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Consultora da CNO fala sobre planejamento estratégico na política

“Para que o planejamento obtenha o êxito esperado, é necessário que sejam superados alguns equívocos que possam gerar resistência ao planejamento como instrumento de construção da ação partidária”. A opinião

Planejamento estratégico situacional
como instrumento de construção da  ação política


 


Por Maria Valéria Duarte de Souza*


A primeira experiência histórica de planificação foi registrada na União Soviética,  com a elaboração do primeiro plano qüinqüenal e a criação da GOSPLAN, primeira agência  estatal de planejamento, criada em 1921 pelo governo revolucionário comandado por Lênin.


 


No plano da luta revolucionária, Lênin, em vários de seus escritos ressalta a importância da ação consciente, sistemática, fundamentada no conhecimento das condições concretas nas quais se desenvolve a luta política e na clareza dos objetivos que devem orientar cada ação. Seu combate intransigente ao voluntarismo, ao espontaneísmo e às práticas improvisadas, sinalizam a importância que Lênin atribuiu ao estudo minucioso da situação concreta onde se desenvolve a prática política, a partir do qual são estabelecidos de forma clara, os objetivos que orientarão as linhas de ação.


 


 


Em sintonia com estas idéias, nosso Partido tem incentivado a adoção do planejamento como instrumento de organização e gestão das ações , por meio dos Planos de Estruturação Partidária  (PEP), que já se encontram em sua sexta versão.    


 


 


Mas, para que o planejamento obtenha o êxito esperado, é necessário que sejam superados alguns equívocos que possam gerar resistência ao planejamento como instrumento de construção da ação partidária.


 


 


Este texto tem por objetivo, esclarecer algumas questões que levam a uma visão  deturpada  de planejamento, bem como pontuar o planejamento estratégico situacional como uma das linhas do planejamento estratégico que mais se adaptam à realidade política e à dinâmica do Partido. 


 


 


Começaremos por analisar interpretações que consideram o planejamento como elemento estranho à ação política, principalmente à ação política de caráter  revolucionário, tendo em vista que, na atualidade, o planejamento, de um modo geral e o planejamento estratégico, em particular, vem sendo largamente adotado como ferramenta gerencial não só por instituições públicas, dentro da lógica de reordenamento das funções do Estado, mas também, e principalmente, por empresas privadas, nos mais diversos ramos de atividade, em sua busca pelo aumento da produtividade e maximização dos lucros. Obviamente, tais organizações utilizam o planejamento exclusivamente como instrumento de gestão administrativo-financeira-operacional, excluindo o caráter político do planejamento enquanto processo de construção de objetivos compartilhados, já que os objetivos visados estão relacionados à reprodução do capital.


 


Assim, sob a ótica das empresas privadas, a visão estratégica está presente apenas enquanto fator de previsibilidade e otimização de condições em que desta reprodução poderá se dar. Nesse contexto organizacional, a execução das ações definidas pelos escalões superiores da escala hierárquica da organização são imposta aos chamados “escalões inferiores”  que as executarão sob o peso da fragilidade das relações de trabalho.


 


Desconstruir a visão unilateral de planejamento, concebido apenas como instrumento facilitador da reprodução do capital, é, no interior do Partido, um desafio que precisa ser superado para que não comprometa o êxito do planejamento. Mesmo porque, o modelo de acumulação capitalista fundamentado nas doutrinas liberais do século XVIII e no neoliberalismo contemporâneo, é avesso à qualquer tipo de planificação, uma vez que os objetivos a serem definidos por uma organização, ou mesmo pelo Estado, devem estar subordinados à lógica instável do mercado.


 


 


Outro aspecto que  contribui  para a resistência à utilização do planejamento na ação política é a visão segundo a qual a realidade político-partidária muda constantemente.  Esta concepção reflete a visão imediatista que, no âmbito do Partido tem como causa a urgência das tarefas que se apresentam dentro de uma realidade na qual os acontecimentos se sucedem com extrema velocidade exigindo igual rapidez nas respostas e nos encaminhamentos. O que se ignora com esta postura é que, quanto menos se conhece a realidade, ou, quanto menos se tem consciência de que este conhecimento é pouco, mais demoradas serão nossas respostas enquanto organização partidária aos inúmeros desafios  que se nos colocam no cotidiano da prática política.


 


 


A dinâmica da vida política, em sua velocidade, exige rapidez, mas não pode fazer com que a ação partidária seja realizada ao sabor das circunstâncias. Isto porque, quanto maior a velocidade e a imprevisibilidade dos acontecimentos, maiores devem ser os mecanismos de conhecimento e controle para que possamos dar respostas que resultem no crescimento e fortalecimento do Partido, nosso objetivo maior. Aqui revela-se  uma das maiores contribuições do planejamento estratégico situacional para a ação política do Partido, pois, tratando-se de um instrumento de gestão ágil e flexível, nos permite analisar situações já configuradas e cenários futuros.


 


 


Planejar é, antes de tudo, apontar caminhos, priorizar e definir objetivos, que por sua vez orientarão as ações a serem realizadas e o estabelecimento de metas que se constituirão em referencial  de avaliação.


 


 


Mas isto não significa que no planejamento – em sua vertente estratégica –  não haja espaços para correções de rumo. De acordo com o princípio marxista leninista segundo o qual a realidade é sempre o critério de verdade,  está implícita a possibilidade de sempre criar o novo. Mas, criação não é improviso. A improvisação significa a primazia de uma situação com a qual não contávamos e que passa a presidir sempre a nossa ação, tornando-nos “refém das circunstâncias”. Na criação, ao contrário, está presente um processo racional e intelectivo que está na base de toda a ação consciente. Planejar é ação consciente, é  ato criador, no qual partimos de uma realidade que se nos coloca, mas a partir da qual e  sobre a qual construímos uma nova realidade.


 


 


Na linha de argumentação que considera o planejamento como inadequado ao trabalho em uma realidade tão dinâmica quanto a política, há também resistências que podem também ser constatadas em tendências que consideram o planejamento uma “camisa de força”, que impõe normas rígidas e imutáveis, que entravam a agilidade das ações. Esta afirmação está ligada às concepções tradicionais de planejamento e refletem o desconhecimento do componente participativo do planejamento estratégico que segue a máxima “planeja quem executa, executa quem planeja”. Obviamente esta questão não é isenta de problemas, pois o planejamento, enquanto processo participativo coloca em pé de igualdade todos os envolvidos. Além disso, no planejamento são estabelecidos compromissos na forma de objetivos e metas que são coletivamente assumidos e que são coletivamente cobrados, o que, certamente, gera o receio de expor fragilidades ou interesses particularistas.


 


 


Há, ainda, tentativas de desqualificar o processo e planejamento por meio de afirmativas  tais como “planejamento na teoria é uma coisa, mas, na prática, é outra”. Esta é uma opinião muito comum, especialmente em organizações onde existe pouco ou nenhum planejamento, marcadas pelo voluntarismo e pelo espontaneísmo. Superar esta visão não é tarefa fácil, pois o voluntarismo e o espontaneísmo, provocando uma falsa impressão de agilidade, esconde na verdade, uma profunda desorganização e dispersão que mascara problemas e dilui responsabilidades, o que, em uma organização partidária, abre espaço para vícios como o personalismo, e o oportunismo.


 


O planejamento estratégico situacional


 


O planejamento estratégico situacional é uma modalidade de planificação estratégica sistematizada originalmente por Carlos Matus(*).


 


 


Carlos Matus foi um veemente crítico das concepções tradicionais de planejamento e, a partir de sua análises, criou um conceito e uma metodologia de planejamento que tem no contexto – ou situação – o ponto de partida  a partir da qual são definidos  os objetivos. “onde estamos” e  “onde queremos chegar”, são as questões fundamentais para o planejamento estratégico situacional.


 


 


O termo “estratégico” diz respeito a uma visão de futuro, ou uma mudança situacional que se deseja atingir com um máximo de governabilidade sobre as condições das quais dispomos para realizar esta mudança.


 


 


Basicamente, fazem parte do planejamento estratégico as seguintes etapas: identificação de problemas, a identificação de  “cenários” onde identificamos os pontos fortes e fracos da organização, a visualização de outros atores sociais, onde são identificados aliados ou adversários existentes ou potenciais e finalmente, a chamada visão de futuro quando são identificados os objetivos e estabelecidas as metas  que possibilitarão monitorar e avaliar o desenvolvimento do plano propriamente dito, quando este se converte em ação concreta.


 


 


A este respeito, vale destacar que, de fato, o planejamento não “é” ele “está sendo”. Quando elaboramos um plano, ele não termina com o documento onde estão relatados os problemas identificados, os objetivos, as metas e as ações previstas. Elaborar o plano é a parte inicial do planejamento, mas é preciso colocá-lo em movimento para que os resultados desejados sejam alcançados.



    
O economista chileno Carlos Matus (*) foi ministro do Governo Allende. Em seus anos de exílio , face à ditadura militar instaurada no Chile em 1973, foi consultor da CEPAL, ministrando cursos em vários países, inclusive no Brasil. Na Venezuela, criou a Fundação Altadir para a divulgação do método de planejamento estratégico situacional e capacitar  dirigentes. O PES foi introduzido no Brasil a partir de 1980 sendo amplamente utilizado  principalmente no setor público.


 


 


Na etapa de elaboração do plano, a identificação de problemas é momento decisivo, tendo em vista que corresponde exatamente à fase de análise da realidade objetiva a partir da qual será desenvolvida a ação. É um momento delicado, pois, freqüentemente, costuma ser negligenciada ou mesmo suprimida de todo o processo, por se considerar que os problemas estão sempre  evidentes e não precisam de um momento próprio para serem identificados. Mas, o que nos parece evidente, pode esconder uma multiplicidade de aspectos que nos são desconhecidos. Aquilo que julgamos ser um problema pode na verdade, ser conseqüência de problemas que não estão manifestos.


 


 


Outro aspecto diz respeito à questão da governabilidade. Só podemos nos colocar problemas sobre os quais podemos interferir, ou pelos quais somos afetados.


 


 


Estes dois aspectos são suficientes para demonstrar que a identificação de problemas exige todo um processo de análise que, justamente por ser “processo” demanda um tempo que muitas vezes se considera melhor aproveitado com outras necessidades. De modo geral, quando se diz que “planejar é perda de tempo” a referência está ligada a esta etapa do planejamento.


 


 


Além disso, há também um outro componente, que de forma consciente ou não, é temido pelos que participam do processo: a identificação de problemas implica também a identificação de possíveis responsabilidades. Isto pode gerar tensões, já que a tendência é individualizar e personificar a causa dos conflitos e dos fracassos. Na etapa de identificação de problemas, evidencia-se onde estão os problemas e onde se originam. Por  essas razões, a identificação de problemas,  momento fundamental do planejamento, acaba por  não acontecer ou acontece de forma precária, comprometendo todo o processo, uma vez que a definição de objetivos, metas e ações devem estar estreitamente ligados aos problemas identificados e  que devem ser superados pela ação planejada.


 


 


Para finalizar, faz-se necessário duas importantes observações: A primeira é que não podemos considerar o estabelecimento de objetivos e metas desvinculados de um problema identificado, sem uma análise da situação, como “planejamento”.  Isto pode ser considerado, no máximo, uma “carta de intenções” que não poderá passar por um processo de avaliação, pois não há referências que possibilitem a comparação entre a situação inicial e a situação  alcançada em um determinado espaço de tempo.  E, o mais grave, corre-se o risco de desperdício de esforços, energias e recursos em ações com pouco ou nenhum resultado significativo ou que, simplesmente, nem chegam a se realizar, gerando desânimo, dispersão.


 


 


A segunda observação diz respeito ao componente participativo do planejamento. Esta participação não pode ser apenas formal. É necessário o estabelecimento de compromissos para o desenvolvimento das ações planejadas; compromissos fundamentados na adesão consciente a uma proposta que se considera acertada. A eficácia do planejamento depende desta adesão. Caso contrário o planejamento pára na fase de efetivação que é justamente a fase em que ações deveriam começar a ganhar movimento.


 


 


* Maria Valéria Duarte de Souza é socióloga e membro da Comissão Nacional de Organização do PCdoB.


 


 


Bibliografia


(1) CARVALHO, Horácio  Martins de . Introdução á teoria do planejamento. 3ª edição, São Paulo. Brasiliense, , 1979
(2) GREGORY, Jorge Augusto Pereira, As fontes do conceito leninista de tática e estratégia” . Texto digitado, Brasília- DF,  2006
(3) HUERTAS, Franco. Entrevista com Matus. O método PES. São Paulo, Fundap, 1996


(4)  LÊNIN, V.I. O que fazer ? Obras Escolhidas, Vol 1 São Paulo, Alfa Omega, 1980. 
(5) _________Duas táticas da social democracia  na revolução democrática . São Paulo, Editora e Livraria Livramento, 1977.


(6) TONI, Jakson de . O que é Planejamento Estratégico Situacional ?  Revista Espaço Acadêmico Nº 32 Janeiro/2004.