?



Esta pesquisadora, em 2001, reuniu os dados desses relatórios referentes à Guerrilha do Araguaia. O propósito era auxiliar a Expedição Antígona, da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, coordenada pelo deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. O cruzamento dessas informações foi repassado publicamente a pesquisadores, familiares e jornalistas.



Também a pesquisa cruzou dados dos grupos de direitos humanos e de matérias de imprensa. Foram confeccionados dois relatórios e um roteiro de busca de corpos, baseado em informações da caravana de 1980, do trabalho do advogado Paulo Fontelles e de seu filho, Paulinho Fontelles, também pesquisador.



Curiosamente, são esses os dados que permeiam o relatório entregue publicamente em 28 de março de 2007 pela Comissão Interministerial criada em 2003 pela presidência da República para a busca de informações sobre a Guerrilha do Araguaia. A Comissão manteve, inclusive, a numeração feita pela pesquisa. O relatório da Comissão, após anexar partes de documentos do Ministério Público e de uma diligência à região, sem acompanhamento público, para a busca de corpos, em época de chuva, ação singelamente criticada pela Polícia Federal que assina a diligência, conclui por tópicos já pronunciados na sentença da juíza Solange Salgado, de 2003, e do desembargador Souza Prudente, de 2004, ao processo dos familiares do Araguaia, aberto em 1982,  pelos advogados Luiz Eduardo Greenhalgh e Sigmaringa Seixas.


 


O Araguaia é oficial


 


Desde 1996 relatórios oficiais e fotografias chegam às mãos de jornalistas e pesquisadores. As fontes são obviamente militares. O mérito aqui, se houver – relatório militar não é souvenir, tampouco o são fotografias de prisioneiros que “desapareceram”, como Daniel e Antonio de Pádua Costa, o último comandante do A -, é que o primeiro “vazamento” oficial de relatórios militares partiu do primeiro general de brigada da Guerrilha, Antonio Bandeira, ao O Globo, em 1996.



A partir daí, parentes de militares escrevem ou fornecem informações dadas por fontes “não reveladas”, inclusive em trabalhos universitários. Enquanto alguns militares ainda resolvem contar, vez ou outra, novas informações, como fez o major Curió ao Estado de S.Paulo, em 2004, ao dizer que Dina teria morrido em 24 de julho de 1974 (o relatório oficial de 1993 diz apenas o mês e o ano), o livro A Lei da Selva, de Hugo Studart, também autor de matéria publicada em março deste ano na revista BR História, afirma que Dina justiçou, por adultério, seu amigo e advogado baiano Rosalindo Sousa, porque ele teria um caso com Áurea. Observa-se em vários relatórios (Papagaio, Manobra, entre outros) a referência a Arildo como guerrilheiro ousado e corajoso, porque fustigava sentinelas nas barracas, onde entrava e pegava armas. O companheiro de Áurea foi morto na Operação Marajoara com um tiro no peito, em outubro de 1973, e decapitado. A barbárie contra Ari teria sido a primeira das degolas públicas por ação militar na guerrilha.



Rosalindo fora morto antes, em agosto, como afirma abaixo o relatório do Centro de Informação do Exército – CIE, responsável pela Operação Sucuri. Studart parece esquecer o que ele próprio afirma em seu livro: Osvaldo e Rosalindo chamavam a atenção para a presença de agentes na região. A Sucuri, findada em outubro de 1973, tinha por princípio não matar, apenas observar, com exceção de Osvaldo, que poderia ser morto, desde que se tivesse certeza de ser possível acertá-lo.



O relatório Arroyo diz que Rosalindo, o Mundico, poderia ter-se ferido com sua própria arma, mas não informa de onde teria vindo essa informação. Mundico mantinha-se como PA, embora tivesse posto de comando. Os militares dizem que encontram Mundico, enterram para depois retornarem e tirar sua cabeça para resolver a dúvida de que aquele corpo poderia ser o um soldado que havia sumido. Ou seja, Rosalindo fora confundido com um soldado, que, por sua vez, poderia ter sido morto em fogo amigo? Vale lembrar que vários militares morreram por fogo amigo, segundo relatórios que também fornecem nomes de alguns soldados feridos por suas próprias armas. No entanto, a exumação do corpo de Rosalindo mostra o “tratamento” dado por oficiais aos seus subordinados. Tirar a cabeça de um morto para tentar identificar um companheiro, um soldado do Estado?


 


Matar prisioneiro é crime


 


Dina e Áurea foram presas, em 1974. Com exceção de Lúcia Maria de Souza (Sônia) e Helenira Rezende (Fátima), do A, e das que foram aprisionadas em 1972, todas as mulheres guerrilheiras foram presas e mortas em 1974. O cálculo é de 25 prisioneiros em 1974. Todos foram posteriormente assassinados?



Também o que surpreende nos textos de Studart é a “informação” de que o sargento Joaquim Artur, o Ivan, seria o algoz de Dina, que, por sua vez, ainda teria travado um diálogo com ele sobre sua própria morte. Impressiona ainda mais saber que supostamente Ivan já teria morrido. Não poderia, portanto, confirmar ou contrariar essa acusação.



Desde 1980, com a primeira caravana de familiares ao Araguaia, sabe-se que Áurea foi enterrada no Cemitério de Xambioá. Em 2001, foi revelado à Expedição Antígona que Áurea teria sido fuzilada, após bastante tempo presa, vestida com um macacão da Aeronáutica. Levou um tiro no peito. Os que viram seu sepultamento jamais esqueceriam.



Vale lembrar que Ari estava vivo quando Rosalindo morreu. Fosse por um acerto de contas porque Ari precisaria de Dina? E porque Áurea seria poupada? E por que logo Dina, que lutou por sua liberdade e passou o último período da guerrilha combatendo como vice-comandante e sob o comando de Gilberto? Paulo fora transferido para o apoio à Comissão Militar.



Ora, na “desculpa” talvez preocupada de alguns militares, Maria Célia (Rosinha), presa na Bacaba, teria matado a facão, Antonio de Pádua, preso (Dest. A), e, por isso, “foi morta a tiros”. Antonio Teodoro (Raul) e Cilon da Cunha Brum (Simão), presos, foram mortos, dizem os relatórios de 1993, por “justiçamento” (nesse período os destacamentos B e C fundiram-se, os dois guerrilheiros pertenciam ao B). Eles teriam sido mortos “por ataques de terroristas”. Os relatos sobre a guerrilha mostram que, fosse Mundico justiçado, isso seria um grande trunfo para os militares na época, tanto para difundir informações contra os guerrilheiros como para o registro oficial. E isso, como se vê, não ocorreu.



Não havia apenas uma força militar na Guerrilha. Havia três, mais as policiais. Será que alguns militares não concordavam com a execução criminosa de prisioneiros? Não por coincidência, é a Marinha, força especialista na vigilância aos comunistas de todas as décadas anteriores, a que apresenta quase todas as datas de morte de prisioneiros, não o Exército. A Marinha teria mais informações que as outras forças? Ou porque tentaram exigir, pelo menos, um argumento, para a execução da ordem anticomunista? Embora não tenham “providenciado” um motivo “interno” às forças guerrilheiras para os assassinatos de Dina e Áurea, vários militares poderiam, a partir da sentença da Justiça, buscar, agora, alguma mancha para incriminar ou manchar a história de Dina. Por qual motivo?



Dina foi mulher competitiva e valente, cuja fama, hoje, incomoda aos que sabem terem manchado, na verdade, a história recente do Brasil. Prisioneiro não se mata. Um verdadeiro militar sabe que, além de crime de guerra, esse é o ápice da covardia. Não há diferença entre guerra e guerrilha nos regimentos militares. Não quanto ao tratamento de prisioneiros. E não há, obviamente, anistia para isso.



Dina, como Áurea e tantos outros participam e continuarão participando do imaginário social da região e da história do País. O povo viu Áurea morta e sepultada, como viu Juca, Jorge, Daniel, Osvaldo, Paulo e vários outros guerrilheiros no Cemitério de Xambioá. Seus familiares e também a história aguardam suas identificações, como ocorreu com Maria Lúcia Petit.



O povo, entretanto, não viu o corpo de Dina. No Araguaia e em muitos outros lugares do Brasil, incluindo Brasília, afirma-se que Dina não morreu. Quem virá a público dizer o contrário?


 


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Dados dos três relatórios entregues por ministros militares, em 1993, ao ministro da Justiça, Maurício Corrêa.


 


54. Rosalindo Cruz Souza – Mundico
Filho de Ronaldo Cipriano de Souza e de Lindaura Correa de Souza, natural de CALDEIRÃO GRANDE/BA.
Advogado, militante do PCdoB, utilizava o codinome  “MUNDICO”  e participou da guerrilha do Araguaia, atuando no Grupo de Apoio na região de PAU PRETO. Consta que teria sido morto no dia 16 Ago 73, em combate com as forças de segurança (CIE).


Militante do PCdoB e guerrilheiro no Araguaia. Dado como morto por documento do Comitê Brasileiro pela Anistia, datado de Nov 79 e segundo declaração do Dep. Fed. JOSÉ GENOINO publicada na F. de São Paulo, 26 Jun 78. Neste Órgão, não há dados que comprovem essa versão (FAB).


– NOV/74, relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em SET 73 (MAR).


 


10. Áurea Eliza Pereira Valadão – Elisa/Áurea
Professora, casado com ARILDO VALADÃO.
Durante a guerrilha do Araguaia, chefiou um grupo de terroristas armados de revólveres cal 38 e espingardas cal 20 que participou em 04 Ago 73, de uma festa na Fazenda “Sapiência” (CIE).


Militante do PCdoB e guerrilheira no Araguaia. Segundo o noticiário de imprensa nos últimos 18 anos e documentos de entidades de defesa dos direitos humanos, teria sido morta ou desaparecido no Araguaia. Não há dados que comprovem essa versão (FAB).


– NOV/74, relacionada entre os que estiveram ligados à tentativa de implantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morta em 13 JUN 74 (MAR).


 


9. Arildo Valadão – Ari
Filho de Altino Andrada Valadão e de Helena Andrada Valadão, nascido em 28 Dez 48 e natural do Estado do Espírito Santo.
Utilizava-se dos codinomes “ARI” e “IVAN”.
Uma relação com o título “Mortos” na guerrilha do Araguaia, incluiu seu nome com o codinome “ARI” (CIE).


Militante do PCdoB e guerrilheiro no Araguaia. Segundo o noticiário de imprensa nos últimos 18 anos e documentos de entidades de defesa dos direitos humanos, teria sido morto ou desaparecido no Araguaia. Não há dados que comprovem essa versão (FAB).


– MAI/72, foi reconhecido em fotografia, por um cabloco, como estando na região de Mutum.
– JUL/72, fez parte de um grupo de aproximadamente 15 militantes do PCdoB, que se deslocou da Guanabara à área de Xambioá.
– MAI/73, invadiu a fazenda “Paulista” em Xambioá/Araguaia, juntamente com um grupo de mantimentos e animais da citada fazenda. Além disto, fez um “Trabalho de Massa” com os lavradores que estavam por perto, convocando-os para a  “Luta Pela Libertação” 
– NOV/74, relacionado entre os que estiveram ligados à tentativa de im´plantação de guerrilha rural, levada a efeito pelo comitê central do PCdoB, em Xambioá. Morto em 24 NOV 74 (MAR)


 


18. Dinalva Oliveira Teixeira – Dina
Filha de Viriato Augusto de Oliveira e de Elza Conceição Bastos, nascida no dia 16 Mai 45, em CASTRO ALVES/BA.
Exercia a função de geóloga do DNPM, no RIO DE JANEIRO/RJ, até abril  de 1970, quando abandonou o trabalho. Em 1972, foi identificada, por fotografia, por habitantes de XAMBIOÁ/GO, juntamente com seu esposo ANTONIO CARLOS MONTEIRO TEIXEIRA. Ambos atuavam na região de Terra Nova, como professores da Escola mantida pelos padres em SÃO FELIX DO ARAGUAIA/MT, entre junho e dezembro de 1971. Juntamente com “OSVALDÃO”, chefiava um grupo de guerrilheiros no ARAGUAIA, integrando o “Destacamento C”. Utilizava-se do codinome “DINA” e realizou várias ações de incursão para roubo de armas e mantimentos. Existem registros de que teria morto um informante das Forças Legais (CIE).


Militante do PCdoB e guerrilheira no Araguaia. Segundo o noticiário de imprensa nos últimos 18 anos e documentos de entidades de defesa dos direitos humanos, teria sido morto ou desaparecido no Araguaia. Não há dados que comprovem essa versão (FAB).


– NOV/72, participou da guerrilha como integrante do PCdoB, na região de Xambioá. Nesta ocasião era tida como professora e enfermeira e atendia pelo nome de “Diomar''.
– JAN/73, foi notada sua presença em atividade subversiva, na região sul do Pará.
– MAR/73, entre os dias 30 JAN e 02 FEV/73, acompanhada por outros elementos, (DINA) percorreu várias casas de caboclos da região de “Pau Preto”, onde foi comprado arroz e distribuído um manifesto do “PC do B”, prometendo aos elementos da região que, após a derrubada do governo seriam instalados na mata escolas e hospitais. Na ocasião, foi notado que o grupo de “Dina” portava uma atravessada no peito que aparentava ser automática. A “Dina” comentou que o grupo estava preparado para vingar os companheiros mortos durante as operações militares ocorridas em SET/62.
– JUL/74, teria sido morta em Xambioá (MAR).


 



Saiba mais sobre a Guerrilha do Araguaia lendo textos do Especial Araguaia